AO EDITOR, A hérnia diafragmática congênita (HDC) ocorre em cerca de 1 em cada 3.300 nascimentos vivos. É um defeito congênito do diafragma com herniação das vísceras abdominais para dentro do tórax. O desenvolvimento pulmonar anormal leva à hipoplasia e hipertensão pulmonar, que são as principais determinantes de morbidade e mortalidade para esses pacientes.(1)
Entre 2015 e 2019, 83 pacientes com HDC foram internados no Centro de Terapia Intensiva Neonatal-2 (CTIN-2) do Instituto da Criança e Adolescente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), São Paulo, Brazil. Destes, 42 (50,6%) tiveram alta hospitalar e foram inscritos em uma clínica especializada de acompanhamento ambulatorial, onde seis pacientes (14.2%) usaram sildenafil. Os demais 36 pacientes apresentavam pressão pulmonar normal e, portanto, não havia indicação para o uso de sildenafil.
O CTIN-2, alinhado com as diretrizes mais atualizadas, utiliza protocolos sistematizados para abordar a HDC. (1,2) Este protocolo é multidisciplinar e começa com a internação do recém-nascido logo após o nascimento na sala de cirurgia ou centro obstétrico. Inclui ressuscitação na sala de parto, transferência para o CTIN-2 para monitoramento, assistência ventilatória, acessos venosos arteriais e centrais, tratamento medicamentoso da hipertensão pulmonar, controle de fluido, medidas de conforto e redução de dor.(3)
Todas essas medidas visam não apenas estabilizar o recém-nascido para correção cirúrgica do defeito congênito, mas também para permitir uma recuperação adequada no período pós-operatório, aumentando sua sobrevivência. Além disso, esses recém-nascidos são encaminhados para uma clínica especializada de acompanhamento ambulatorial.
As principais características das crianças sob sildenafil após alta hospitalar foram as seguintes: 83,3% eram do gênero masculino, 100% nasceram por cesariana, peso médio ao nascer de 3058.3 ± 306.2 gramas, idade gestacional de 38.3 ± 1.0 semanas, e em relação ao cariótipo, três apresentavam 45XY, um apresentava mosaicismo (46X0/46XY) e duas famílias não concordaram com o teste. Como pode haver uma associação da HDC com trissomia, especialmente 18 e 21, recomenda-se efetuar o cariótipo fetal rotineiramente.(4)
Com relação ao tipo de HDC, cinco crianças (83,3%) apresentavam o defeito no lado esquerdo e todas precisavam de um retalho protético durante a cirurgia para reparar o diafragma. Foram encontradas anomalias congênitas em três (50%) casos diferentes (hipoplasia do istmo aórtico, ventriculomegalia e hidrocefalia).
A Tabela 1 mostra as doses de sildenafil utilizadas, assim como o tempo de uso e a evolução da hipertensão pulmonar medida por ecocardiograma.(5)
Segundo o Canadian Congenital Diaphragmatic Hernia Collaborative,(1) o tratamento da hipertensão pulmonar nos casos de HDC consiste em utilizar as seguintes drogas: óxido nítrico inalado - indicado no tratamento da hipertensão pulmonar sem disfunção ventricular esquerda, mas na ausência de resposta clínica e/ou ecocardiograma, seu uso deve ser descontinuado (evidencia de nível II); milrinone - droga de escolha no tratamento da hipertensão pulmonar com disfunção cardíaca (evidencia de nível I); sildenafil – usado na hipertensão pulmonar refratária ao óxido nítrico e/ou em conjunto com óxido nítrico (evidência de nível II); prostaglandina E – usada para manter o ducto arterioso patente e reduzir a carga direita em recém-nascidos com hipertensão pulmonar e insuficiência ventricular direita ou em iminente fechamento do ducto arterioso (evidencia de nível II).
Após a fase de instabilidade, as drogas de escolha por via enteral para tratamento da hipertensão pulmonar são o sildenafil e o bosentan.(6) Em nosso país, o sildenafil é escolhido ao invés do bosentan por causa dos elevados custos envolvidos.
Após várias controvérsias, o sildenafil foi liberado para controlar a hipertensão pulmonar neonatal nas seguintes condições: como adjuvante para óxido nítrico inalado ou para facilitar o desmame, como tratamento primário da hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido quando óxido nítrico não estiver disponível ou for contraindicado e como primeira opção no tratamento crônico da hipertensão pulmonar na displasia broncopulmonar e HDC.(7,8,9)
Em nossa amostra, 14,2% das crianças receberam sildenafil após alta hospitalar (média de 144 dias), com doses entre 2 e 4 mg/kg. Em um estudo similar, Behrsin et al.(10) reportaram que 17% das crianças usaram a droga após alta hospitalar em uma dose de 8 mg/kg/dia, com mediana de 342 dias. Isso mostrou uma consistência na dose, mas com um período muito maior de uso do sildenafil, provavelmente devido às comorbidades além da hipertensão pulmonar. Além do mais, a descontinuação do sildenafil foi gradual (0.5 mg/kg/semana) no estudo australiano,(10) o que não foi realizado em nossa amostra porque a droga foi descontinuada e não houve efeito rebote na hipertensão pulmonar, mostrando que a descontinuação não era necessária. Nosso protocolo não estabelece um tempo específico para o isso do sildenafil, pois isso depende da reversão da hipertensão pulmonar.
Os efeitos colaterais do sildenafil foram categorizados em gastrointestinais (diarreia, dispepsia), vasculares (epistaxe, ruborização, dor de cabeça) e neurológicos (visão anormal, hiperatividade, insônia, mialgia, pirexia) ,(2) mas tais eventos não foram observados nos registros médicos acerca do uso do sildenafil.
Concluindo, a prescrição de sildenafil para controle da hipertensão pulmonar foi eficaz e não mostrou nenhum efeito colateral. Vale citar que vários desses efeitos colaterais são subjetivos (dispepsia, dor de cabeça, hiperatividade, visão anormal, mialgia, pirexia) e difíceis de avaliar e/ou medir em lactentes jovens, pois podem passar desapercebidos na visita de acompanhamento. Assim, nessas crianças, deve-se perguntar sobre todos os efeitos colaterais acima e relatar a respeito para que uma ação apropriada seja tomada.
Vale salientar que este é o primeiro relato brasileiro descrevendo o uso ambulatorial do sildenafil para tratamento de hipertensão pulmonar em crianças com HDC corrigida.
REFERÊNCIAS 1. Canadian Congenital Diaphragmatic Hernia Collaborative. Diagnosis and management of congenital diaphragmatic hernia: a clinical practice guideline. CMAJ. 2018;190(4):E103-12. https://doi.org/10.1503/cmaj.170206
2. Siehr SL, McCarthy EK, Ogawa MT, Feinstein JA. Reported sildenafil side effects in pediatric pulmonary hypertension patients. Front Pediatr. 2015;(3):12. https://doi.org/10.3389/fped.2015.00012
3. Puligandla PS, Grabowski J, Austin M, Hedrick H, Renaud E, Arnold M et al. Management of congenital diaphragmatic hernia: A systematic review from the APSA outcomes and evidence-based practice committee. J Pediatr Surg. 2015;50(11):1958-70. https://doi.org/10.1016/j.jpedsurg.2015.09.010
4. Kirby E, Keijzer R. Congenital diaphragmatic hernia: current management strategies from antenatal diagnosis to long-term follow-up. Pediatr Surg Int. 2020;36(4):415-429. https://doi.org/10.1007/s00383-020-04625-z
5. Rivera IR, Moisés VA. Estimativa da pressão arterial pulmonar pela ecocardiografia nas cardiopatias congênitas com hiperfluxo pulmonar. Rev Bras Ecocardiografia. 2002;15(2):11-20.
6. Hansmann G. Pulmonary Hypertension in Infants, Children, and Young Adults. J Am Coll Cardiol. 2017;69(20):2551-2569. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2017.03.575
7. Lakshminrusimha S, Mathew B, Leach CL. Pharmacologic strategies in neonatal pulmonary hypertension other than nitric oxide. Semin Perinatol. 2016;40(3):160-73. https://doi.org/10.1053/j.semperi.2015.12.004
8. Gien J, Kinsella JP. Management of pulmonary hypertension in infants with congenital diaphragmatic hernia. J Perinatol. 2016;36(Suppl 2):S28-31.
https://doi.org/10.1038/jp.2016.46
9. Keller RL. Pulmonary Hypertension and Pulmonary Vasodilators. Clin Perinatol. 2016;43(1):187-202. https://doi.org/10.1016/j.clp.2015.11.013
10. Behrsin J, Cheung M, Patel N. Sildenafil weaning after discharge in infants with congenital diaphragmatic hernia. Pediatr Cardiol. 2013;34(8):1844-7. https://doi.org/10.1007/s00246-013-0725-1