Lemos com grande interesse as descobertas recentes do estudo de Zampogna et al.(1) intitulado “Evolução temporal da capacidade exercício em pacientes em recuperação de pneumonia associada à COVID-19”. O objetivo central do estudo foi avaliar a capacidade física dos pacientes quatro semanas após a alta hospitalar e após um período de acompanhamento de três meses. Para tanto, os autores dividiram os pacientes em dois grupos utilizando o ponto de corte de 75% do valor previsto para a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos. O principal achado desse estudo(1) foi que ambos os grupos recuperaram a capacidade física e o estado funcional após três meses de acompanhamento. A premissa do estudo é interessante (avaliação funcional de pacientes que se recuperaram de COVID-19) e fornece ao leitor informações importantes sobre as estratégias de reabilitação pulmonar, que é um dos principais desafios para os sobreviventes de COVID-19. No entanto, alguns aspectos do estudo estão sujeitos a críticas.
Pacientes com COVID-19 e tempo prolongado de internação hospitalar podem apresentar várias limitações funcionais após a alta. Os sintomas pós-COVID incluem distúrbios neurais e musculoesqueléticos, como neuropatia e fraqueza muscular; dispneia; hipoxemia grave; ansiedade e/ou depressão; perda de peso significativa; e sequelas cardiovasculares (2,3) Assim, essas limitações funcionais precisam ser exploradas não só após a alta hospitalar, mas também no início da reabilitação, na fase de convalescença.(4) Nesse contexto, uma equipe de mobilidade aliada à assistência interdisciplinar(5) é essencial para fazer com que a funcionalidade desses pacientes melhore progressivamente, resultando em melhor qualidade de vida e permitindo que os pacientes retornem às suas atividades laborais.(6,7) Contudo, é necessário considerar algumas questões relacionadas a esse estudo.(1) Houve uma falta de clareza quanto à cronologia das avaliações funcionais realizadas, a importância e o objetivo dos testes funcionais selecionados e a alguns detalhes sobre o programa de reabilitação proposto durante o acompanhamento. Deveria ter sido realizada uma descrição mais rigorosa e consistente da metodologia. Nesse contexto, o estudo tem sua originalidade, importância e aplicabilidade clínica comprometidas.
Considerando que o tempo médio de permanência na UTI foi de 43 dias, espera-se que os pacientes apresentem limitações acentuadas na funcionalidade e no desempenho das atividades da vida diária (AVD) e que necessitem de acompanhamento após a alta. O estudo iniciou as avaliações aproximadamente quatro semanas após a alta (4 ± 1 semanas), ou seja, foram extremamente tardias, a variabilidade foi elevada e não foram fornecidos detalhes sobre o processo de recuperação funcional entre a alta e o início do acompanhamento. Nesse contexto, é altamente recomendável e desejável que programas de reabilitação que estimulem a recuperação funcional desses pacientes hospitalizados por longos períodos devam e possam ser iniciados durante a internação e precisam ser continuados imediatamente após a alta hospitalar.(8) Além disso, não ficou claro naquele estudo(1) se os pacientes que foram recrutados após a alta foram internados em hospitais diferentes e, portanto, se receberam reabilitação pulmonar equivalente durante a internação, o que poderia impactar sua funcionalidade após a alta.
O estudo apresenta um viés em seu desenho, pois os indivíduos foram selecionados com base na capacidade funcional e houve um desequilíbrio no número de indivíduos em cada grupo que realizaram o programa de reabilitação (73% e 33% dos indivíduos nos grupos <75% e ≥75%, respectivamente), evidenciando uma carga heterogênea de treinamento físico entre os grupos. É altamente provável que a recuperação funcional no grupo <75% tenha ocorrido principalmente devido ao programa de reabilitação implementado no qual os pacientes foram inseridos do que simplesmente pela evolução temporal. Além disso, o estudo se mostrou precário por não apresentar a estrutura de reabilitação a qual os pacientes foram submetidos do ponto de vista de localização (domicílio ou centro de reabilitação), frequência, intensidade, modalidade do exercício e supervisão (presencial, telerreabilitação, não supervisionada ou uma combinação dessas).(8) Além disso, a adesão heterogênea dos pacientes aos programas de reabilitação pode comprometer os resultados dos desfechos funcionais investigados.(9) Os autores deveriam ter explorado todos esses aspectos com mais detalhes e, portanto, o estudo carece de reprodutibilidade.(1)
Quanto às avaliações funcionais, os autores mencionaram que o teste de caminhada de seis minutos foi utilizado para avaliar a função dos membros inferiores, mas pacientes com COVID-19 relatam aumento dos sintomas de dispneia e fadiga associados ao mau desempenho das AVD, principalmente aqueles que sobreviveram à hospitalização.(10) Nesse contexto, a maioria das AVD requer elevação de ambos os braços, com e sem apoio. (11) Portanto, como a avaliação das AVD também requer a avaliação da funcionalidade dos membros superiores, isso seria altamente recomendado, uma vez que as terapias voltadas à melhora dessa função também podem contribuir para a redução da dispneia e da fadiga muscular nesses pacientes e auxiliar na seleção de um programa de treinamento físico que possa melhorar a disfunção muscular especialmente voltado para a promoção da independência funcional para a realização de tarefas diárias no ambiente doméstico. Seguindo essa linha de raciocínio, é altamente recomendável avaliar os mecanismos de disfunção muscular dos membros superiores, que podem ser mensurados e confirmados por diferentes testes.(12)
Em conclusão, apesar da relevância do estudo de Zampogna et al.,(1) tendo em vista que a evolução temporal da capacidade funcional em pacientes acometidos pela COVID-19 pode ser impactada pela reabilitação precoce e tardia, a conclusão do estudo deve ser analisada com cautela. A avaliação da capacidade funcional é importante e deve ser direcionada para a fase de reabilitação pulmonar (Figura 1). Além disso, a ausência de diferenças na recuperação funcional desses indivíduos após um período de três meses, considerando que diferentes cargas de reabilitação pulmonar foram aplicadas em ambos os grupos e nenhuma informação foi dada sobre o protocolo de exercícios físicos (intensidade, duração e número de sessões), indica que os resultados desse estudo devem ser avaliados com reservas. Portanto, seria justo supor que, acima de tudo, se os dois grupos recebessem uma reabilitação igualmente baseada em exercícios, os resultados seriam provavelmente diferentes. Por fim, recomendamos fortemente que uma avaliação mais ampla das AVD inclua atividades que incorporem os membros superiores, pois essas estão fortemente associadas a melhoras nas AVD, nos sintomas e, consequentemente, na qualidade de vida em sobreviventes de COVID-19.
REFERÊNCIAS
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