AO EDITOR,
Desde a declaração da tuberculose como “emergência global” em 1993 e a reunião de alto nível da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre tuberculose em setembro de 2018,(1) reconhecemos que houve progresso. No entanto, esse progresso é tímido diante do desafio posto aos líderes mundiais, particularmente a meta de eliminar a tuberculose como problema de saúde pública até 2030 para que sejam alcançados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pelas Nações Unidas.(1) É necessário um enorme esforço para acabar com a epidemia de tuberculose em todos os países até 2035 conforme descrito na End TB Strategy (Estratégia para Acabar com a TB) da OMS, que visa reduzir a mortalidade da tuberculose em 95%, a incidência da tuberculose em 90% e os custos catastróficos em 100%. (2) A tuberculose ainda é uma causa séria de doença e morte em todo o mundo, especialmente em países em desenvolvimento. O ano de 2020 foi o primeiro marco estabelecido pela OMS para acabar com a tuberculose até 2030, mas também foi o ano em que a COVID-19 foi declarada uma pandemia, tornando 2021 um ano crucial para a eliminação da tuberculose.
Como a epidemia de tuberculose no Brasil é grave, é necessária uma abordagem multissetorial para controlá-la. A Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose (REDE-TB) (3) foi inaugurada em 2001 e tem servido de modelo para outros países desde então. A REDE-TB tem desempenhado um papel significativo no controle da tuberculose no Brasil, principalmente na última década, contribuindo para a inclusão da pesquisa e inovação na pauta do Programa Nacional de Controle da Tuberculose. A REDE-TB mudou o cenário da pesquisa no Brasil na última década, com um número significativo de novos estudos e colaborações que resultaram na Agenda Nacional de Pesquisa em Tuberculose, de 2015, em resposta à End TB Strategy da OMS.(4-6) A REDE-TB atualmente faz parte da Rede de Pesquisa em Tuberculose do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS TB Research Network), com um pesquisador representante do Brasil.
O Brasil não atingiu o marco de 2020 estabelecido pela OMS para erradicar a tuberculose até 2030 e, nesse ritmo, provavelmente não atingirá as metas de 2030 e 2035. Infelizmente, em um momento em que é necessária a intensificação das pesquisas, o Brasil está enfrentando uma redução drástica do apoio financeiro do governo federal à pesquisa básica. É preciso reconhecer que a carga da tuberculose no Brasil contribui para a alta carga da doença no mundo. Além disso, os serviços de saúde no Brasil foram afetados pela pandemia de COVID-19, principalmente os serviços de tuberculose. As medidas tomadas em resposta à pandemia de COVID-19 terão consequências profundas. Hogan et al.(7) constataram que a interrupção dos serviços de tuberculose durante a pandemia de COVID-19 poderia aumentar o número de mortes por tuberculose em até 20% em cinco anos, possivelmente em virtude da diminuição do diagnóstico e tratamento oportuno de novos casos.
No Brasil, muitos dos profissionais de saúde envolvidos na assistência à saúde de pacientes com tuberculose foram designados para cuidar de pacientes com COVID-19, o que teve um grande impacto negativo na assistência à saúde de pacientes com tuberculose. Em consequência do impacto negativo da pandemia de COVID-19 nos serviços de tuberculose, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose diminuiu a investigação de tuberculose latente em adultos e adolescentes assintomáticos em contato com indivíduos com tuberculose ativa, o que pode levar a atrasos no diagnóstico e tratamento de novos casos.(8)
Outro desafio apresentado pela pandemia de COVID-19 é o aumento da pobreza no Brasil, que terá um impacto negativo no indicador “custos catastróficos decorrentes da tuberculose”. A atual recessão econômica pode ter um impacto significativo na capacidade financeira das famílias em virtude da redução da renda e do aumento do desemprego, sendo necessários o acompanhamento próximo e ações eficazes para combater a pobreza.(1)
Os cenários aqui descritos exigirão um esforço conjunto do governo, da academia e da sociedade em geral. É necessário melhorar os testes, o tratamento, a prevenção e a pesquisa da tuberculose. Para isso, são necessários um investimento maciço e comprometido em pesquisa e a transferência imediata do conhecimento para a sociedade.
REFERÊNCIAS
1. United Nations [homepage on the Internet]. New York City: United Nations; [updated 2018 Oct 10; cited 2021 Feb 12]. Political declaration of the high-level meeting of the General Assembly on the fight against tuberculosis. Available from: http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/73/3
2. Lönnroth K, Raviglione M. The WHO’s new End TB Strategy in the post-2015 era of the Sustainable Development Goals. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2016;110(3):148-150. https://doi.org/10.1093/trstmh/trv108
3. Kritski A, Ruffino-Netto A, Trajman A, Villa TCS, Hadad DJ, Maciel EL, et al. Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose-REDE TB. Inst Hig Med Trop. 2016;15:S35-S44.
4. Kritski A, Barreira D, Junqueira-Kipnis AP, Moraes MO, Campos MM, Degrave WM, et al. Brazilian Response to Global End TB Strategy: The National Tuberculosis Research Agenda. Rev Soc Bras Med Trop. 2016;49(1):135-145. https://doi.org/10.1590/0037-8682-0330-2015
5. Kritski AL, Villa TS, Trajman A, Lapa E Silva JR, Medronho RA, Ruffino-Netto A. Two decades of research on tuberculosis in Brazil: state of the art of scientific publications [Article in Portuguese]. Rev Saude Publica. 2007 Sep;41 Suppl 1:9-14. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000800003
6. Kritski A, Dalcolmo MP, Mello FCQ, Carvalho ACC, Silva DR, Oliveira MM, et al. The role of the Brazilian Tuberculosis Research Network in national and international efforts to eliminate tuberculosis. J Bras Pneumol. 2018;44(2):77-81. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000435
7. Hogan AB, Jewell BL, Sherrard-Smith E, Vesga JF, Watson OJ, et al. Potential impact of the COVID-19 pandemic on HIV, tuberculosis, and malaria in low-income and middle-income countries: a modelling study [published correction appears in Lancet Glob Health. 2021 Jan;9(1):e23]. Lancet Glob Health. 2020;8(9):e1132-e1141. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(20)30288-6
8. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Condições Crônicas e Doenças Sexualmente Transmissíveis [homepage on the Internet]. Brasília: o Ministério; [cited 2021 Feb 15]. Ofício circular n. 5/2020/CGDR/.DCCI/SVS/MS. Orientações sobre as ações de manejo e controle da tuberculose durante a epidemia do COVID-19. Diário Oficial da União, 2020 Mar 26. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/legislacao/oficio-circular-no-52020cgdrdccisvsms