O editorial publicado no número 4 do Jornal Brasileiro de Pneumologia de 2021 por Nassar Junior(1) destacou a importância do monitoramento remoto de pacientes, estimulado pela pandemia de COVID-19. O autor mostrou que a telemedicina pode ser uma aliada dos serviços de saúde, reduzindo a necessidade de atendimento presencial e priorizando os casos mais graves.(1)
Durante a pandemia de COVID-19, houve a necessidade de prestar atendimento remoto, pois isso não só ajuda a reduzir o número de consultas presenciais, que requerem, além dos profissionais de saúde, uma infraestrutura de apoio incluindo tanto salas de espera quanto salas de atendimento, mas também contribui para reduzir a exposição e o contato de pacientes infectados com outras pessoas que ainda não contraíram o vírus.(2) Sistemas de atendimento pré-clínico foram implementados em cidades brasileiras, como Curitiba, Florianópolis e Recife.(2)
O atendimento remoto prestado pelo núcleo de telessaúde técnico-científico do Rio Grande do Sul, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (TelessaúdeRS-UFRGS), que está em funcionamento há mais de 10 anos, demonstra a importância e destaca os benefícios dessa abordagem. Até setembro de 2020, o TelessaúdeRS-UFRGS já havia realizado mais de 200 mil teleconsultas e feito mais de 80 mil telediagnósticos. Com relação à pandemia de COVID-19, no período de abril a julho de 2020, o TelessaúdeRS-UFRGS prestou atendimento remoto a um grupo específico de pacientes — casos de revisões de altas hospitalares pós-internação por COVID-19 — dos quais apenas 2,7% (151 de 3.951) necessitaram de atendimento presencial.(3)
Além disso, da mesma forma que foram aplicadas ferramentas de atendimento remoto em algumas cidades do país, o Ministério da Saúde implementou os serviços de teleconsulta do Sistema Único de Saúde (SUS), o TeleSUS, cujo sistema inclui um aplicativo de smartphone e um número de telefone. Assim, essa estratégia serviu para ampliar o alcance dos serviços de saúde, uma vez que foram recebidas cerca de 17 mil ligações entre abril de 2020 e abril de 2021, sendo que 5.500 delas foram classificadas como de alto risco e os indivíduos foram posteriormente encaminhados para teleconsulta com profissionais capacitados, agilizando o atendimento e reduzindo a exposição do paciente.(4)
Além de ser utilizada no atendimento inicial dos pacientes, a telemedicina também foi utilizada para disseminar conhecimentos e para padronizar o atendimento de pacientes com COVID-19. Um serviço de telemedicina de UTI foi implementado no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; nesse projeto, os dados dos pacientes são coletados e inseridos em uma plataforma desenvolvida especificamente para esse fim, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n. 13.853 de 2019). Além do mais, ele possui recursos de webconferência para discussão de casos. Após a implementação desse serviço, constatou-se que o tempo de internação na UTI foi reduzido em 1 dia e o tempo de internação hospitalar foi reduzido em 5 dias.(5)
Pensando além da COVID-19, já há outras iniciativas de telessaúde em funcionamento que trazem grandes benefícios para os pacientes, como a de um centro de referência para pacientes com diabetes mellitus. Esse serviço de telessaúde voltado para o diabetes fornece informações aos pacientes e cuidadores para que possam tratar e resolver as crises de diabetes sem a necessidade de sair de casa. Quanto à satisfação dos usuários, mais de 80% consideram boas ou ótimas as orientações e o atendimento fornecidos, a utilidade, a qualidade dos profissionais de saúde e a duração das ligações.(6)
É preciso estar ciente de que serviços de saúde remotos já existiam antes da pandemia de COVID-19, mas eles estão autorizados apenas durante a pandemia. A explicação é que há um problema jurídico, pois, embora o Conselho Federal de Medicina tenha uma lei de telemedicina, o Código de Ética Médica proíbe a prescrição de medicamentos e procedimentos a um paciente sem uma avaliação presencial.(7)
É evidente que a telemedicina é extremamente útil em todas as etapas, incluindo triagem, atendimento primário, atendimento hospitalar e até atendimento pós-alta hospitalar. Além de aprimorar os protocolos, a telemedicina também ajuda a reduzir as já conhecidas sobrecargas nos sistemas de saúde. Portanto, diante disso, o Código de Ética Médica deve ser alterado para permitir o uso efetivo da telemedicina além das fronteiras da COVID-19, trazendo ganhos para os profissionais de saúde e principalmente para aqueles que estão mais vulneráveis na busca por ajuda, ou seja, os pacientes.
REFERÊNCIAS
1. Nassar Junior AP. COVID-19 pandemic and the opportunity to accelerate remote monitoring of patients. J Bras Pneumol. 2021;47(4):e20210238. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210238
2. Celuppi IC, Lima GS, Rossi E, Wazlawick RS. Uma análise sobre o desenvolvimento de tecnologias digitais em saúde para o enfrentamento da COVID-19 no Brasil e no mundo [Article in Portuguese]. Cad Saude Publica. 2021;37(3):e00243220. https://doi.org/10.1590/0102-311X00243220
3. Silva RSD, Schmtiz CAA, Harzheim E, Molina-Bastos CG, Oliveira EB, Roman R, et al. The Role of Telehealth in the Covid-19 Pandemic: A Brazilian Experience. Cien Saude Colet. 2021;26(6):2149-2157. https://doi.org/10.1590/1413-81232021266.39662020
4. Paloski GR, Barlem JGT, Brum AN, Barlem ELD, Rocha LP, Castanheira JS. Contribuição do telessaúde para o enfrentamento da COVID-19 [Article in Portuguese]. Esc Anna Nery. 2020;24(spe) https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0287
5. Macedo BR, Garcia MVF, Garcia ML, Volpe M, Sousa MLA, Amaral TF, et al. Implementation of Tele-ICU during the COVID-19 pandemic. J Bras Pneumol. 2021;47(2):e20200545. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200545
6. Schroder AC, Vanz AP, Geremia C, Trindade CS, Canabarro ST. Telehealth in a reference center in Diabetes Mellitus: a cross-sectional analysis. Esc Anna Nery. 2021;25(1) https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0046
7. Garcia MVF, Garcia MAF. Telemedicine, legal certainty, and COVID-19: where are we?. J Bras Pneumol. 2020;46(4):e20200363. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200363