RESUMO
1. Pulmonary Function Laboratory and Respiratory Investigation Unit, Division of Respirology, Kingston Health Science Center & Queen’s University, Kingston (ON) Canada.
2. Unidade de Fisiologia Pulmonar, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.
CONTEXTO A asma e a DPOC são as doenças respiratórias mais comumente acompanhadas pelos pneumologistas. Em virtude das características clínicas em comum, pode ser difícil discriminar uma da outra; além disso, pode haver sobreposição de asma e DPOC (SAD).(1) Pacientes sintomáticos são frequentemente encaminhados para realizar testes de função pulmonar (TFP) porque seus médicos têm a esperança de que os testes forneçam informações diagnósticas inequívocas.
VISÃO GERAL O paciente “A” era uma mulher de 61 anos, ex-fumante (18 anos-maço), encaminhada para realizar TFP “para confirmar a presença de asma”, pois uma espirometria realizada anteriormente havia mostrado uma grande resposta do VEF1 (0,55 L) ao broncodilatador. TFP repetidos mostraram uma redução moderada e proporcional do VEF1 e da CVF (VEF1/CVF = 0,72) com grande resposta de volume pós-broncodilatador (ΔCVF = 0,81 L), levando a um aumento proporcional do VEF1, isto é, a relação VEF1/CVF pós-broncodilatador foi semelhante à pré-broncodilatador. A pletismografia corporal detectou aprisionamento aéreo (VR/CPT = 0,59), com CPT preservada; é digno de nota que a DLCO, o coeficiente de transferência de monóxido de carbono (KCO) e a relação ventilação alveolar (VA)/CPT apresentaram redução moderada. Esses resultados combinados eram mais consistentes com DPOC do que com asma; de fato, a TC de tórax mostrou enfisema centrolobular moderado a grave e espessamento difuso das vias aéreas. O paciente “B” era um senhor de 73 anos que havia recebido diagnóstico de DPOC com base no histórico de tabagismo pesado e na limitação do fluxo aéreo na espirometria remota. TFP repetidos confirmaram a limitação moderada do fluxo aéreo (VEF1/CVF = 0,58; VEF1 = 64% do valor previsto). Após o uso de broncodilatador inalatório, o VEF1 e os fluxos expiratórios intermediários normalizaram-se. Os volumes pulmonares, a DLCO, o KCO e a relação VA/CPT estavam normais, assim como a TC de tórax. Coletivamente, esses dados foram considerados mais consistentes com asma do que com DPOC.
A lista de cenários nos quais os TFP são ambíguos quanto à presença de asma ou DPOC (Tabela 1) é consideravelmente maior do que a que descreve as poucas situações “diagnósticas” apresentadas acima. Por exemplo, mesmo que um grande aumento do VEF1 pós-broncodilatador (ΔVEF1 ≥ 20% e ≥ 400 mL) esteja mais comumente relacionado com asma, esse não é necessariamente o caso quando o aumento do VEF1 é causado principalmente pelo recrutamento de volume pulmonar (paciente “A”; Tabela 1, cenário 6). Na prática, nenhum valor de corte até agora se mostrou excelente para diferenciar asma de DPOC de maneira clara.(1) O padrão espirométrico denominado Preserved Ratio Impaired Spirometry (PRISm, espirometria alterada com relação VEF1/CVF preservada), também observado no paciente “A”, já foi descrito em ambas as doenças. (2) DLCO e KCO baixos falam contra asma (paciente “A”), mas DLCO baixa pode ocorrer em pacientes não anêmicos com asma se a VA for uma fração baixa da CPT.(3) Por outro lado, a DLCO preservada (ou aumentada) é mais consistente com asma, mas pode ocorrer em pacientes com DPOC nos quais predomine a bronquite crônica (Tabela 1, cenário 10).(4) Determinar a presença de SAD é um desafio ainda maior. Dadas as sete definições de SAD,(5) os critérios baseados na espirometria mostraram-se os menos confiáveis e estáveis ao longo do tempo.
MENSAGEM CLÍNICA Em várias circunstâncias, os TFP por si só não são capazes de estabelecer o diagnóstico definitivo de asma, DPOC ou ambas (Tabela 1). Para isso, é fundamental relacionar dados funcionais com informações clínicas adicionais (probabilidade pré-teste de doença, com a possível inclusão de contagem de eosinófilos). Recomenda-se uma abordagem cautelosa e reservada: mesmo que os resultados de fato sugiram a presença de uma das doenças, é mais seguro (e mais honesto) afirmar que “no contexto clínico certo”, os resultados são “consistentes com” asma, DPOC ou ambas.
REFERÊNCIAS
- Sin DD, Miravitlles M, Mannino DM, Soriano JB, Price D, Celli BR, et al. What is asthma-COPD overlap syndrome? Towards a consensus definition from a round table discussion. Eur Respir J. 2016;48(3):664-673. https://doi.org/10.1183/13993003.00436-2016
- Stringer WW, Porszasz J, Bhatt SP, McCormack MC, Make BJ, Casaburi R. Physiologic Insights from the COPD Genetic Epidemiology Study. Chronic Obstr Pulm Dis. 2019;6(3):256-266. https://doi.org/10.15326/jcopdf.6.3.2019.0128
- Neder JA, Berton DC, Muller PT, O’Donnell DE. Incorporating Lung Diffusing Capacity for Carbon Monoxide in Clinical Decision Making in Chest Medicine. Clin Chest Med. 2019;40(2):285-305. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2019.02.005
- Clausen JL. The diagnosis of emphysema, chronic bronchitis, and asthma. Clin Chest Med. 1990;11(3):405-416.
- Barrecheguren M, Pinto L, Mostafavi-Pour-Manshadi SM, Tan WC, Li PZ, Aaron SD, et al. Identification and definition of asthma-COPD overlap: The CanCOLD study. Respirology. 2020;25(8):836-849. https://doi.org/10.1111/resp.13780