ABSTRACT
Objective: The identification of persistent airway obstruction is key to making a diagnosis of COPD. The GOLD guidelines suggest a fixed criterion-a post-bronchodilator FEV1/FVC ratio < 70%-to define obstruction, although other guidelines suggest that a post-bronchodilator FEV1/FVC ratio < the lower limit of normal (LLN) is the most accurate criterion. Methods: This was an observational study of individuals = 40 years of age with risk factors for COPD who were referred to our pulmonary function laboratory for spirometry. Respiratory symptoms were also recorded. We calculated the prevalence of airway obstruction and of no airway obstruction, according to the GOLD criterion (GOLD+ and GOLD-, respectively) and according to the LLN criterion (LLN+ and LLN-, respectively). We also evaluated the level of agreement between the two criteria. Results: A total of 241 individuals were included. Airway obstruction was identified according to the GOLD criterion in 42 individuals (17.4%) and according to the LLN criterion in 23 (9.5%). The overall level of agreement between the two criteria was good (? = 0.67; 95% CI: 0.52-0.81), although it was lower among the individuals = 70 years of age (? = 0.42; 95% CI: 0.12-0.72). The proportion of obese individuals was lower in the GOLD+/LLN+ category than in the GOLD+/LLN- category (p = 0.03), as was the median DLCO (p = 0.04). Conclusions: The use of the GOLD criterion appears to be associated with a higher prevalence of COPD. The agreement between the GOLD and LLN criteria also appears to be good, albeit weaker in older individuals. The use of different criteria to define airway obstruction seems to identify individuals with different characteristics. It is essential to understand the clinical meaning of discordance between such criteria. Until more data are available, we recommend a holistic, individualized approach to, as well as close follow-up of, patients with discordant results for airway obstruction.
Keywords:
Pulmonary disease, chronic obstructive; Airway obstruction; Spirometry.
RESUMO
Objetivo: A identificação de obstrução persistente das vias aéreas é fundamental para o diagnóstico de DPOC. As diretrizes da GOLD sugerem um critério fixo — relação VEF1/CVF pós-broncodilatador < 70% — para definir obstrução, embora outras diretrizes sugiram que a relação VEF1/CVF pós-broncodilatador < o limite inferior da normalidade (LIN) é o critério mais preciso. Métodos: Estudo observacional com indivíduos ≥ 40 anos de idade com fatores de risco para DPOC encaminhados ao nosso laboratório de função pulmonar para espirometria. Também foram registrados sintomas respiratórios. Calculamos a prevalência de obstrução e de ausência de obstrução das vias aéreas segundo o critério GOLD (GOLD+ e GOLD−, respectivamente) e segundo o critério LIN (LIN+ e LIN−, respectivamente). Avaliamos também o grau de concordância entre os dois critérios. Resultados: Foram incluídos 241 indivíduos. Obstrução das vias aéreas foi identificada segundo o critério GOLD em 42 indivíduos (17,4%) e segundo o critério LIN em 23 (9,5%). A concordância global entre os dois critérios foi boa (κ = 0,67; IC95%: 0,52-0,81), embora tenha sido menor entre os indivíduos ≥ 70 anos de idade (κ = 0,42; IC95%: 0,12-0,72). A proporção de obesos foi menor na categoria GOLD+/LIN+ do que na categoria GOLD+/LIN− (p = 0,03), assim como a mediana de DLCO (p = 0,04). Conclusões: A utilização do critério GOLD parece estar associada a uma maior prevalência de DPOC. A concordância entre os critérios GOLD e LIN também parece ser boa, embora seja mais fraca em indivíduos mais velhos. A utilização de diferentes critérios para definir obstrução das vias aéreas parece identificar indivíduos com diferentes características. É essencial compreender o significado clínico da discordância entre esses critérios. Até que mais dados estejam disponíveis, recomendamos uma abordagem holística e individualizada e também um acompanhamento cuidadoso dos pacientes com resultados discordantes para obstrução das vias aéreas.
Palavras-chave:
Doença pulmonar obstrutiva crônica; Obstrução das vias respiratórias; Espirometria.
INTRODUÇÃO Como se sabe, a DPOC é uma das principais causas de mortalidade e morbidade em todo o mundo. Segundo a GOLD, a DPOC é caracterizada por sintomas respiratórios persistentes e obstrução das vias aéreas, definida como relação VEF1/CVF < 70%.(1) No entanto, a relação VEF1/CVF é influenciada pelo sexo e idade.(2,3) O critério fixo não reflete essa influência e pode classificar incorretamente a obstrução das vias aéreas. Neste sentido, alguns autores propuseram a utilização do limite inferior da normalidade (LIN), estimado a partir de uma população de referência representativa (em termos de idade, sexo, altura e raça), como critério mais preciso para definir obstrução das vias aéreas.(4-6)
A real prevalência da DPOC é desconhecida, e sua prevalência relatada varia consideravelmente no mundo em virtude de diferenças nos métodos de pesquisa, nas características das amostras e nos critérios diagnósticos. (7-10) A maioria dos estudos sobre DPOC é de base populacional com uma grande proporção de indivíduos sem fatores de risco para DPOC (assintomáticos e não fumantes), não inclui avaliações pós-broncodilatador ou apresenta ambos os problemas.(7,9)
O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência de DPOC segundo os dois diferentes critérios utilizados para definir obstrução das vias aéreas (relação VEF1/CVF < 70% e relação VEF1/CVF < LIN), e também determinar a concordância entre esses dois critérios, em uma amostra de pacientes com fatores de risco para DPOC. Avaliamos também as diferenças clínicas e funcionais entre os pacientes nos quais os critérios eram concordantes e aqueles nos quais eles eram discordantes.
MÉTODOS Amostra Trata-se de um estudo observacional incluindo indivíduos ≥ 40 anos de idade que apresentavam indicadores-chave de DPOC e foram submetidos a espirometria entre setembro e dezembro de 2019 no Laboratório de Função Pulmonar do Hospital da Luz Lisboa, na cidade de Lisboa, Portugal. Os indicadores-chave foram definidos da seguinte forma: carga tabágica ≥ 10 anos-maço ou histórico de exposição relevante a poeira, vapor, fumaça, gases ou produtos químicos; ou sintomas respiratórios crônicos, incluindo tosse crônica, produção crônica de escarro, dispneia — definida como pontuação na escala modificada de dispneia do Medical Research Council (mMRC) ≥ 2(11) — infecções recorrentes do trato respiratório inferior e sibilância, em fumantes. Os indivíduos que estavam em tratamento com broncodilatador — de longa (< 24 h) ou curta (< 8 h) duração — foram excluídos, assim como aqueles com histórico de asma, bronquiectasia, doença pulmonar intersticial ou ressecção pulmonar e também aqueles cujos sintomas não puderam ser avaliados.
O tamanho da amostra foi calculado com base em um nível de confiança de 95% (limites de confiança de 5%) e uma frequência prevista na população geral de 14,2%.(12) Assim, o tamanho mínimo da amostra foi determinado em 187 indivíduos.
As características demográficas (sexo e idade), os dados antropométricos (peso e altura) e o histórico médico (tabagismo, histórico de doença pulmonar e sintomas respiratórios como tosse crônica, produção crônica de escarro, dispneia e sibilância) foram obtidos dos prontuários médicos ou dos próprios pacientes, em entrevistas. Os indivíduos que haviam parado de fumar seis meses antes da entrevista foram classificados como ex-fumantes.
Testes de função pulmonar Os testes de função pulmonar incluíram a determinação de VEF1, CVF e relação VEF1/CVF. Se fosse realizada pletismografia de corpo inteiro, com ou sem teste de capacidade de difusão de respiração única, também eram registrados VR, CPT e DLCO (% do previsto), conforme recomendado nas diretrizes internacionais.(13-15) Todos os testes de função pulmonar foram realizados por tecnólogos respiratórios habilitados e treinados na utilização do sistema Masterscreen Body/Diffusion com o software SentrySuite, versão 2.21 (Vyaire Medical Inc., Chicago, IL, EUA). Medidas de higiene e controle de infecção foram aplicadas em todos os pacientes. Foram realizadas verificações da calibração, e foram seguidos procedimentos de controle de qualidade. Todos os pacientes foram informados sobre quais atividades e medicamentos deveriam ser evitados ou suspensos antes dos testes de função pulmonar.
As equações de referência da Global Lung Initiative (GLI) de 2012 foram aplicadas para a espirometria,(16) e as equações da European Community for Coal and Steel foram aplicadas para os volumes estáticos. (2) Todos os indivíduos com relação VEF1/CVF pré-broncodilatador < 70% ou < LIN foram submetidos ao teste de reversibilidade ao broncodilatador, em conformidade com as diretrizes internacionais.(15,17)
O broncodilatador padrão foi o salbutamol, administrado por inalador dosimetrado (100 µg por acionamento). Uma dose de 400 µg foi administrada com uma câmara de retenção valvulada. O VEF1 e a CVF pós-broncodilatador foram medidos 15 min depois, sendo que as manobras foram repetidas até a obtenção de três medidas aceitáveis. Caso o salbutamol fosse contraindicado, o anticolinérgico brometo de ipratrópio (dose total de 160 µg com uma câmara de retenção valvulada) era utilizado. Para os indivíduos que receberam brometo de ipratrópio, as manobras pós-broncodilatador foram realizadas 30 min após a administração.
A obstrução das vias aéreas foi definida segundo a relação fixa (critério GOLD) como uma relação VEF1/CVF pós-broncodilatador < 70% e segundo o critério LIN como uma relação VEF1/CVF pós-broncodilatador < LIN (designada GOLD+ e LIN+, respectivamente). Por outro lado, uma relação VEF1/CVF pós-broncodilatador ≥ 70% foi designada GOLD−, e uma relação VEF1/CVF pós-broncodilatador ≥ LIN foi designada LIN−. O LIN foi calculado utilizando as equações da GLI de 2012,(16) em que ele é o valor médio global previsto (com base no sexo, idade, raça e altura) menos 1,64 vezes o erro padrão da estimativa determinada no estudo de base populacional no qual a equação de referência é baseada (LIN 5% [5º percentil inferior]; escore Z: −1,64).
O estudo foi aprovado pela Comitê de Ética em Pesquisa Clínica do Hospital da Luz Lisboa. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Análise estatística A análise descritiva dos dados foi realizada por meio do RStudio, versão 1.3.1056, executando o R, versão 4.0.2 (RStudio Inc., Boston, MA, EUA). As variáveis quantitativas foram expressas como medianas e intervalos interquartis, enquanto as variáveis qualitativas foram expressas como frequências absolutas e relativas. O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para avaliar a normalidade das variáveis. O grau de concordância entre os dois critérios aplicados para definir obstrução das vias aéreas foi avaliado pelo cálculo da estatística kappa de Cohen (κ). Definimos quatro categorias de concordância entre os dois critérios: GOLD−/LIN−, GOLD+/LIN−, GOLD+/LIN+ e GOLD−/LIN+. Para avaliar diferenças entre categorias para as variáveis quantitativas, utilizamos o teste de Kruskal-Wallis e o teste de Dunn com correção de Benjamini-Hochberg, enquanto utilizamos testes do qui-quadrado com correção de Benjamini-Hochberg para determinar se havia diferenças estatisticamente significativas entre categorias para as variáveis qualitativas. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
RESULTADOS Nossa amostra incluiu 241 indivíduos, dos quais 134 (55,6%) eram do sexo masculino. A mediana de idade foi de 60 anos, e a mediana do IMC foi de 27 kg/m2. Todos os indivíduos tinham histórico de tabagismo, e 136 (56,4%) ainda eram fumantes ativos. Sintomas estavam presentes em 105 (43,6%) dos indivíduos, sendo o mais comum a tosse crônica (observada em 30,3%). Quando se aplicou o critério GOLD para obstrução das vias aéreas, 42 (17,4%) dos indivíduos foram classificados como portadores de DPOC, contra 23 (9,5%) quando se aplicou o critério LIN (Tabela 1). As características dos indivíduos, por categoria, estão detalhadas na Tabela 1, e a Figura 1 mostra a prevalência de DPOC por idade e sexo.
A concordância global entre os critérios GOLD e LIN para definir obstrução foi boa (κ = 0,67), embora tenha havido concordância apenas moderada entre os indivíduos com mais de 70 anos de idade (κ = 0,42). Como pode ser observado na Tabela 2, nenhum dos indivíduos avaliados se enquadrou na categoria GOLD−/LIN+ (relação VEF1/CVF pós-broncodilatador < LIN e ≥ 70%). Ao compararmos as três categorias restantes, constatamos que os indivíduos na categoria GOLD+/LIN− eram significativamente mais velhos do que aqueles na categoria GOLD−/LIN− (p < 0,001), embora não tenhamos encontrado diferença significativa na idade entre as duas categorias concordantes (GOLD−/LIN− e GOLD +/LIN+; p = 0,102). A proporção de pacientes obesos foi menor na categoria GOLD+/LIN+.
Os indivíduos na categoria GOLD−/LIN− apresentavam menos sintomas do que aqueles nas outras categorias. Não encontramos diferenças entre as categorias GOLD+/LIN− e GOLD+/LIN+ em termos de presença de sintomas. A proporção de pacientes com dispneia (pontuação na mMRC ≥ 2) foi maior na categoria GOLD+/LIN− do que na categoria GOLD+/LIN+, embora a diferença não tenha sido estatisticamente significativa, e as duas categorias foram comparáveis em termos de outros sintomas de DPOC (Tabela 1).
A mediana da DLCO foi menor na categoria GOLD+/LIN+ do que nas categorias GOLD−/LIN− e GOLD+/LIN− (p < 0,001 e p = 0,038, respectivamente). Não encontramos diferença estatisticamente significativa na DLCO entre a categoria GOLD−/LIN− e a categoria GOLD+/LIN−.
DISCUSSÃO No presente estudo, avaliamos dois diferentes critérios para definir obstrução das vias aéreas em uma amostra de indivíduos com fatores de risco para DPOC. A prevalência global de DPOC foi maior quando se aplicou o critério GOLD do que quando se aplicou o critério LIN (17,4% vs. 9,5%), e a concordância entre os dois critérios foi boa, embora mais fraca em indivíduos mais velhos. A proporção de obesos foi maior na categoria discordante para obstrução (GOLD+/LIN−) do que na categoria concordante para obstrução (GOLD+/LIN+). A DLCO estava preservada na categoria GOLD+/LIN− (discordante para obstrução) e na categoria GOLD−/LIN− (concordante para ausência de obstrução). Embora os indivíduos na categoria GOLD+/LIN− fossem mais velhos do que aqueles na categoria GOLD−/LIN−, não houve diferença significativa na idade entre a categoria GOLD+/LIN+ e a categoria GOLD−/LIN−.
A prevalência relatada de DPOC varia amplamente em virtude de diferenças no desenho das pesquisas, nos critérios diagnósticos e nas abordagens analíticas, que complicam as comparações dos dados. Em comparação com os achados de outro estudo realizado na mesma região de Portugal, que utilizou o protocolo Burden of Obstructive Lung Disease/Critérios GOLD,(12) a prevalência de DPOC foi maior no presente estudo (14,2% vs. 17,4%). Essa discrepância pode ser explicada pelas diferenças entre as duas amostras. No presente estudo, incluímos apenas fumantes ou ex-fumantes com fatores de risco para DPOC que foram encaminhados para teste de função pulmonar. A maioria dos outros estudos desse tipo, incluindo o estudo Burden of Obstructive Lung Disease,(12) são de base populacional.(8,10,18)
Os valores do LIN dependem da equação de referência escolhida. Portanto, a prevalência relatada de DPOC também é ampla, variando de 8,2% a 14,0%, dependendo do LIN utilizado para definir obstrução das vias aéreas(19): 8,2% quando se utiliza a equação European Community for Steel and Coal(2); 8,6% quando se utiliza a equação da GLI; 10,0% quando se utiliza a equação da National Health and Nutrition Examination Survey; e 14,0% quando se utiliza a equação do Copenhagen City Heart Study/Copenhagen General Population Study. Entre os idosos, a taxa de obstrução das vias aéreas obtida é menor quando se utiliza a equação de referência da GLI de 2012(16) do que quando se utilizam as do National Health and Nutrition Examination Survey III(3) e da European Community for Steel and Coal.(2)
No presente estudo, o número de indivíduos com diagnóstico de obstrução das vias aéreas foi maior quando utilizamos um critério fixo para avaliação da relação VEF1/CVF pós-broncodilatador do que quando utilizamos o critério baseado no LIN, achado consistente com os de outros estudos.(7,8,18,20) O critério GOLD pode superestimar a obstrução das vias aéreas em indivíduos mais velhos e subestimá-la em indivíduos mais jovens.(5) Como em outros estudos,(7,12,18) a prevalência de obstrução das vias aéreas avaliada com o critério fixo aumentou com a idade em nosso estudo. No entanto, como também foi constatado em nosso estudo, essa diferença é menos pronunciada quando se utiliza o critério LIN.(7) Documentamos uma boa concordância entre os dois critérios, embora o grau dessa concordância tenha diminuído com a idade, como relatado anteriormente.(21)
Não se sabe qual é o critério mais adequado para definir obstrução no diagnóstico de DPOC, nem o significado clínico de uma classificação discordante. Como não existe um critério padrão ouro, não é possível determinar qual critério é melhor. O sobrediagnóstico em indivíduos mais velhos quando se utiliza o critério fixo pode estar associado a tratamentos desnecessários, aumento dos custos em saúde, efeitos adversos à saúde e falha na investigação de outras possíveis razões para as queixas.(4) Em uma revisão sistemática,(22) ambos os critérios pareceram estar associados a vários desfechos clinicamente relevantes e não havia dados que justificassem a preferência por um critério em detrimento do outro.
Em relação à função pulmonar, constatamos que a DLCO foi menor na categoria concordante para obstrução do que na categoria discordante para obstrução, embora tenha sido comparável entre a categoria discordante para obstrução e a categoria concordante para ausência de obstrução. Em consonância com nossos dados, outros estudos sugeriram que a função pulmonar (CVF, VEF1 e a relação VEF1/CVF) é mais bem preservada em indivíduos nos quais o padrão obstrutivo é identificado segundo o critério GOLD e não segundo o critério LIN(23) e que esses indivíduos não apresentam declínio acelerado do VEF1.(24) No entanto, os indivíduos em nossa categoria discordante para obstrução (GOLD+/LIN−) também apresentavam algumas características funcionais da DPOC (por exemplo, VR mais alto).
A dispneia é um sintoma fundamental da DPOC, embora seja inespecífico e possa resultar de outras condições, incluindo doenças cardíacas, outras doenças pulmonares e descondicionamento físico. Alguns autores relataram que sintomas respiratórios são menos comuns e que comorbidades potencialmente significativas (tal como doença cardíaca) são mais frequentes em casos “discordantes de obstrução”.(25) Há evidências que sugerem que outras etiologias de dispneia devem ser consideradas nesses casos.(22)
Embora não tenhamos analisado minuciosamente as comorbidades em nossa amostra, constatamos que a proporção de obesos foi maior na categoria discordante para obstrução (GOLD+/LIN−), o que está em consonância com os achados de outros estudos que relataram maior frequência de comorbidades em indivíduos com resultados discordantes para obstrução. (25) No entanto, nem todos os estudos detectaram essa diferença.(26)
Não conseguimos analisar a segunda categoria discordante para obstrução (GOLD−/LIN+), pois nenhum dos indivíduos de nossa amostra se enquadrou nessa categoria. Isso provavelmente se deve ao fato de que incluímos apenas indivíduos ≥ 40 anos de idade, visto que já foi demonstrado que o critério GOLD subestima a obstrução das vias aéreas em indivíduos entre 20 e 44 anos de idade.(5) No entanto, como o diagnóstico de DPOC é baseado em indicadores-chave em indivíduos com mais de 40 anos de idade e em obstrução das vias aéreas confirmada por espirometria,(1) o subdiagnóstico de obstrução das vias aéreas em indivíduos mais jovens segundo o critério GOLD pode não ser um problema significativo.
O presente estudo destaca o debate sobre como interpretar a relação VEF1/CVF e o significado da discordância entre diferentes critérios para definir obstrução no diagnóstico de DPOC. Sugerimos uma abordagem holística e individualizada para pacientes com resultados discordantes para obstrução,(27) os quais devem ser acompanhados de perto. Aspectos funcionais, clínicos e radiológicos além da espirometria devem ser considerados. Os indivíduos na categoria GOLD+/LIN− de nossa amostra apresentavam algumas características da DPOC, como dispneia (pontuação na mMRC ≥ 2) e maior VR. No entanto, essa categoria também pode incluir alguns idosos saudáveis e indivíduos com sintomas causados por outras doenças (como obesidade e doenças cardiovasculares). Se apenas o critério GOLD for aplicado, é mais provável que os pacientes sejam submetidos a tratamentos desnecessários e que outros possíveis motivos para as queixas não sejam diagnosticados. Recomendamos o acompanhamento rigoroso dos pacientes com resultados discordantes para obstrução, pois é possível que o critério LIN leve ao subdiagnóstico de DPOC ou identifique apenas os pacientes com DPOC mais avançada. Há a necessidade de estudos que enfoquem o subgrupo de pacientes com discordância da relação VEF1/CVF.
O presente estudo tem vários pontos fortes. Incluímos indivíduos com fatores de risco para DPOC (fumantes ou ex-fumantes ≥ 40 anos de idade), construindo assim uma amostra de indivíduos com maior risco de desenvolver obstrução das vias aéreas relacionada ao tabagismo. Por outro lado, excluímos indivíduos com outras doenças respiratórias (como asma e bronquiectasia) ou histórico de ressecção pulmonar, condições essas que podem mimetizar os sintomas e alterações da função pulmonar da DPOC, resultando em uma superestimativa de sua prevalência. Além disso, avaliamos os sintomas característicos da DPOC. Ainda, utilizamos as equações de referência da GLI de 2012, que proporcionam um padrão de referência robusto.(16) Além do mais, o teste de reversibilidade ao broncodilatador foi realizado em todos os indivíduos com obstrução das vias aéreas na espirometria, enquanto a maioria dos estudos sobre esse tópico não inclui avaliações pós-broncodilatador ou é de base populacional com uma grande proporção de indivíduos sem fatores de risco para DPOC (assintomáticos e não fumantes) e também não inclui avaliações pós-broncodilatador.
Nosso estudo tem algumas limitações. Não tivemos acesso a dados sobre exposição a outros agentes nocivos além da fumaça do tabaco, como poluentes aéreos (oriundos da queima de combustível doméstico, de fontes ocupacionais e de fontes ambientais), sobre nível socioeconômico ou sobre comorbidades. Além disso, o teste de reversibilidade ao broncodilatador foi realizado apenas nos indivíduos com obstrução pré-broncodilatador (relação VEF1/CVF < 70% ou < LIN). No entanto, isso pode não ter feito diferença significativa, visto que apenas uma pequena proporção (3%) dos indivíduos apresenta obstrução na avaliação pós-broncodilatador após não apresentar obstrução das vias aéreas na avaliação pré-broncodilatador(28) e que foi constatado que a obstrução das vias aéreas pré e pós-broncodilatador prediz mortalidade com um grau de precisão semelhante.(29) Ainda, como o tamanho de nossa amostra foi calculado para avaliar a prevalência de DPOC, o número de indivíduos na categoria discordante para obstrução foi pequeno. Além do mais, não avaliamos a relação entre obstrução das vias aéreas na espirometria e outros desfechos da DPOC, pois não tivemos acesso aos dados do acompanhamento. Por fim, os valores de referência das equações da GLI de 2012 não foram aplicados para pletismografia corporal (o que não foi avaliável no início da coleta de dados).
Neste estudo, avaliamos dois diferentes critérios para definir obstrução das vias aéreas para o diagnóstico de DPOC em uma amostra de indivíduos com fatores de risco para a doença. Foi documentada maior prevalência de obstrução das vias aéreas quando se aplicou o critério GOLD do que quando se aplicou o critério LIN (17,4% vs. 9,5%). A concordância global entre os dois critérios foi boa, embora tenha sido menor nos indivíduos mais velhos. A utilização de diferentes critérios para definir obstrução das vias aéreas parece identificar indivíduos com diferentes características. É essencial compreender o significado clínico da discordância entre esses critérios. Até que mais dados estejam disponíveis, recomendamos uma abordagem holística e individualizada e também um acompanhamento cuidadoso dos pacientes com resultados discordantes para obstrução das vias aéreas.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES MG: concepção e desenho do estudo; coleta de dados; e gerenciamento do banco de dados. JC: análise estatística dos dados. Todos os autores revisaram a literatura; interpretaram e discutiram os resultados; redigiram o manuscrito; e leram e aprovaram a versão final.
CONFLITO DE INTERESSES Nenhum declarado.
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