Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
5976
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Validação da versão em português do Brasil do University of California San Diego Shortness of Breath Questionnaire em pacientes com doença pulmonar intersticial

Validation of the Brazilian Portuguese version of the University of California San Diego Shortness of Breath Questionnaire in patients with interstitial lung disease

Humberto Silva1, Leandro Cruz Mantoani1, Camile Ludovico Zamboti1, Wagner Florentin Aguiar1, Andrew L. Ries2, Aline Ferreira Lima Gonçalves1, Thatielle Garcia da Silva1, Marcos Ribeiro3, Fabio Pitta1, Carlos Augusto Camillo1,4

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210172

ABSTRACT

Objective: To investigate the reliability, internal consistency and validity of the Brazilian Portuguese version of the University of California San Diego Shortness of Breath Questionnaire (UCSD SOBQ) in patients with interstitial lung disease (ILD). Methods: Patients with ILD completed the questionnaire at three different time points, one week apart, with the assistance of two independent assessors. Intra- and inter-rater reliability were analysed via the intraclass correlation coefficient (ICC). Internal consistency was assessed with the Cronbach's alpha coefficient. For the validity analysis, associations between variables were assessed with Spearman's or Pearson's correlation coefficient. Results: Thirty patients with ILD (idiopathic pulmonary fibrosis, connective tissue disease-associated pulmonary fibrosis, sarcoidosis, asbestosis or non-specific interstitial pneumonia) were included (15 men; mean age, 59 ± 10 years; DLCO: 46 [33-64] % predicted). UCSD SOBQ scores showed excellent agreement and internal consistency in the intra-rater analysis (ICC: 0.93 [0.85-0.97]; Cronbach alpha: 0.95) and in the inter-rater analysis (ICC: 0.95 [0.89-0.97]; Cronbach alpha: 0.95), as well as correlating significantly with dyspnoea (as assessed by the Medical Research Council scale; r = 0.56); Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey domains bodily pain, general health, vitality and physical functioning (-0.40 = r = -0.74); six-minute walk distance (r = -0.38); and quadriceps muscle strength (r = -0.41). Conclusions: The Brazilian Portuguese version of the UCSD SOBQ is valid, is reliable and has internal consistency in patients with ILD in Brazil.

Keywords: Lung diseases, interstitial; Dyspnea; Surveys and questionnaires.

RESUMO

Objetivo: Investigar a confiabilidade, consistência interna e validade da versão em português do Brasil do University of California San Diego Shortness of Breath Questionnaire (UCSD SOBQ, Questionário sobre Falta de Ar da Universidade da Califórnia em San Diego) em pacientes com doença pulmonar intersticial (DPI). Métodos: Pacientes com DPI preencheram o questionário em três momentos distintos, com uma semana de intervalo entre as aplicações, com o auxílio de dois avaliadores independentes. A confiabilidade intra-avaliador e a interavaliadores foram analisadas por meio do coeficiente de correlação intraclasse (CCI). A consistência interna foi avaliada por meio do coeficiente alfa de Cronbach. Para a análise de validade, as associações entre as variáveis foram avaliadas por meio do coeficiente de correlação de Spearman ou de Pearson. Resultados: Trinta pacientes com DPI (fibrose pulmonar idiopática, fibrose pulmonar associada a doença do tecido conjuntivo, sarcoidose, asbestose ou pneumonia intersticial não específica) foram incluídos [15 homens; média de idade: 59 ± 10 anos; DLCO: 46 (33-64) % do previsto]. A pontuação no UCSD SOBQ apresentou excelente concordância e consistência interna na análise intra-avaliador [CCI: 0,93 (0,85-0,97); coeficiente alfa de Cronbach: 0,95] e na análise interavaliadores [CCI: 0,95 (0,89-0,97); coeficiente alfa de Cronbach: 0,95], bem como correlação significativa com a dispneia (avaliada pela escala do Medical Research Council; r = 0,56); com os domínios dor corporal, estado geral de saúde, vitalidade e capacidade funcional do Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (−0,40 ≤ r ≤ −0,74); com a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (r = −0,38) e com a força muscular do quadríceps (r = −0,41). Conclusões: A versão em português do Brasil do UCSD SOBQ é válida, é confiável e apresenta consistência interna em pacientes com DPI no Brasil.

Palavras-chave: Doenças pulmonares intersticiais; Dispneia; Inquéritos e questionários.

INTRODUÇÃO
 
As doenças pulmonares intersticiais (DPI) são caracterizadas por inflamação alveolar crônica, fibrose difusa do parênquima pulmonar e, consequentemente, déficit das trocas gasosas.(1-3) Esses prejuízos têm impacto direto na dispneia, capacidade de exercício, função muscular, atividade física, qualidade de vida relacionada à saúde, ansiedade, depressão e prognóstico da doença.(4-8)
 
Os tratamentos médicos disponíveis atualmente podem retardar a progressão da doença, mas aparentemente não têm nenhum impacto na sobrevida.(9) Consequentemente, medidas do estado de saúde e da percepção de sintomas desempenham um papel importante na avaliação tanto dos efeitos da DPI como da eficácia do tratamento. Dentre os sintomas típicos, a dispneia relacionada às atividades cotidianas é o mais comumente relatado por pacientes com DPI e contribui significativamente para a percepção de pior estado de saúde.(10,11) Apesar de sua prevalência e relevância, a dispneia em pacientes com DPI tem recebido pouca atenção em ensaios clínicos e estudos que exploram a progressão da doença. Essa lacuna na literatura provavelmente reflete a disponibilidade limitada de informações sobre a percepção de dispneia nesse grupo de pacientes e a ausência de dados robustos que apontem os critérios mais válidos e confiáveis para avaliar sua dispneia.
 
Para avaliar a progressão de certas doenças respiratórias e a resposta a intervenções como programas de reabilitação, existem diversos instrumentos, que podem ser aplicados de diversas maneiras, tais como entrevistas, questionários autoaplicáveis, escalas visuais analógicas e escalas numéricas.(12-14) O University of California San Diego Shortness of Breath Questionnaire (UCSD SOBQ, Questionário sobre Falta de Ar da Universidade da Califórnia em San Diego) avalia de forma abrangente a falta de ar experimentada durante as atividades cotidianas e pode ser usado em uma ampla gama de doenças respiratórias crônicas. O UCSD SOBQ já foi validado para uso em pacientes com DPOC, pacientes com fibrose cística, indivíduos submetidos a transplante de pulmão(15) e pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI).(16) Além disso, o UCSD SOBQ foi considerado um instrumento válido para avaliar mudanças na percepção de dispneia ao longo do tempo em pacientes com FPI.(16)
 
Como a dispneia é um sintoma importante da DPI e geralmente limita as atividades cotidianas e a qualidade de vida desses pacientes, é essencial o uso de ferramentas válidas para avaliá-la adequadamente. O objetivo deste estudo foi investigar a confiabilidade, consistência interna e validade da versão em português do Brasil do UCSD SOBQ em pacientes com diferentes DPI.
 
MÉTODOS
 
Desenho e procedimentos do estudo
 
Este estudo transversal foi realizado na Universidade Estadual de Londrina, em Londrina (PR), e foi aprovado pelo conselho de revisão institucional (Protocolo n. 2.484.871). Pacientes cujo diagnóstico de DPI foi feito em conformidade com diretrizes internacionais(1,2) foram recrutados no ambulatório do hospital universitário. O manejo médico e farmacológico dos pacientes permaneceu inalterado durante o estudo. Os pacientes deveriam estar clinicamente estáveis durante pelo menos quatro semanas antes da primeira entrevista e no intervalo entre o preenchimento do questionário pela primeira e segunda vez e pela segunda e terceira vez. Foram excluídos os pacientes sem função cognitiva suficiente para preencher o questionário, avaliada pelo Miniexame do Estado Mental,(17) ou com alterações do estado de saúde que pudessem interferir nas avaliações.
 
Na visita inicial, todos os participantes foram submetidos a uma avaliação clínica abrangente. A avaliação da função pulmonar foi realizada em conformidade com diretrizes internacionalmente aceitas(18-21) e incluiu pletismografia de corpo inteiro e medição da DLCO com um pletismógrafo Vmax (CareFusion, Hochberg, Germany). A capacidade de exercício foi avaliada por meio do teste de caminhada de seis minutos. O teste foi realizado duas vezes, e a maior distância percorrida foi registrada.(22,23) A força muscular do quadríceps foi avaliada pela contração isométrica voluntária máxima do membro dominante, por meio de um dinamômetro do tipo extensômetro (EMG System do Brasil, São José dos Campos, Brasil). Os participantes foram instruídos a realizar uma contração isométrica voluntária máxima durante seis segundos, com 90° de flexão do quadril e joelho.(24) As limitações das atividades cotidianas relacionadas à dispneia foram avaliadas por meio da escala do Medical Research Council (MRC),(13) e a qualidade de vida relacionada à saúde foi avaliada por meio do Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36).(25,26) Além disso, os participantes preencheram o UCSD SOBQ em três momentos diferentes (durante a visita inicial e duas visitas adicionais), com um intervalo máximo de 7 dias entre as visitas. Este período de tempo é considerado longo o suficiente para que os participantes não se lembrem completamente de suas respostas anteriores e evitar mudanças significativas no estado de saúde.(27)
 
Dois investigadores aplicaram o questionário para avaliar a confiabilidade intra-avaliador e interavaliadores. O investigador 1 aplicou o questionário na primeira e terceira visitas, ao passo que o investigador 2 o aplicou na segunda visita. Foi realizada uma comparação da pontuação obtida no UCSD SOBQ nos três momentos (isto é, a confiabilidade interavaliadores e intra-avaliador). Além disso, a validade de critério convergente do UCSD SOBQ foi avaliada por meio de suas correlações com as âncoras (isto é, a escala do MRC e o SF-36).
 
Questionários
 
A autorização para usar o UCSD SOBQ foi-nos dada pelo autor original e pelo Mapi Research Trust (Solicitação n. 89588), que havia traduzido o questionário original para o português e realizado a adaptação cultural para uso no Brasil. Portanto, a tradução e adaptação transcultural do UCSD SOBQ não foram objetivos do presente estudo.
 
O UCSD SOBQ(15) é um questionário com 21 itens que avaliam a dispneia durante atividades cotidianas de intensidade variável (escovar os dentes e subir uma ladeira, por exemplo). Os participantes foram instruídos a indicar sua percepção da gravidade da falta de ar por meio de uma escala de seis pontos, na qual 0 = nenhuma (falta de ar) e 5 = máxima (falta de ar) ou incapaz de fazer por causa da falta de ar. Caso houvesse uma ou mais atividades que não costumassem realizar, os participantes deveriam fazer uma estimativa do grau de falta de ar para realizar essa(s) atividade(s). Foram incluídas três perguntas adicionais, sobre limitações causadas pela falta de ar, medo de se machucar por causa de um esforço excessivo e medo de sentir falta de ar, num total de 24 itens. A pontuação total variou de 0 a 120 e foi calculada pela soma de todos os itens; quanto maior a pontuação, maior a limitação causada pela dispneia. (15) A versão em português do Brasil do UCSD SOBQ está disponível mediante solicitação ao Mapi Research Trust (https://eprovide.mapi-trust.org).
 
A escala do MRC foi usada para avaliar as limitações das atividades cotidianas relacionadas à dispneia. A pontuação varia de 1 a 5; quanto maior a pontuação, maior o prejuízo.(13) O SF-36 compreende 36 questões a respeito de oito domínios do estado de saúde: capacidade funcional, função física, dor corporal, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, função emocional e saúde mental. As medidas dos oito domínios foram transformadas linearmente em pontuações que variam de 0 (o pior estado possível) a 100 (o melhor estado possível).(25)
 
Um ambiente silencioso foi usado para a aplicação dos questionários. Como o analfabetismo não é incomum entre os brasileiros (principalmente os idosos) e como a pontuação varia consideravelmente quando os questionários são autoaplicáveis ou aplicados por meio de entrevista, o preenchimento dos questionários em todos os momentos no presente estudo foi facilitado pela aplicação por meio de entrevista realizada por um dos pesquisadores.(28)
 
Análise estatística
 
As variáveis contínuas foram descritas em forma de média ± desvio-padrão ou mediana [IIQ], dependendo da distribuição dos dados. O coeficiente de correlação intraclasse (CCI) foi usado para investigar a confiabilidade do questionário. O CCI foi selecionado em conformidade com McGraw & Wong. (29) A “two-way mixed effects, single measurement, absolute agreement” (concordância absoluta para medidas únicas e efeitos mistos com dois fatores) foi usada para investigar a concordância intra-avaliador e interavaliadores. A confiabilidade foi classificada em ruim (CCI < 0,5), moderada (0,5 ≤ CCI < 0,75), boa (0,75 ≤ CCI < 0,9) ou excelente (CCI ≥ 0,9).(30) A confiabilidade absoluta dos dados foi determinada pelo erro-padrão de medida (EPM). O EPM foi calculado com base na confiabilidade intra-avaliador, por meio da seguinte equação: EPM = dpX  – CCI. Quanto menor o valor do EPM, mais confiável a medição.(31) A consistência interna foi testada por meio do coeficiente alfa de Cronbach. Valores de 0,70 a 0,95 representam consistência interna aceitável para o instrumento.(32) A concordância entre os testes (concordância intra-avaliador e interavaliadores) foi avaliada pela análise de Bland-Altman.(33) Os efeitos de teto e piso foram calculados por meio do cálculo da proporção de pacientes cuja pontuação no UCSD SOBQ ficou entre as 10% melhores (efeito de teto) ou 10% piores (efeito de piso).(34)
 
O coeficiente de correlação de Spearman foi usado para verificar as correlações entre a pontuação obtida no UCSD SOBQ em todos os momentos de avaliação e outros questionários e desfechos clínicos. A escala do MRC e o SF-36 foram usados como âncoras na validação do UCSD SOBQ. Foi aventada a hipótese de que o UCSD SOBQ apresentaria correlação pelo menos moderada com a escala do MRC e o componente de Saúde Física do SF-36. A expectativa era a de que a magnitude dessa correlação fosse pelo menos moderada (r > 0,39).(35) O nível de significância estatística adotado foi de p < 0,05. Todas as análises estatísticas foram realizadas por meio do programa Statistical Analysis System, versão 9.4 (SAS Institute Inc., Cary, NC, EUA).
 
RESULTADOS
 
Trinta pacientes foram avaliados e incluídos na análise. Não houve perdas após a inclusão. Dos 30 pacientes incluídos na análise, 18 apresentavam FPI, 5 apresentavam fibrose pulmonar associada a doença do tecido conjuntivo, 4 apresentavam fibrose pulmonar por inalação de partículas e 3 apresentavam pneumonia intersticial não específica. As características clínicas dos pacientes estão descritas na Tabela 1.


 
Não houve diferenças entre as três visitas quanto à pontuação total no UCSD SOBQ (visita 1: 39 ± 23, visita 2: 42 ± 24 e visita 3: 37 ± 21; p = 0,07). Como se pode observar na Figura 1, o UCSD SOBQ apresentou excelente confiabilidade, concordância e consistência interna no teste-reteste intra-avaliador [visita 1 vs. visita 3; CCI: 0,93 (0,85-0,97); Δ1,34 (IC95%: −20 a 23); coeficiente alfa de Cronbach: 0,95] e no teste-reteste interavaliadores [visita 1 vs. visita 2; CCI: 0,95 (0,89-0,97); Δ−1,03 (IC95%: −22 a 20); coeficiente alfa de Cronbach: 0,95]. Além da análise de consistência interna geral, testamos o coeficiente alfa de Cronbach por meio da exclusão de um item por vez e obtivemos resultados semelhantes (0,955 < α < 0,961). A proporção de pacientes cuja pontuação no UCSD SOBQ ficou entre as 10% mais altas (efeito de teto), isto é, falta de ar mais grave, foi = 0% (isto é, nenhum paciente). A proporção de pacientes cuja pontuação no UCSD SOBQ ficou entre as 10% mais baixas (efeito de piso), isto é, falta de ar menos grave, foi = 3%. O EPM para a pontuação total foi = 4,9 (9%) para a confiabilidade teste-reteste (intra-avaliador).

 
A pontuação obtida no UCSD SOBQ apresentou correlação positiva moderada com a obtida na escala do MRC (r = 0,56, p = 0,0019) e correlação negativa significativa com diferentes domínios do SF-36 (capacidade funcional, dor corporal, estado geral de saúde e vitalidade), variando de −0,40 a −0,74 (Tabela 2). Além disso, o UCSD SOBQ correlacionou-se significativamente com a força muscular do quadríceps ajustada pelo peso corporal e a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos em metros (r = −0,41, p = 0,03; r = −0,38, p = 0,03, respectivamente). As correlações com as variáveis de função pulmonar foram todas não significativas (−0,12 < r < 0,25, p > 0,05 para todas).

 
DISCUSSÃO
 
Os resultados do presente estudo indicam que a versão em português do Brasil do UCSD SOBQ tem excelente consistência interna e é um instrumento confiável para avaliar a dispneia em pacientes com DPI. Além disso, a pontuação obtida no UCSD SOBQ correlacionou-se significativamente com os questionários usados como âncoras (a escala do MRC e o SF-36). O UCSD SOBQ também apresentou boa confiabilidade e concordância quando aplicado pelo mesmo avaliador e por avaliadores diferentes. Todas essas características fornecem uma boa base científica para o uso do UCSD SOBQ para avaliar a dispneia em pacientes com DPI.
 
Eakin et al.(15) observaram excelente consistência interna quando inicialmente validaram o UCSD SOBQ. Da mesma forma, os valores do coeficiente alfa de Cronbach no presente estudo também apresentaram excelente consistência interna. É importante ressaltar que nem a confiabilidade intra-avaliador nem a confiabilidade interavaliadores foram investigadas em estudos anteriores de validação do UCSD SOBQ. (15,16) Nossos resultados expandem o conhecimento atual sobre as propriedades métricas do UCSD SOBQ, confirmando a excelente confiabilidade do UCSD SOBQ em pacientes com DPI. Além disso, tanto a confiabilidade intra-avaliador como a interavaliadores no presente estudo foram excelentes. A diferença entre os três momentos de avaliação quanto à pontuação no UCSD SOBQ foi inferior a cinco pontos, que é a diferença mínima clinicamente importante para esse questionário. (36,37) Além disso, não houve diferença estatisticamente significativa entre os três momentos de avaliação (p > 0,05). Portanto, apenas uma avaliação é suficiente para identificar o impacto da dispneia nas atividades cotidianas. Esses achados demonstram que o UCSD SOBQ pode ser aplicado por avaliadores diferentes. Isso facilita sua aplicação em contextos clínicos como programas de reabilitação pulmonar.
 
O estudo de desenvolvimento do UCSD SOBQ(15) mostrou uma correlação com a dispneia avaliada pela pontuação referente à percepção de falta de ar na escala modificada de Borg (r = 0,45) que é um pouco mais fraca do que a correlação com a pontuação na escala do MRC observada no presente estudo (r = 0,56). Uma provável explicação para as diferenças entre os resultados supracitados é a ferramenta usada como âncora para medir a dispneia. A correlação com a pontuação na escala do MRC é possivelmente melhor porque a escala do MRC foi projetada para avaliar o grau de dispneia durante atividades cotidianas, ao passo que a escala de Borg foi elaborada para avaliar a dispneia aos esforços. Como a dispneia está fortemente relacionada à qualidade de vida em pacientes com doenças respiratórias, não é surpreendente que estudos anteriores tenham investigado associações entre esses dois desfechos.(16,38) Curiosamente, há relatos de correlações semelhantes entre o UCSD SOBQ e a qualidade de vida relacionada à saúde avaliada pelo SF-36 (isto é, −0,70 < r < −0,78).(16,38) O SF-36 foi escolhido para o presente estudo por ter sido previamente traduzido para o português. O SF-36 tem sido amplamente usado em pacientes com DPI em virtude da falta de um questionário específico para essa população.(39)
 
A dispneia é o principal sintoma da DPI e afeta significativamente o estado geral de saúde dos pacientes. Em outras doenças respiratórias, a dispneia tem um impacto negativo no desempenho das atividades físicas cotidianas.(40) Como o UCSD SOBQ é um instrumento que avalia o impacto da dispneia nas atividades físicas, também investigamos a correlação do UCSD SOBQ com outros desfechos clínicos. Os valores de correlação entre o UCSD SOBQ e a capacidade de exercício no presente estudo foram semelhantes aos observados no estudo de validação.(15,16) Além disso, também observamos uma correlação significativa entre o UCSD SOBQ e a força muscular (força muscular do quadríceps) que não foi demonstrada em estudos anteriores.
 
Não foram observadas correlações significativas entre a pontuação obtida no UCSD SOBQ e a função pulmonar (−0,12 < r < 0,25, p > 0,05 para todas) no presente estudo. Swigris et al. investigaram associações entre a pontuação obtida no UCSD SOBQ e a função pulmonar e obtiveram resultados semelhantes em pacientes com FPI.(16) Por outro lado, Eakin et al. avaliaram pacientes com diferentes doenças respiratórias (pacientes com DPOC, pacientes com fibrose cística e indivíduos submetidos a transplante de pulmão), que diferem das DPI no que tange ao comprometimento da função pulmonar.(15,16) Embora o comprometimento da função pulmonar esteja associado à dispneia, essa correlação parece ser mais forte nas doenças obstrutivas.(15,16) Contudo, a gravidade do comprometimento da função pulmonar não parece ser um fator decisivo para minimizar a dispneia nas DPI.(15)
 
O presente estudo tem algumas limitações. A baixa prevalência de pacientes com DPI e a natureza unicêntrica do estudo limitaram o recrutamento de participantes, resultando em uma amostra relativamente pequena. É importante notar que os resultados da análise de confiabilidade e validade estão de acordo com um estudo de validação anterior em pacientes com FPI.(16) Portanto, é improvável que o tamanho e a composição da amostra no presente estudo tenham comprometido a confiabilidade dos resultados. Além disso, embora tenha sido elaborado para ser autoaplicável, o UCSD SOBQ foi aplicado por meio de entrevista no presente estudo. Trata-se de um critério a priori usado com cautela em nosso estudo porque prevíamos que haveria pacientes analfabetos, o que não é incomum no Brasil.(28) Finalmente, como a pontuação varia consideravelmente quando os questionários são autoaplicáveis ou aplicados por meio de entrevista, tentamos reduzir o viés por meio da padronização do método de aplicação.(28) Ainda é preciso conformar se o UCSD SOBQ autoaplicável também é válido e confiável em pacientes com DPI no Brasil.
 
Em suma, embora o presente estudo tenha sido realizado em uma amostra relativamente pequena, a versão em português do Brasil do UCSD SOBQ mostrou-se um instrumento válido e confiável para avaliar a dispneia relacionada às atividades cotidianas em pacientes com DPI. Além disso, nossos resultados demonstram que avaliadores diferentes podem aplicar o questionário, facilitando assim seu uso em contextos clínicos como programas de reabilitação pulmonar.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
HS: concepção e desenho do estudo; coleta, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito; aprovação da versão final para publicação. LCM e CLZ: redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final para publicação. WFA, AFLG e TG: coleta de dados; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final para publicação. ALR: contribuição substancial para o desenho do estudo; coleta e interpretação dos dados. MR: revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final para publicação. FP: análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final para publicação. CAC: concepção e desenho do estudo; análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final para publicação; autor responsável pelo artigo.
 
CONFLITO DE INTERESSES
 
Nenhum conflito declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Antoniou KM, Margaritopoulos GA, Tomassetti S, Bonella F, Costabel U, Poletti V. Interstitial lung disease. Eur Respir Rev. 2014;23(131):40-54. https://doi.org/10.1183/09059180.00009113
2.            Travis WD, Costabel U, Hansell DM, King TE Jr, Lynch DA, Nicholson AG, et al. An official American Thoracic Society/European Respiratory Society statement: Update of the international multidisciplinary classification of the idiopathic interstitial pneumonias. Am J Respir Crit Care Med. 2013;188(6):733-748. https://doi.org/10.1164/rccm.201308-1483ST
3.            Meyer KC. Diagnosis and management of interstitial lung disease. Transl Respir Med. 2014 Feb 13;2:4. https://doi.org/10.1186/2213-0802-2-4
4.            Faisal A, Alghamdi BJ, Ciavaglia CE, Elbehairy AF, Webb KA, Ora J, et al. Common Mechanisms of Dyspnea in Chronic Interstitial and Obstructive Lung Disorders. Am J Respir Crit Care Med. 2016;193(3):299-309. https://doi.org/10.1164/rccm.201504-0841OC
5.            Ley B, Bradford WZ, Vittinghoff E, Weycker D, du Bois RM, Collard HR. Predictors of Mortality Poorly Predict Common Measures of Disease Progression in Idiopathic Pulmonary Fibrosis. Am J Respir Crit Care Med. 2016;194(6):711-718. https://doi.org/10.1164/rccm.201508-1546OC
6.            Mendes P, Wickerson L, Helm D, Janaudis-Ferreira T, Brooks D, Singer LG, et al. Skeletal muscle atrophy in advanced interstitial lung disease. Respirology. 2015;20(6):953-959. https://doi.org/10.1111/resp.12571
7.            Atkins C, Baxter M, Jones A, Wilson A. Measuring sedentary behaviors in patients with idiopathic pulmonary fibrosis using wrist-worn accelerometers. Clin Respir J. 2018;12(2):746-753. https://doi.org/10.1111/crj.12589
8.            Ryerson CJ, Berkeley J, Carrieri-Kohlman VL, Pantilat SZ, Landefeld CS, Collard HR. Depression and functional status are strongly associated with dyspnea in interstitial lung disease. Chest. 2011;139(3):609-616. https://doi.org/10.1378/chest.10-0608
9.            Canestaro WJ, Forrester SH, Raghu G, Ho L, Devine BE. Drug Treatment of Idiopathic Pulmonary Fibrosis: Systematic Review and Network Meta-Analysis. Chest. 2016;149(3):756-766. https://doi.org/10.1016/j.chest.2015.11.013
10.          Kozu R, Jenkins S, Senjyu H. Evaluation of activity limitation in patients with idiopathic pulmonary fibrosis grouped according to Medical Research Council dyspnea grade. Arch Phys Med Rehabil. 2014;95(5):950-955. https://doi.org/10.1016/j.apmr.2014.01.016
11.          Holland AE, Fiore JF Jr, Bell EC, Goh N, Westall G, Symons K, et al. Dyspnoea and comorbidity contribute to anxiety and depression in interstitial lung disease. Respirology. 2014;19(8):1215-1221. https://doi.org/10.1111/resp.12360
12.          Lansing RW, Moosavi SH, Banzett RB. Measurement of dyspnea: word labeled visual analog scale vs. verbal ordinal scale. Respir Physiol Neurobiol. 2003;134(2):77-83. https://doi.org/10.1016/S1569-9048(02)00211-2
13.          Bestall JC, Paul EA, Garrod R, Garnham R, Jones PW, Wedzicha JA. Usefulness of the Medical Research Council (MRC) dyspnoea scale as a measure of disability in patients with chronic obstructive pulmonary disease. Thorax. 1999;54(7):581-586. https://doi.org/10.1136/thx.54.7.581
14.          Yorke J, Moosavi SH, Shuldham C, Jones PW. Quantification of dyspnoea using descriptors: development and initial testing of the Dyspnoea-12. Thorax. 2010;65(1):21-26. https://doi.org/10.1136/thx.2009.118521
15.          Eakin EG, Resnikoff PM, Prewitt LM, Ries AL, Kaplan RM. Validation of a new dyspnea measure: the UCSD Shortness of Breath Questionnaire. University of California, San Diego. Chest. 1998;113(3):619-624. https://doi.org/10.1378/chest.113.3.619
16.          Swigris JJ, Han M, Vij R, Noth I, Eisenstein EL, Anstrom KJ, et al. The UCSD shortness of breath questionnaire has longitudinal construct validity in idiopathic pulmonary fibrosis. Respir Med. 2012;106(10):1447-1455. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2012.06.018
17.          Lourenço RA, Veras RP. Mini-Mental State Examination: psychometric characteristics in elderly outpatients [Article in Portuguese]. Rev Saude Publica. 2006;40(4):712-719. https://doi.org/10.1590/S0034-89102006000500023
18.          Macintyre N, Crapo RO, Viegi G, Johnson DC, van der Grinten CP, Brusasco V, et al. Standardisation of the single-breath determination of carbon monoxide uptake in the lung. Eur Respir J. 2005;26(4):720-735. https://doi.org/10.1183/09031936.05.00034905
19.          Miller MR, Crapo R, Hankinson J, Brusasco V, Burgos F, Casaburi R, et al. General considerations for lung function testing. Eur Respir J. 2005;26(1):153-161. https://doi.org/10.1183/09031936.05.00034505
20.          Wanger J, Clausen JL, Coates A, Pedersen OF, Brusasco V, Burgos F, et al. Standardisation of the measurement of lung volumes. Eur Respir J. 2005;26(3):511-522. https://doi.org/10.1183/09031936.05.00035005
21.          Pereira CA, Sato T, Rodrigues SC. New reference values for forced spirometry in white adults in Brazil. J Bras Pneumol. 2007;33(4):397-406. https://doi.org/10.1590/S1806-37132007000400008
22.          Britto RR, Probst VS, de Andrade AF, Samora GA, Hernandes NA, Marinho PE, et al. Reference equations for the six-minute walk distance based on a Brazilian multicenter study. Braz J Phys Ther. 2013;17(6):556-563. https://doi.org/10.1590/S1413-35552012005000122
23.          Holland AE, Spruit MA, Troosters T, Puhan MA, Pepin V, Saey D, et al. An official European Respiratory Society/American Thoracic Society technical standard: field walking tests in chronic respiratory disease. Eur Respir J. 2014;44(6):1428-1446. https://doi.org/10.1183/09031936.00150314
24.          Hopkinson NS, Tennant RC, Dayer MJ, Swallow EB, Hansel TT, Moxham J, et al. A prospective study of decline in fat free mass and skeletal muscle strength in chronic obstructive pulmonary disease. Respir Res. 2007;8(1):25. https://doi.org/10.1186/1465-9921-8-25
25.          Ware JE Jr, Sherbourne CD. The MOS 36-item short-form health survey (SF-36). I. Conceptual framework and item selection. Med Care. 1992;30(6):473-483. https://doi.org/10.1097/00005650-199206000-00002
26.          Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão IM, Quaresma MR. Brazilian-Portuguese version of the SF-36 questionnaire: A reliable and valid quality of life outcome measure [Article in Portuguese]. Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):143-150.
27.          Mokkink LB, Prinsen CA, Bouter LM, Vet HC, Terwee CB. The COnsensus-based Standards for the selection of health Measurement INstruments (COSMIN) and how to select an outcome measurement instrument. Braz J Phys Ther. 2016;20(2):105-113. https://doi.org/10.1590/bjpt-rbf.2014.0143
28.          Moreira GL, Pitta F, Ramos D, Nascimento CS, Barzon D, Kovelis D, et al. Portuguese-language version of the Chronic Respiratory Questionnaire: a validity and reproducibility study. J Bras Pneumol. 2009;35(8):737-744. https://doi.org/10.1590/S1806-37132009000800004
29.          McGraw KO, Wong SP. Forming Inferences about Some Intraclass Correlation Coefficients. Psychol Methods. 1996;1(1):30-46. https://doi.org/10.1037/1082-989X.1.1.30
30.          Koo TK, Li MY. A Guideline of Selecting and Reporting Intraclass Correlation Coefficients for Reliability Research [published correction appears in J Chiropr Med. 2017 Dec;16(4):346]. J Chiropr Med. 2016;15(2):155-163. https://doi.org/10.1016/j.jcm.2016.02.012
31.          Atkinson G, Nevill AM. Statistical methods for assessing measurement error (reliability) in variables relevant to sports medicine. Sports Med. 1998;26(4):217-238. https://doi.org/10.2165/00007256-199826040-00002
32.          Tavakol M, Dennick R. Making sense of Cronbach’s alpha. Int J Med Educ. 2011;2:53-55. https://doi.org/10.5116/ijme.4dfb.8dfd
33.          Giavarina D. Understanding Bland Altman analysis. Biochem Med (Zagreb). 2015;25(2):141-151. https://doi.org/10.11613/BM.2015.015
34.          Bennet SJ, Oldridge NB, Eckert GJ, Embree JL, Browning S, Hou N, et al. Discriminant properties of commonly used quality of life measures in heart failure. Qual Life Res. 2002;11(4):349-359. https://doi.org/10.1023/A:1015547713061
35.          Calixtre LB, Fonseca CL, Gruninger BLDS, Kamonseki DH. Psychometric properties of the Brazilian version of the Bournemouth questionnaire for low back pain: validity and reliability. Braz J Phys Ther. 2021;25(1):70-77. https://doi.org/10.1016/j.bjpt.2020.02.003
36.          Kupferberg DH, Kaplan RM, Slymen DJ, Ries AL. Minimal clinically important difference for the UCSD Shortness of Breath Questionnaire. J Cardiopulm Rehabil. 2005;25(6):370-377. https://doi.org/10.1097/00008483-200511000-00011
37.          Ries AL, Make BJ, Lee SM, Krasna MJ, Bartels M, Crouch R, et al. The effects of pulmonary rehabilitation in the national emphysema treatment trial. Chest. 2005;128(6):3799-3809. https://doi.org/10.1378/chest.128.6.3799
38.          Chung L, Chen H, Khanna D, Steen VD. Dyspnea assessment and pulmonary hypertension in patients with systemic sclerosis: utility of the University of California, San Diego, Shortness of Breath Questionnaire. Arthritis Care Res (Hoboken). 2013;65(3):454-463. https://doi.org/10.1002/acr.21827
39.          Martinez TY, Pereira CA, dos Santos ML, Ciconelli RM, Guimarães SM, Martinez JA. Evaluation of the short-form 36-item questionnaire to measure health-related quality of life in patients with idiopathic pulmonary fibrosis. Chest. 2000;117(6):1627-1632. https://doi.org/10.1378/chest.117.6.1627
40.          Jolley CJ, Moxham J. A physiological model of patient-reported breathlessness during daily activities in COPD. Eur Respir Rev. 2009;18(112):66-79. https://doi.org/10.1183/09059180.00000809

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia