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Editorial

Menos pode ser mais: CPAP vs. APAP no tratamento da apneia obstrutiva do sono

Less may be more: CPAP vs. APAP in the treatment of obstructive sleep apnea

Christiano Perin1, Pedro Rodrigues Genta2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210455

RESUMO

1. LabSono, Hospital Mãe de Deus Center, Porto Alegre (RS) Brasil. 2. Laboratório do Sono, Laboratório de Investigação Médica 63, Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração – InCor – Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – HCFMUSP – São Paulo (SP) Brasil.

A terapia de primeira linha mais comum para a apneia obstrutiva do sono (AOS) é o uso de dispositivos de pressão positiva nas vias aéreas durante o sono. A pressão positiva nas vias aéreas alivia diretamente a obstrução das vias aéreas superiores por meio do aumento da pressão luminal, mantendo assim a patência das vias aéreas. O uso de pressão positiva nas vias aéreas resulta em redução clinicamente significativa da gravidade da doença, sonolência, pressão arterial e acidentes automobilísticos, além de melhorar a qualidade de vida relacionada ao sono em adultos com AOS.(1) A pressão positiva nas vias aéreas pode ser administrada por meio de pressão fixa (CPAP) durante todo o período de sono ou por meio de auto-adjusting PAP (APAP, pressão positiva autoajustável) que varia de acordo com eventos respiratórios obstrutivos (limitação do fluxo aéreo ou hipopneia/apneia) que são constantemente detectados pelo dispositivo. Apesar da eficácia e adesão semelhantes, o APAP é atualmente usado com mais frequência que o CPAP no tratamento com pressão positiva nas vias aéreas em longo prazo. Em um estudo que avaliou a adesão à pressão positiva nas vias aéreas em curto prazo em 2,62 milhões de pacientes com AOS, 50% dos dispositivos eram dispositivos de APAP, 41% eram dispositivos de CPAP e os 9% restantes eram dispositivos de BIPAP ou servoventiladores adaptativos.(2) Os custos mais elevados dos dispositivos de APAP representam um desafio especial para os países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, onde a AOS é subtratada em virtude da falta de recursos.
 
O APAP é tão eficaz quanto o CPAP no que tange à normalização do índice de apneias e hipopneias (IAH) e à melhora da sonolência, qualidade de vida e função neurocognitiva, com a vantagem de que a média da pressão aplicada durante a noite é significativamente mais baixa.(3) Isso teoricamente aumentaria o conforto do paciente com o dispositivo, aumentando, portanto, a adesão. No entanto, a literatura não corrobora essa teoria. Em uma meta-análise de 23 ensaios clínicos controlados randomizados, não se observou nenhuma diferença clinicamente significativa entre adultos com AOS tratados com APAP e aqueles tratados com CPAP quanto à média de horas de uso.(4)
 
Como mencionado anteriormente, uma possível vantagem do APAP sobre o CPAP é a capacidade de ajustar automaticamente as pressões terapêuticas conforme a gravidade da AOS muda com as flutuações de peso, consumo noturno de álcool, posição corporal, estágios do sono e mudanças na anatomia das vias aéreas superiores. Por outro lado, o APAP apresenta algumas desvantagens para alguns pacientes: a interrupção do sono por flutuações de pressão(5) e o retorno de distúrbios respiratórios do sono quando os algoritmos do dispositivo diminuem a pressão positiva nas vias aéreas.(4) Além disso, aumentos inadequados ou inadvertidos da pressão podem resultar em apneia central do sono ou respiração periódica.(6) Em um ensaio clínico controlado randomizado no qual se comparou o impacto do APAP e do CPAP fixo na pressão arterial em pacientes com AOS, o APAP não reduziu a pressão arterial diastólica de 24 h tão eficientemente como o fez o CPAP.(7) Outros estudos evidenciaram que o APAP não é tão eficaz quanto o CPAP na redução do tônus simpático durante o sono(8) ou na melhora de fatores de risco cardiovascular em pacientes com AOS.(9) Esses achados poderiam ser atribuídos a microdespertares causados por variações nas pressões terapêuticas durante o sono e a vazamentos não intencionais causados por aumentos repentinos da pressão terapêutica em resposta a eventos respiratórios.(5) Em um estudo,(10) pacientes que recebiam APAP passaram a receber CPAP quando não aderiam ao tratamento, permaneciam sintomáticos ou se queixavam de efeitos colaterais. Após a mudança de APAP para CPAP, os pacientes apresentaram melhora na adesão e sonolência.(10) Em comparação com aqueles que não mudaram para CPAP, aqueles que o fizeram apresentaram mais sono N1, maior índice de despertares e menor nadir de saturação de oxigênio.(10) Esses resultados sugerem que o CPAP é melhor que o APAP para alguns pacientes, possivelmente aqueles com um sono mais leve e que são mais propensos a despertares durante os ajustes de pressão realizados pelos dispositivos de APAP.
 
Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Alves et al.(11) apresentam um interessante estudo realizado em um centro de medicina do sono em Portugal, no qual avaliam a eficácia e a possível economia decorrente do uso de um protocolo para que pacientes com AOS previamente tratados passem de APAP para CPAP. Os autores incluíram prospectivamente 93 pacientes com AOS bem adaptados à terapia com APAP (isto é, pacientes que aderiam ao tratamento, apresentavam IAH controlado e não apresentavam escape aéreo relevante) para que passassem a receber CPAP com pressão fixa baseada no percentil 90-95 das pressões registradas pelo dispositivo de APAP nos meses anteriores. Após uma média de quase dois anos de acompanhamento, os autores observaram que apenas 5,4% dos pacientes não toleraram a mudança para CPAP e tiveram que retornar ao APAP. Entre aqueles que toleraram o CPAP, observou-se que o CPAP foi tão eficaz quanto o APAP no controle do IAH e na melhora da sonolência. A adesão ao tratamento também foi semelhante, e o CPAP apresentou menos efeitos adversos do que o APAP. Outro achado relevante foi a economia de mais de 10.000 euros ao longo do estudo com o uso de pressão positiva na vias aéreas, já que o aluguel do equipamento de CPAP é mais barato do que o do equipamento de APAP.
 
Segundo os autores,(11) o estudo apresenta algumas limitações, inclusive um possível viés de seleção, já que apenas pacientes bem adaptados e com boa adesão ao tratamento com APAP foram selecionados para receber a terapia com CPAP. Além disso, o fato de que o estudo foi realizado em apenas um centro em Portugal pode limitar a validade externa dos achados.
 
Os achados do estudo de Alves et al.(11) corroboram o que testemunhamos na prática diária, isto é, que a maioria dos pacientes com AOS tolera CPAP e APAP igualmente, sendo o CPAP mais bem tolerado que o APAP em alguns casos. Assim, é possível que o CPAP seja preferível para um subgrupo significativo de pacientes.(10) O que realmente aumenta a adesão ao tratamento com pressão positiva nas vias aéreas não é o tipo de equipamento, mas sim as ações educativas e o acompanhamento regular presencial e remoto, permitindo a resolução de problemas e o reforço positivo do tratamento.(12)
 
O estudo de Alves et al.(11) sugere que o APAP deve ser usado principalmente como estratégia terapêutica inicial para titulação da pressão. Depois de alguns dias, mudar para CPAP é igualmente eficaz, porém mais barato. Essa estratégia pode ser especialmente importante em locais com poucos recursos, como o Brasil. O dinheiro economizado por meio dessa abordagem poderia ser usado para oferecer tratamento a um número significativamente maior de pacientes.
 
CONFLITO DE INTERESSES
 
Nenhum conflito declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Patil SP, Ayappa IA, Caples SM, Kimoff RJ, Patel SR, Harrod CG. Treatment of Adult Obstructive Sleep Apnea with Positive Airway Pressure: An American Academy of Sleep Medicine Clinical Practice Guideline. J Clin Sleep Med. 2019;15(2):335-343. https://doi.org/10.5664/jcsm.7640
2.            Cistulli PA, Armitstead J, Pepin JL, Woehrle H, Nunez CM, Benjafield A, et al. Short-term CPAP adherence in obstructive sleep apnea: a big data analysis using real world data. Sleep Med. 2019;59:114-116. https://doi.org/10.1016/j.sleep.2019.01.004
3.            Ip S, D’Ambrosio C, Patel K, Obadan N, Kitsios GD, Chung M, et al. Auto-titrating versus fixed continuous positive airway pressure for the treatment of obstructive sleep apnea: a systematic review with meta-analyses. Syst Rev. 2012;1:20. https://doi.org/10.1186/2046-4053-1-20
4.            Patil SP, Ayappa IA, Caples SM, Kimoff RJ, Patel SR, Harrod CG. Treatment of Adult Obstructive Sleep Apnea With Positive Airway Pressure: An American Academy of Sleep Medicine Systematic Review, Meta-Analysis, and GRADE Assessment. J Clin Sleep Med. 2019;15(2):301-334. https://doi.org/10.5664/jcsm.7638
5.            Fuchs FS, Wiest GH, Frank M, Harsch IA, Schahin SP, Hahn EG, et al. Auto-CPAP therapy for obstructive sleep apnea: induction of microarousals by automatic variations of CPAP pressure?. Sleep. 2002;25(5):514-518. https://doi.org/10.1093/sleep/25.5.512
6.            Boudewyns A, Van de Heyning P, De Backer W. Appearance of central apnoea in a patient treated by auto-CPAP for obstructive sleep apnoea. Respir Med. 1998;92(6):891-893. https://doi.org/10.1016/S0954-6111(98)90399-7
7.            Pepin JL, Tamisier R, Baguet JP, Lepaulle B, Arbib F, Arnol N, et al. Fixed-pressure CPAP versus auto-adjusting CPAP: comparison of efficacy on blood pressure in obstructive sleep apnoea, a randomised clinical trial. Thorax. 2016;71(8):726-733. https://doi.org/10.1136/thoraxjnl-2015-207700
8.            Patruno V, Tobaldini E, Bianchi AM, Mendez MO, Coletti O, Constantino G, et al. Acute effects of autoadjusting and fixed continuous positive airway pressure treatments on cardiorespiratory coupling in obese patients with obstructive sleep apnea. Eur J Intern Med. 2014;25(2):164-168. https://doi.org/10.1016/j.ejim.2013.11.009
9.            Patruno V, Aiolfi S, Constantino G, Murgia R, Selmi C, Malliani A, et al. Fixed and autoadjusting continuous positive airway pressure treatments are not similar in reducing cardiovascular risk factors in patients with obstructive sleep apnea. Chest. 2007;131(5):1393-1399. https://doi.org/10.1378/chest.06-2192
10.          Sangal RB, Sudan N. Baseline Lighter Sleep and Lower Saturation Are Associated With Improved Sleepiness and Adherence on Continuous Rather Than Autotitrating Positive Airway Pressure. Clin EEG Neurosci. 2020;51(3):174-179. https://doi.org/10.1177/1550059419892759
11.          Alves A, Gigante AR, et al. Transition from APAP to CPAP may be a cost-effective health intervention in OSA patients. J Bras Pneumol. 47(6):e
12.          Damjanovic D, Fluck A, Bremer H, Müller-Quernheim J, Idzko M, Sorichter S. Compliance in sleep apnoea therapy: influence of home care support and pressure mode. Eur Respir J. 2009;33(4):804-811. https://doi.org/10.1183/09031936.00023408

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