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Meta-análise

Uso de hidroxicloroquina para prevenir a infecção por SARS-CoV-2 e tratar COVID-19 leve: revisão sistemática e meta-análise

Use of hydroxychloroquine to prevent SARS-CoV-2 infection and treat mild COVID-19: a systematic review and meta-analysis

Suzana E Tanni1, Hélio A Bacha2, Alexandre Naime3, Wanderley M Bernardo4

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210236

ABSTRACT

Objective: Chloroquine or hydroxychloroquine has demonstrated no effect on the treatment of hospitalized COVID-19 patients. This study aimed to answer questions related to the use of hydroxychloroquine for pre-exposure or post-exposure prophylaxis of SARS-CoV-2 infection and in the treatment of patients with mild COVID-19 in terms of hospitalization, adverse events, and mortality. Methods: This was a systematic review and meta-analysis of phase 3 randomized clinical trials, selected from various databases, which compared patients who received hydroxychloroquine for SARS-CoV-2 prophylaxis or treatment of mild COVID-19 cases with controls. Results: A total number of 1,376 studies were retrieved. Of those, 9 met the eligibility criteria and were included in the study. No statistically significant differences were found between the hydroxychloroquine and control groups in terms of pre- or post-exposure prophylaxis of SARS-CoV-2 infection. The use of hydroxychloroquine increased the risk of adverse events by 12% (95% CI, 6-18%; p < 0.001), and the number needed to harm was 9. In addition, no significant differences were found between the hydroxychloroquine and control groups regarding hospitalization (risk difference [RD] = -0.02; 95% CI, -0.04 to 0.00; p = 0.14) or mortality (RD = 0.00; 95% CI, -0.01 to 0.02; p = 0.98) in the treatment of mild COVID-19. Conclusions: The use of hydroxychloroquine for prophylaxis of SARS-CoV-2 infection or treatment of patients with mild COVID-19 is not recommended.

Keywords: Hydroxychloroquine; COVID-19; SARS-CoV-2.

RESUMO

Objetivo: A cloroquina ou hidroxicloroquina não apresentou nenhum efeito no tratamento de pacientes hospitalizados com COVID-19. O objetivo deste estudo foi responder a questões a respeito do uso de hidroxicloroquina na profilaxia da infecção por SARS-CoV-2 pré ou pós-exposição e no tratamento de pacientes com COVID-19 leve no tocante à hospitalização, eventos adversos e mortalidade. Métodos: Trata-se de uma revisão sistemática e meta-análise de ensaios clínicos controlados aleatórios de fase 3 que foram selecionados por meio de buscas em diversos bancos de dados e que compararam controles e pacientes que receberam hidroxicloroquina para profilaxia de SARS-CoV-2 ou tratamento de COVID-19 leve. Resultados: Foram identificados 1.376 estudos. Destes, 9 preencheram os critérios de elegibilidade e foram incluídos no estudo. Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos hidroxicloroquina e controle quanto à profilaxia da infecção por SARS-CoV-2 pré ou pós-exposição. O uso de hidroxicloroquina aumentou o risco de eventos adversos em 12% (IC95%: 6-18%; p < 0,001), e o número necessário para prejudicar foi 9. Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos hidroxicloroquina e controle quanto à hospitalização [diferença de risco (DR) = −0,02; IC95%: −0,04 a 0,00; p = 0,14] e mortalidade (DR = 0,00; IC95%: −0,01 a 0,02; p = 0,98) no tratamento de COVID-19 leve. Conclusões: Não é recomendado o uso de hidroxicloroquina nem na profilaxia da infecção por SARS-CoV-2 nem no tratamento de pacientes com COVID-19 leve.

Palavras-chave: Hidroxicloroquina; Infecções por coronavirus; Betacoronavirus.

INTRODUÇÃO
 
A COVID-19 é causada pelo SARS-CoV-2, surgido na China em dezembro de 2019, e foi declarada pandemia pela Organização Mundial da Saúde. A economia de cada país é representada pelo comprometimento das taxas de casos infectados e mortalidade na população e pelo acesso a vacinas contra SARS-CoV-2, e as políticas nacionais implantadas para reduzir a transmissão aérea são representadas pela carga no sistema de saúde.(1) Nesse contexto, estratégias de tratamento farmacológico empírico para prevenir ou controlar a progressão da COVID-19 têm sido debatidas em diferentes cenários e discutidas na literatura científica.(2,3)
 
A COVID-19 é uma doença nova que exigiu a implantação de propostas de tratamento rápido para reduzir a transmissão, proteger os indivíduos expostos e diminuir a mortalidade. Sugeriu-se o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina para reduzir a carga viral e controlar a gravidade da doença. (4) No entanto, depois de mais de um ano de convivência com a pandemia de COVID-19, acumulamos evidências científicas de que o uso de hidroxicloroquina é inútil para o tratamento de pacientes hospitalizados com COVID-19. De fato, as diretrizes reais de tratamento estão apoiadas na premissa das melhores evidências médicas, e não há nenhuma que apoie o uso de hidroxicloroquina para reduzir a necessidade de ventilação mecânica ou a taxa de mortalidade por qualquer causa.(5) Por outro lado, há lugares onde o uso rotineiro de hidroxicloroquina ainda está sendo recomendado como intervenção ideal para prevenir a infecção em indivíduos com alto risco de contaminação (profilaxia pré ou pós-exposição) ou para controlar a progressão da gravidade da COVID-19 após a infecção. Além disso, não há revisões sistemáticas nas quais se tenha avaliado o uso de hidroxicloroquina em pacientes com COVID-19 leve. Portanto, não se sabe o suficiente para determinar se a cloroquina ou a hidroxicloroquina podem prevenir a infecção por SARS-CoV-2 ou controlar a gravidade da COVID-19 em pacientes não hospitalizados. O objetivo do presente estudo foi coletar e avaliar evidências provenientes da literatura sobre esses tópicos e fornecer recomendações de tratamento. Para isso, abordamos as seguintes questões clínicas: “A hidroxicloroquina previne a doença em indivíduos sem diagnóstico de COVID-19 que tiveram contato com um indivíduo infectado?” e “A hidroxicloroquina reduz as chances de hospitalização, os eventos adversos ou o risco de mortalidade em pacientes com COVID-19 leve?”
 
MÉTODOS
 
Esta revisão sistemática foi realizada em conformidade com as recomendações Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA).(6)
 
CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE
 
O protocolo deste estudo baseou-se na metodologia Patients of interest, Intervention to be studied, Comparison of intervention, and Outcome of interest (PICO, isto é, população, intervenção a ser estudada, comparação de intervenções e desfecho). No que tange ao uso profilático de hidroxicloroquina, a estrutura PICO foi a seguinte: Pacientes: pacientes pré-exposição (sem diagnóstico de COVID-19) ou pós-exposição (RT-PCR com resultado positivo para SARS-CoV-2); Intervenção: uso de hidroxicloroquina; Comparação: tratamento-padrão ou placebo; Desfecho: indivíduos com RT-PCR com resultado positivo, hospitalização (enfermaria ou UTI), mortalidade e eventos adversos. Também investigamos desfechos benéficos e prejudiciais decorrentes do uso de hidroxicloroquina em adultos com risco de infecção por SARS-CoV-2. Profissionais de saúde em unidades hospitalares foram considerados indivíduos com risco de infecção. No que tange aos pacientes com COVID-19 leve, a estrutura PICO foi a seguintes: Pacientes: pacientes com RT-PCR com resultado positivo confirmado que não haviam sido hospitalizados antes da randomização; Intervenção: uso de hidroxicloroquina; Comparação: tratamento-padrão ou placebo; Desfecho: hospitalização (enfermaria ou UTI), mortalidade e eventos adversos.
 
Os critérios de elegibilidade para a inclusão de estudos foram ensaios clínicos controlados aleatórios (ECA) de fase 3 e ECA de fase 3 com revisão sistemática das questões PICO. Não impusemos nenhuma restrição quanto à data de publicação, idioma ou disponibilidade do texto integral.
 
Fontes de informação e estratégia de busca
 
Dois dos autores elaboraram a estratégia de busca (que foi revista e aprovada pela equipe), selecionaram as fontes de informação e realizaram buscas sistemáticas nos seguintes bancos de dados: MEDLINE, EMBASE, Central Cochrane e ClinicalTrials.gov. Foram usadas estratégias específicas de busca em cada banco de dados: 1: (“COVID” OR “COV” OR “coronavirus” OR “SARS”); 2: (“chloroquine” OR “chlorochin” OR “hydroxychloroquine” OR “oxychloroquine” OR “hydroxychlorochin”); 3: 1 AND 2; 4: 3 AND (random*).
 
Seleção de estudos
 
Dois pesquisadores independentes selecionaram e extraíram os dados dos estudos incluídos. Em primeiro lugar, os artigos foram selecionados com base no título e no resumo. Em segundo lugar, os textos integrais foram avaliados a fim de incluir ou excluir os estudos; as divergências foram resolvidas por consenso.
 
Coleta de dados e desfechos investigados
 
Foram extraídos dos estudos dados referentes à autoria, ano de publicação, descrição dos pacientes, intervenções (hidroxicloroquina e controle), desfechos e período de acompanhamento.
 
No que tange à profilaxia com hidroxicloroquina, os resultados (desfechos) coletados foram RT-PCR com resultado positivo (período de acompanhamento maior), hospitalização, eventos adversos, eventos adversos graves e mortalidade. No que tange ao tratamento de casos de COVID-19 leve com hidroxicloroquina, os desfechos foram hospitalização, eventos adversos, eventos adversos graves e mortalidade. Os grupos de controle variaram de estudo para estudo.
 
Risco de viés e qualidade das evidências
 
O risco de viés foi avaliado por meio da ferramenta de risco de viés da Cochrane (RoB 2)(7) e foi considerado muito sério, sério ou não sério. A qualidade das evidências foi extrapolada a partir do risco de viés e descrita por meio da terminologia Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation (GRADE), isto é, muito baixa, baixa ou alta; no caso de meta-análises, a qualidade das evidências foi descrita por meio do programa GRADEpro Guideline Development Tool (GDT; McMaster University, Hamilton, ON, Canadá) como sendo muito baixa, baixa, moderada ou alta.
 
Síntese dos resultados e análise
 
Os desfechos categóricos foram expressos por grupo (hidroxicloroquina e controle), número de eventos e risco calculado (em %) para cada grupo (por meio da divisão do número de eventos pelo total de pacientes em cada grupo). Quando a diferença entre os grupos quanto ao risco foi significativa, o IC95% foi expresso com base no número necessário para tratar ou no número necessário para prejudicar (NNP). Usamos meta-análise de efeitos fixos para avaliar o efeito da hidroxicloroquina vs. controle nos desfechos quando esses dados estavam disponíveis em pelo menos dois ECA cujas características foram consideradas homogêneas. Os efeitos das meta-análises foram relatados em forma de diferenças de risco (DR) e IC95%; os IC95% que incluíram o número 0 indicaram que não houve diferença entre os braços hidroxicloroquina e controle quanto ao efeito dos desfechos. O uso de DR mostra o tamanho do efeito absoluto na meta-análise em comparação com o risco relativo (RR) ou a razão de chances, e essa técnica pode ser usada quando o desfecho binário for zero em ambos os braços do estudo. A heterogeneidade entre os estudos quanto aos efeitos foi quantificada pelo coeficiente I2 (I2 > 50% significa alta heterogeneidade). Para a meta-análise, usamos o programa Review Manager, versão 5.4 (RevMan 5; Cochrane Collaboration, Oxford, Reino Unido).
 
RESULTADOS
 
Foram identificados 1.376 estudos nos bancos de dados selecionados (Figura 1). Após a eliminação das duplicatas e a inclusão dos estudos que preencheram os critérios de elegibilidade, 58 estudos foram selecionados para a avaliação do texto integral (MEDLINE: 51; EMBASE: 4; ClinicalTrials.gov: 3). Destes, foram excluídos 49. Portanto, foram selecionados 9 ECA,(8-16) cujas características (Tabela 1), resultados, risco de viés, qualidade das evidências e síntese das evidências são descritos abaixo (Tabelas 2-5).

 










Presumimos que não era grave o risco de viés nos estudos selecionados para apoiar as conclusões a respeito do tratamento. A qualidade das evidências na análise da profilaxia variou de acordo com o desfecho analisado: diagnóstico de COVID-19 (moderada), hospitalização (moderada), eventos adversos (muito baixa), eventos adversos graves (muito baixa) e mortalidade (moderada). A qualidade das evidências na análise do tratamento de COVID-19 leve variou de acordo com o desfecho analisado: hospitalização (alta), eventos adversos (muito baixa), eventos adversos graves (alta) e mortalidade (alta).
 
Hidroxicloroquina para a profilaxia da infecção por SARS-CoV-2 pré ou pós-exposição
 
O período de acompanhamento variou de duas a oito semanas nos estudos selecionados. Não se observou nenhuma diferença estatisticamente significativa entre os grupos hidroxicloroquina e controle para a profilaxia da infecção por SARS-CoV-2 pré ou pós-exposição durante o período de acompanhamento quanto à incidência de RT-PCR com resultado positivo para COVID-19 (DR = 0,01; IC95%: −0,01 a 0,02; p = 0,13; Figura 2A). O RR foi de 1,19 (IC95%: 0,95-1,50). A qualidade das evidências foi moderada (Tabela 4).
 

 
Não houve diferença significativa entre os grupos hidroxicloroquina e controle quanto à incidência de hospitalização durante o período de acompanhamento [DR = −0,00 (IC95%: −0,01 a −0,00); p = 0,26; Figura 2B e RR = 0,74 (IC95%: 0,44-1,25)]. A qualidade das evidências foi moderada (Tabela 4). O uso de hidroxicloroquina profilática aumentou o risco de eventos adversos em 12% (IC95%: 6-8%; p < 0,001; NNP = 9) em comparação com o grupo controle [RR = 1,69 (IC95%: 1,36-2,09); Figura 2C]. No entanto, a qualidade das evidências foi muito baixa (Tabela 4).
 
Quanto à incidência de eventos adversos graves, não se observou nenhuma diferença estatisticamente significativa entre os grupos hidroxicloroquina e controle [DR = 0,00 (IC95%: −0,01 a 0,01); p = 0,77; Figura 2D e RR = 1,70 (IC95%: 0,91-3,17)]. A qualidade das evidências foi muito baixa (Tabela 4). Da mesma forma, não se observou nenhuma diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto à incidência de mortalidade [DR: −0,00 (IC95%: −0,00 a 0,00); p = 0,51; Figura 2E e RR = 0,66 (IC95%: 0,22-2,02)]. A qualidade das evidências foi moderada (Tabela 4).
 
Hidroxicloroquina para o tratamento de COVID-19 leve
 
Quando comparamos os grupos hidroxicloroquina e controle que incluíram pacientes com COVID-19 leve, não observamos diferenças significativas (Figura 3) quanto às hospitalizações [DR = −0,02 (IC95%: −0,04 a 0,00); p = 0,14; Figura 3A e RR = 0,68 (IC95%: 0,41-1,14)], com evidências de qualidade alta (Tabela 5); eventos adversos [DR = 0,11 (IC95%: −0,09 a 0,31); p = 0,27; Figura 3B e RR = 1,47 (IC95%: 0,79-2,72)], com evidências de qualidade muito baixa (Tabela 5); eventos adversos graves [DR = −0,00 (IC95%: −0,04 a 0,04); p = 0,95; Figura 3C; e RR = 0,97 (IC95%: 0,44-2,16)] e mortalidade [DR = 0,00 (IC95%: −0,01 a 0,01); p = 0,98; Figura 3D; e RR = 1,07 (IC95%: 0,15-7,86)], com evidências de qualidade alta (Tabela 5).

 
DISCUSSÃO
 
Os principais resultados desta revisão sistemática mostraram que o uso de hidroxicloroquina para a profilaxia de SARS-CoV-2 pré ou pós-exposição não teve efeito na taxa de incidência de positividade confirmada para SARS-CoV-2 e que seu uso aumentou o risco de eventos adversos em 12%. Além disso, o uso de hidroxicloroquina em pacientes com COVID-19 leve não resultou em diferenças significativas quanto às taxas de hospitalização, eventos adversos e mortalidade.
 
A escolha de desfechos clínicos relevantes é fundamental para definir a eficácia de um tratamento médico, e isso vale também para o tratamento da COVID-19. Para pacientes com risco de COVID-19, a profilaxia é essencial para prevenir a doença, e o tratamento de pacientes com COVID-19 leve é necessário para prevenir a hospitalização (enfermaria ou UTI) e a progressão da doença.
 
Nossos resultados são semelhantes aos de uma revisão sistemática anterior com dois ECA que estudaram o uso de hidroxicloroquina na profilaxia da infecção por SARS-CoV-2 pré ou pós-exposição.(17-19) No entanto, esta é a primeira revisão que estudou o uso de hidroxicloroquina apenas em pacientes com COVID-19 leve para avaliar a progressão da doença. Nossa revisão sistemática incluiu um ECA a mais que o estudo de Lewis et al.(19) para avaliar a eficácia da profilaxia com hidroxicloroquina pré ou pós-exposição. Com o acréscimo desse ECA à análise, obtivemos resultados semelhantes aos de Lewis et al.,(19) porém identificamos uma diminuição do IC95% relacionado com o risco. Em outras palavras, reduzimos a incerteza a respeito da profilaxia com hidroxicloroquina pré ou pós-exposição e reforçamos a recomendação de que não se deve usar a hidroxicloroquina para isso. Da mesma forma, Hernandez et al.(18) descreveram estudos de coorte e ECA sobre o uso de hidroxicloroquina como intervenção.
 
Quando analisamos os resultados referentes ao uso de hidroxicloroquina em pacientes com COVID-19 leve, a maioria dos itens das tabelas do programa RoB 2 apresentou baixo risco de viés e, concomitantemente, a qualidade das evidências na maioria dos desfechos foi alta, o que reforça nossa recomendação final de que não se deve usar a hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com COVID-19 leve.
 
Os ECA de fase 3 têm várias características fundamentais que garantem o menor grau de incerteza quando duas formas de tratamento ou profilaxia são comparadas: a. são comparadas amostras homogêneas em ambos os grupos (pacientes com características semelhantes); b. a alocação de pacientes para os grupos não sofre influência ou interferência, em virtude do uso de métodos aleatórios (a imprevisibilidade garante que a chance de alocação para qualquer um dos grupos é a mesma para todos os indivíduos); c. a população é representada (estimativa do tamanho da amostra e análise de poder que garantem a aplicabilidade e reprodução dos resultados na prática); d. as intervenções são cegas (o que evita interferência na aplicação das intervenções); e. há perda de controle (o que evita a manipulação da seleção de pacientes); f. os procedimentos e intervenções são padronizados (o que evita variações nos processos, doses, cointervenções etc.); g. as análises estatísticas são realizadas diretamente por meio do número de eventos e médias, sem necessidade de correções. Essas características estão ausentes em estudos observacionais comparativos (estudos de coorte).
 
Há vários obstáculos à realização de ECA. Os três principais são os seguintes: 1. falta de pacientes (doenças raras); 2. tecnologias de difícil implantação (incomparáveis, caras ou complexas); 3. longo tempo para que os desfechos ocorram (o que exige um longo período de acompanhamento). No entanto, não é esse o caso da COVID-19.
 
As evidências disponíveis podem mudar com o tempo. No entanto, tanto um ECA como uma meta-análise que inclua ECA podem proporcionar um grau considerável de certeza, o que reduz muito a probabilidade de que novos estudos surgirão e modificarão as conclusões. Portanto, o uso de hidroxicloroquina para a profilaxia da infecção por SARS-CoV-2 ou para o tratamento de pacientes com COVID-19 leve não se justifica e é atualmente contraindicado, a fim de evitar incertezas e dificuldades em tomar decisões.
 
É adequado o número de pacientes incluídos na presente revisão sistemática e meta-análise, e os resultados são reprodutíveis e podem ser aplicados na assistência ao paciente.
 
Esta revisão sistemática tem limitações que precisam ser esclarecidas. Em primeiro lugar, em virtude do pequeno número de ECA, não pudemos examinar gráficos de funil para detectar algum viés de publicação. No entanto, usamos uma estratégia abrangente de busca. Em segundo lugar, não registramos nem publicamos nosso protocolo antes, em virtude da urgência de demonstrar as melhores evidências para implantação na prática clínica local. Não obstante, todos os desfechos desta revisão sistemática foram definidos a priori.
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
No que tange ao uso de hidroxicloroquina para a profilaxia da infecção por SARS-CoV-2, não houve diferenças significativas entre os grupos quanto à incidência de casos infectados (RT-PCR com resultado positivo), hospitalização, eventos adversos graves e mortalidade durante o período de acompanhamento. Além disso, o uso de profilaxia com hidroxicloroquina pré ou pós-exposição aumentou o risco de eventos adversos em 12% (IC95%: 6-8%; NNP = 9) em comparação com controles durante o período de acompanhamento. A qualidade das evidências variou de muito baixa a moderada. Também não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos hidroxicloroquina e controle quanto ao número de hospitalizações, eventos adversos graves e óbitos em pacientes com COVID-19 leve, e a qualidade das evidências foi alta. O mesmo resultado foi observado no que tange à incidência de eventos adversos, mas a qualidade das evidências foi muito baixa. Portanto, não é recomendado o uso de hidroxicloroquina na profilaxia da infecção por SARS-CoV-2 ou no tratamento de pacientes com COVID-19 leve.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
SET, HAB, AN e WMB: concepção e desenho do estudo. WMB e SET: coleta dos dados. WMB e SET: análises estatísticas e interpretação dos dados. WMB e SET: redação do manuscrito. SET, HAB, AN e WMB: revisão crítica e aprovação da versão final.
 
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