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Artigo de Revisão

Impacto da exposição à fumaça da queima de biomassa na Floresta Amazônica na saúde humana

Impact of exposure to smoke from biomass burning in the Amazon rain forest on human health

Marilyn Urrutia-Pereira1,2,3, Luciana Varanda Rizzo4, Herberto José Chong-Neto5,6,7,8, Dirceu Solé3,9,10,11

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210219

ABSTRACT

This review study aimed to determine the relationship between exposure to smoke from biomass burning in the Amazon rain forest and its implications on human health in that region in Brazil. A nonsystematic review was carried out by searching PubMed, Google Scholar, SciELO, and EMBASE databases for articles published between 2005 and 2021, either in Portuguese or in English, using the search terms "biomass burning" OR "Amazon" OR "burned" AND "human health." The review showed that the negative health effects of exposure to smoke from biomass burning in the Amazon have been poorly studied in that region. There is an urgent need to identify effective public health interventions that can help improve the behavior of vulnerable populations exposed to smoke from biomass burning, reducing morbidity and mortality related to that exposure.

Keywords: Fires; Air pollution; Risk factors; Risk assessment; Rainforest; Brazil.

RESUMO

Este estudo de revisão teve como objetivo determinar a relação entre a exposição à fumaça da queima de biomassa na Floresta Amazônica e suas implicações para a saúde humana nessa região do Brasil. Foi realizada uma revisão não sistemática por meio de buscas nas bases de dados PubMed, Google Scholar, SciELO e EMBASE de artigos publicados entre 2005 e 2021, em português ou inglês, utilizando os termos de busca “biomass burning” OU “Amazon” OU “burned” E “human health”. A revisão mostrou que os efeitos negativos para a saúde resultantes da exposição à fumaça da queima de biomassa na Amazônia foram pouco estudados na região. Há uma necessidade urgente de identificar intervenções efetivas de saúde pública que possam ajudar a melhorar o comportamento das populações vulneráveis expostas à fumaça da queima de biomassa, reduzindo a morbimortalidade relacionada a essa exposição.

Palavras-chave: Incêndios; Poluição do ar; Floresta úmida; Brasil.

INTRODUÇÃO
 
A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, cobrindo uma área de 5,5 milhões de km2, a maior parte dela (60%) localizada no Brasil. Representa metade da área de floresta tropical remanescente e possui a maior biodiversidade do mundo. Cerca de 27 milhões de pessoas vivem na área denominada “Amazônia Legal” no Brasil (Figura 1), a qual inclui nove estados brasileiros.(1,2)


 
A Floresta Amazônica tem duas estações distintas. Na estação chuvosa, que normalmente ocorre entre dezembro e março, são observados altos níveis de precipitação (> 250 mm/mês). Na estação seca, que ocorre entre maio e setembro, também chove, mas a precipitação é menor (20-70 mm/mês).(3) Os incêndios florestais predominam durante a estação seca,(4) com um aumento de dez vezes nas concentrações de poluentes atmosféricos,(5) tendo impacto na saúde humana.(6)
 
Este estudo de revisão teve como objetivo determinar a relação entre a exposição à fumaça da queima de biomassa na Floresta Amazônica e suas implicações para a saúde humana nessa região do Brasil.
 
FONTE DOS DADOS
 
Foi realizada uma revisão não sistemática da literatura por meio de buscas nos bancos de dados PubMed, Google Scholar, SciELO e EMBASE por artigos publicados entre 2005 e 2021, em português ou inglês, utilizando os termos de busca “biomass burning” OU “Amazon” OU “burned” E “human health”. A pesquisa bibliográfica foi realizada entre novembro de 2020 e maio de 2021. Inicialmente, foram encontrados 126 artigos científicos, dos quais 72 efetivamente contemplavam o tema da fumaça de incêndios na Amazônia brasileira e suas repercussões na saúde humana. Além disso, foi consultado o banco de dados do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.(7)
 
QUEIMADAS OU INCÊNDIOS FLORESTAIS?
 
O fogo na Amazônia pode ser classificado em três tipos principais.(8,9) O primeiro tipo é o fogo de desmatamento, que inclui o corte raso da floresta que é deixada para secar e a subsequente queima das árvores cortadas como forma de preparar o solo para a agricultura e a pecuária.(8) O segundo tipo de fogo está associado à manutenção das áreas previamente desmatadas e visa eliminar as árvores cortadas e ervas daninhas para as atividades agrícolas e pecuárias. Esse tipo de fogo pode secar a floresta circundante e aumentar a vulnerabilidade ao fogo nos anos subsequentes. Nem todo fogo em áreas previamente desmatadas é intencional, e algumas queimadas se expandem além dos limites pretendidos.(8) O terceiro tipo de fogo é chamado de incêndios florestais, que consomem a floresta em pé, seja pela primeira vez, com as chamas limitando-se principalmente ao sub-bosque, ou como eventos repetidos, resultando em fogo mais intenso.(8)
 
O desmatamento, a manutenção de áreas desmatadas e os incêndios florestais são responsáveis por 8%, 39% e 53% dos focos de fogo,(9) respectivamente, com impactos sociais e ambientais distintos.(8) No entanto, todos esses eventos resultam em emissões significativas de poluentes na atmosfera. Na Amazônia, os diferentes tipos de fogo são de origem antrópica, pois raramente ocorre fogo natural(9) dado o alto teor de umidade do solo e da vegetação.(10-14)
 
Secas intensas ocorreram em 2005, 2007 e 2010, o que aumentou o número de incêndios causados pelo homem. Por isso, o fogo na Amazônia tornou-se um problema ambiental persistente, parcialmente ligado à crescente incidência de desmatamento que não deve ser subestimada, mas sim considerada na implementação de medidas de proteção à Floresta Amazônica.(9,15) No entanto, um estudo recente relatou redução nas taxas de desmatamento entre 2004 e 2012, com diminuição de 30% nas concentrações de material particulado (MP) durante a estação seca, evitando até 1.700 mortes prematuras por ano e demonstrando os benefícios diretos da manutenção das áreas florestais.(11,16)
 
Até o momento, estimativas independentes indicam que 15-20% da cobertura florestal natural da Amazônia Legal foi desmatada.(2,10,17-19) O último relatório do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa de 2019(17) indicou que o desmatamento, especialmente na Amazônia, aumenta as emissões de poluentes. Nas últimas cinco décadas, a quantidade de gases de efeito estufa lançada na atmosfera pelo setor de mudança do uso do solo aumentou para 23% e representa 44% do total de emissões no Brasil.(18)
 
Se a área desmatada continuar a aumentar, existe a possibilidade de chegarmos a um ponto de inflexão em que o ecossistema não terá resiliência para se recuperar, sendo gradualmente transformado em uma paisagem de savana tropical degradada.(15) Estima-se que as sinergias entre o desmatamento e as mudanças climáticas tornem as florestas mais quentes e secas e, portanto, mais propensas a sustentar incêndios descontrolados(8,19) com impactos na saúde humana. (3,20) As projeções climáticas regionais sugerem que os regimes de fogo na Amazônia irão se intensificar, afetando a qualidade do ar externo e interno em comunidades rurais e urbanas.(13,15,20,21)
 
EMISSÕES DE INCÊNDIOS E QUALIDADE DO AR
 
As emissões dos incêndios florestais são física e quimicamente complexas; a formação de fumaça, o intemperismo físico e químico e o transporte atmosférico são influenciados por vários fatores como tipo de combustível, tipo de incêndio, características da paisagem, taxa de consumo de combustível e condições climáticas.(22,23) As principais emissões primárias que agravam a qualidade do ar e continuam sendo uma preocupação de saúde pública incluem MP, monóxido de carbono, óxido de nitrogênio, benzeno — que é um composto orgânico volátil (COV) primário — e traços de metais. A qualidade do ar é afetada ainda pela formação de poluentes secundários como ozônio, COV secundários (como acetona) e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP). No entanto, esses produtos secundários são ainda mais difíceis de prever em virtude dos vários fatores envolvidos.(24-27)
 
A região Norte do Brasil não possui redes de monitoramento contínuo da qualidade do ar,(28) exceto por uma iniciativa pioneira estabelecida pela Universidade Federal do Acre, que passou a monitorar MP com diâmetro médio < 2,5 µm (MP2,5) em 22 cidades do estado do Acre em 2019.(29) Os resultados mostraram que, durante a estação seca, a concentração média de MP2,5 nos 22 municípios ficou em torno de 40 µg/m3, muitas vezes ultrapassando o limite recomendado pela OMS (média em 24 h de 25 µg/m3).(5,29,30)
 
A composição química do MP2,5 dos incêndios florestais na Amazônia mostra uma predominância de compostos orgânicos (cerca de 80%), contendo 10-15% de partículas de fumaça conhecidas como carbono negro. Os compostos inorgânicos correspondem a 10-20% do MP2,5, sendo os sulfatos os mais abundantes.(30)
 
Os níveis de HAP e COV presentes na fumaça de incêndios na Amazônia podem ser relativamente altos e incluir substâncias potencialmente cancerígenas, como pireno (equivalente de benzo[a]pireno), formaldeído e benzeno.(31) A exposição recorrente às emissões de fumaça pode aumentar o risco de câncer na população exposta.(23) Um estudo realizado no estado de Rondônia mostrou que o risco de câncer de pulmão por exposição em longo prazo a equivalentes de benzo[a]pireno presentes nas emissões de fumaça de incêndios era duas vezes maior do que o recomendado pela OMS.(32)
 
Algumas partículas podem permanecer na atmosfera por dias a semanas e percorrer longas distâncias, às vezes centenas de quilômetros,(23,24) afetando a concentração de poluentes em regiões distantes da fonte. Como exemplos, podemos citar a presença de partículas provenientes dos incêndios florestais australianos na cidade de Porto Alegre no início de 2020(33) e a presença de partículas provenientes da Bacia Amazônica e da Bolívia na cidade de São Paulo em agosto de 2019,(34) bem como a presença de partículas na neve e geleiras andinas mostrada em imagens de satélite, levantando a hipótese de que parte do carbono negro encontrado naquela região possivelmente tenha origem em incêndios na Amazônia.(35)
 
POLUIÇÃO DO AR E EFEITOS NA SAÚDE
 
Três mecanismos principais explicam os efeitos bioquímicos, fisiológicos e clínicos da exposição a partículas de poluição do ar.(27) Em primeiro lugar, as partículas inaladas podem reagir com os receptores neurais pulmonares e ativar o reflexo que está envolvido na comunicação química e elétrica entre o pulmão e o sistema nervoso. Os sinais de retorno do cérebro que viajam pelo sistema nervoso autônomo podem desencadear aumento dos níveis de pressão arterial e alterações do ritmo cardíaco.(25) Em segundo lugar, os poluentes atmosféricos interagem com as membranas alvéolo-capilares e geram reações de estresse oxidativo, bem como respostas inflamatórias locais e sistêmicas. (36) Essas respostas induzem oxidação e distúrbios lipídicos do sangue, ativação de plaquetas e alterações pró-trombóticas em proteínas, afetando as funções dos vasos sanguíneos e aumentando a coagulação sanguínea.(25) Em terceiro lugar, o MP0,1 ultrafino (diâmetro médio < 0,1 µm) pode ser translocado através da membrana alveolar e agir sistemicamente, à distância do pulmão.(31)
 
As respostas bioquímicas e fisiológicas contribuem para uma série de alterações funcionais, incluindo disfunção endotelial e ativação e formação de lesões. As alterações locais nos pulmões aumentam as respostas pulmonares que podem afetar a função das vias aéreas e diminuir a resistência a vírus e bactérias, aumentando o risco de infecções.(24,37)
 
FUMAÇA DE INCÊNDIOS FLORESTAIS E EFEITOS NA SAÚDE
 
A emissão e o transporte atmosférico da fumaça de incêndios florestais são um crescente e dispendioso problema de saúde pública global que afeta principalmente comunidades vulneráveis e pessoas mais sensíveis, como crianças (bebês e crianças pequenas), gestantes, fetos, pessoas de meia-idade, idosos (> 65 anos de idade), pessoas com doenças pulmonares e/ou cardíacas, fumantes (ativos e passivos), trabalhadores propensos a doenças ocupacionais e populações socialmente vulneráveis.(38-42)
 
As características físicas e químicas dos poluentes atmosféricos, sejam de áreas urbanas ou emissões de incêndios florestais, são dinâmicas, variando no tempo e no espaço; portanto, a avaliação de seus impactos permanece um desafio. Além disso, os esforços atuais para estudar os efeitos da fumaça de incêndios florestais são limitados em virtude da falta de medições da qualidade do ar na região Norte do Brasil.(28) A Tabela 1 lista alguns dos estudos mais relevantes sobre os efeitos da fumaça dos incêndios florestais na Amazônia na saúde humana no Brasil.
 

 
A fumaça de incêndios florestais consiste principalmente em MP, especialmente o MP0,1. A concentração de MP é maior perto da fonte emissora. Durante os períodos de fogo ativo, o MP2,5 foi significativamente associado a efeitos respiratórios em virtude da deposição direta de partículas inaladas nos pulmões, consequentemente causando estresse oxidativo local e inflamação e, potencialmente, sua migração para a circulação sistêmica.(25,36)
 
Estudos anteriores mostraram que a exposição das células pulmonares ao MP10 (diâmetro médio < 10 µm) aumenta significativamente os níveis de espécies reativas de oxigênio e citocinas inflamatórias, o risco de autofagia e os danos ao DNA. A exposição contínua ao MP10 ativa a apoptose e necrose celular. (32) As morbidades respiratórias incluem asma, DPOC, bronquite e pneumonia.(43-46) As más condições socioeconômicas aumentam a associação entre a exposição ao MP2,5 proveniente de incêndios florestais e as internações hospitalares e em PS por asma e insuficiência cardíaca. (6,41,47,48)
 
Foi encontrada uma relação significativa e positiva entre as concentrações de ozônio durante o período de incêndios e as internações em PS por asma(6) em áreas ao redor de um incêndio florestal. A fumaça pesada pode causar irritação nos olhos, abrasões na córnea e uma redução significativa da visibilidade, aumentando o risco de acidentes de trânsito.(40)
 
O feto também pode ser exposto a altos níveis de HAP no útero, o que é particularmente preocupante no início da vida porque essa exposição pode ocorrer durante a chamada “janela de suscetibilidade”, período que tem impacto nos mecanismos estruturais e na sinalização celular e que pode resultar no desenvolvimento de doenças na idade adulta.(25) A exposição de gestantes a MP no primeiro trimestre da gestação tem sido associada a maior risco de baixo peso ao nascer. Essa exposição em qualquer momento da gestação aumenta o risco de nascimento pré-termo.(25,49,50)
 
As crianças são especialmente vulneráveis à exposição a MP. Como estão em crescimento e desenvolvimento, apresentam maior volume corrente em proporção ao peso corporal, filtragem nasal menos eficiente, o que facilita a penetração mais profunda das partículas nos pulmões, e maior exposição ao ar livre. Além disso, como possuem longa expectativa de vida, os efeitos adversos dessa exposição podem ter consequências para toda a vida. Até crianças saudáveis podem apresentar sintomas de vias aéreas superiores, bem como aumento de tosse e sibilância, quando expostas à fumaça de incêndios florestais.(25)
 
Pessoas que vivem em áreas afetadas por incêndios florestais apresentam maior risco de doença mental, incluindo transtorno de estresse pós-traumático, depressão e insônia, em virtude de experiências traumáticas, perda de propriedade e necessidade de deslocamento.(40)
 
As emissões da queima de biomassa em incêndios em todo o Brasil contribuem significativamente para mortes prematuras, com os maiores incêndios ocorrendo na região Norte do Brasil. Nawaz et al.(51) relataram que as mortes prematuras atribuíveis às emissões de incêndios representaram 10% de todas as mortes prematuras relacionadas ao MP2,5 no Brasil durante a temporada de incêndios de 2019.
 
INCÊNDIOS E COVID-19
 
Estudos recentes estabeleceram fatores fisiopatológicos e associações epidemiológicas entre a exposição a MP e as infecções virais.(52) Landguth et al.(53) relataram recentemente que a exposição a altas concentrações de MP2,5 durante a temporada de incêndios florestais pode estar positivamente associada ao aumento da incidência de influenza na temporada seguinte.
 
A associação entre a poluição do ar e a incidência de COVID-19 já foi documentada.(54) O MP pode trazer vírus para ambientes internos, prejudicar a imunidade, aumentar a suscetibilidade individual a patógenos e facilitar a entrada de vírus no trato respiratório, possivelmente causando infecções mais graves.(55)
 
Estudos ecológicos recentes sugerem uma ligação entre a exposição a altos níveis de MP2,5 e o aumento da mortalidade por COVID-19,(56) embora as influências de outros fatores, como densidade populacional, fatores socioeconômicos e cumprimento das medidas de distanciamento social, também devam ser consideradas.(21,57)
 
As populações mais vulneráveis à exposição à fumaça de incêndios florestais também são suscetíveis à infecção por SARS-CoV-2. A exposição à fumaça de incêndios florestais também pode aumentar a probabilidade de infecção por SARS-CoV-2, bem como a gravidade da COVID-19.(58)
 
Um estudo na cidade de São Francisco, uma das regiões afetadas por incêndios florestais na Califórnia, EUA, documentou uma associação positiva dos níveis de MP2,5 e monóxido de carbono com o aumento do número de casos diários de infecção por SARS-CoV-2, destacando a importante contribuição desses poluentes ambientais como fatores desencadeantes de COVID-19 e de mortalidade. O aumento da incidência de COVID-19 e as mortes associadas também foram relacionados à exposição a poluentes ambientais de incêndios florestais (MP2,5, monóxido de carbono e ozônio) em dez diferentes localidades no estado da Califórnia.(58,59)
 
De acordo com Navarro et al.,(60) a ocorrência concomitante de infecção por SARS-CoV-2 e inalação de fumaça de incêndios florestais pode aumentar o risco de COVID-19 entre bombeiros florestais em virtude do transporte de SARS-CoV-2 pelo MP e da regulação da enzima conversora de angiotensina II, facilitando a entrada do vírus nas células epiteliais. A exposição à fumaça de incêndios descontrolados também pode aumentar o risco de desenvolvimento de formas mais graves de COVID-19, como síndrome de liberação de citocinas, hipotensão e SDRA.(60)
 
O aumento do desmatamento e o espectro da seca podem agravar a pandemia de COVID-19 e colocar em risco a vida das pessoas que vivem na Amazônia.(61) Os incêndios na Amazônia respondem por 80% do aumento regional da poluição de MP2,5 e afetam 24 milhões de amazônicos. Assim, destacamos que a potencial relação entre a exposição ao MP2,5 e a COVID-19 tem especial relevância para a saúde pública no Brasil, onde as taxas de infecção e mortalidade estão entre as mais altas do mundo,(62) especialmente em populações vulneráveis que podem estar altamente expostas (por exemplo, povos indígenas, cujas taxas de mortalidade por COVID-19 são quase o dobro da média brasileira).(21)
 
Manaus, a capital do estado do Amazonas, foi uma das cidades brasileiras mais afetadas pela pandemia de COVID-19. Um estudo anterior de detecção de anticorpos séricos indicou que 76% da população de Manaus havia sido infectada por SARS-CoV-2 até outubro de 2020, percentual superior ao estimado para chegar à imunidade coletiva (67%).(63) Em Manaus, a chamada primeira onda atingiu o pico em abril de 2020, chegando a 120 mortes por dia em decorrência da SDRA. Nesse contexto, o forte ressurgimento da COVID-19 em janeiro de 2021 foi surpreendente, sendo a evasão imune e o aumento da transmissibilidade das variantes do SARS-CoV-2 apontados como possíveis causas.(64) É interessante notar que os picos da primeira e segunda ondas da COVID-19 em Manaus ocorreram durante a estação chuvosa, quando os incêndios não são comuns. Esse fato sugere a ausência de uma associação direta entre a exposição em curto prazo a emissões de incêndios florestais e a morbidade e mortalidade por COVID-19 na região. No entanto, a exposição em longo prazo pode aumentar a vulnerabilidade da população às infecções virais. Um estudo recente relatou que a distribuição espacial da COVID-19 no Brasil resulta de múltiplas causas, incluindo as desigualdades nos serviços de saúde, o fluxo de pessoas e as redes de conexão entre as cidades, bem como a falta de coordenação nacional e de sincronia na implementação das medidas não farmacológicas para conter a propagação do vírus, como o uso de máscaras e restrições de mobilidade.(65)
 
REDES DE MONITORAMENTO DA QUALIDADE DO AR
 
A maior conscientização sobre os riscos à saúde representados pelos incêndios florestais obriga as autoridades de saúde pública e os profissionais de saúde a aconselhar as pessoas em risco a adotar medidas que impeçam a exposição à fumaça de incêndios florestais.(25,66)
 
Uma fonte primária de informações disponíveis e atualizadas para auxiliar a saúde pública e os profissionais de saúde é o Wildfire Smoke: Guide for Public Health Officials(67): é uma diretriz útil para ajudar os formuladores de políticas de saúde a se preparar para a fumaça dos incêndios florestais e fornece informações que podem ser compartilhadas com o público para que ele possa se proteger durante esses eventos.
 
A contenção das emissões (práticas de manejo da terra/fogo) e os esforços preventivos contra a exposição, além da identificação de populações suscetíveis, podem ajudar na preparação para episódios de poluição do ar e garantir que a população em risco seja evacuada de áreas perigosas quando os eventos ameaçarem sua segurança. Portanto, estratégias efetivas de comunicação em saúde pública devem ser desenvolvidas em colaboração com comunidades, formuladores de políticas de saúde, profissionais de saúde, autoridades estaduais e autoridades do corpo de bombeiros, pois os impactos da fumaça dos incêndios florestais na saúde pública continuarão a aumentar.(68-71)
 
É fundamental expandir a rede de monitoramento da qualidade do ar nos estados da Amazônia Legal. Sem esse monitoramento, o tamanho do problema ambiental relacionado à exposição aos poluentes emitidos pelos incêndios não pode ser determinado. Isso dificulta a formulação de políticas públicas efetivas para a redução desse problema. As agências ambientais estaduais são responsáveis por monitorar a qualidade do ar, divulgar informações precisas e claras sobre ela e proporcionar a melhor comunicação por meio de campanhas públicas de conscientização destinadas a capacitar as pessoas a modificar seu comportamento a fim de melhorar sua saúde e a qualidade do ar que respiram.(24)
 
RECOMENDAÇÕES GERAIS PARA REDUÇÃO DA EXPOSIÇÃO EM ÁREAS COM FUMAÇA DE INCÊNDIOS FLORESTAIS/QUEIMADAS(67)
 
•        Evitar trabalhos extenuantes ou prolongados: se estiver trabalhando ao ar livre, prestar atenção à ocor-rência de sintomas; eles são uma indicação de que a exposição precisa ser reduzida.
•        Reforçar a hidratação para proteção das vias aéreas.
•        Se for necessário aconselhar o paciente a ficar dentro de ambientes internos, o ar interno deve ser man-tido o mais limpo possível.
•        Se forem utilizados sistemas de ar condicionado em casa, manter a entrada de ar fresco fechada e o filtro limpo para evitar que partículas adicionais contaminem o ar interno.
•        Se não houver sistemas de ar condicionado em casa, pode ser perigoso ficar dentro de casa com as jane-las fechadas em climas extremamente quentes; recomenda-se o uso de abrigos alternativos, como ficar na casa de um parente ou amigo ou em um abrigo com ar mais limpo.
•        Se for necessário dirigir, ligar o sistema de ar condicionado do carro no modo de recirculação para evitar que o ar enfumaçado entre no carro, embora a capacidade desses filtros seja limitada.
•        Evitar atividades que aumentem a poluição interna, como o uso de qualquer coisa que possa queimar (lareiras a lenha, fogões a gás, velas, incensos, repelentes de mosquitos, entre outros).
•        Os pacientes devem ser encorajados a parar de fumar, pois o tabagismo aumenta a quantidade de polu-entes nos pulmões dos fumantes e daqueles ao seu redor.
•        Aconselhar os pacientes a procurar um serviço de saúde de referência ao apresentarem novos sintomas cardiovasculares ou respiratórios ou se outros problemas de saúde existentes piorarem.
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
A exposição às emissões de incêndios florestais é um importante e crescente problema clínico e de saúde pública. As mudanças no padrão climático, incluindo as secas, aumentam os riscos de incêndios florestais e de comorbidades. A exposição à fumaça dos incêndios florestais na Amazônia tem impacto na saúde das populações de maior risco, incluindo aquelas com doenças cardíacas ou pulmonares crônicas, idosos, crianças, gestantes e fetos.
 
São necessárias políticas públicas para melhorar a comunicação de informações acionáveis por parte dos profissionais de saúde pública para que as populações propensas a exposição à fumaça de incêndios possam agir de forma adequada, melhorando efetivamente sua saúde e qualidade de vida.
 
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