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Editorial

Rumo a uma nova definição de bronquiectasia não fibrocística

Towards a new definition of non-cystic fibrosis bronchiectasis

Miguel Ángel Martinez-Garcia1,2, Grace Oscullo1, Alberto Garcia-Ortega1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220023

Uma das peculiaridades mais óbvias da bronquiectasia é que ela é uma doença enormemente heterogênea em sua apresentação e evolução,(1) além de ser de natureza complexa quanto ao fenótipo(2) e endótipo. (3) Isso provavelmente ocorre, pelo menos em parte, em virtude de muitas diferentes etiologias pulmonares e extrapulmonares(4) serem capazes de causar danos irreversíveis à parede brônquica e do variável quadro clínico pulmonar e sistêmico,(5,6) incluindo exacerbações,(7,8) que caracteriza essa doença.
 
Desde a década de 1990, a Tomografia Computadorizada de Alta Resolução (TCAR) é o padrão ouro no diagnóstico da bronquiectasia e uma série de critérios diagnósticos radiológicos foi estabelecida. Esses critérios são utilizados até hoje, tanto na prática clínica quanto em ensaios, e incluem basicamente o seguinte: aumento no diâmetro da luz brônquica em relação ao do vaso adjacente — esse é o critério mais utilizado (relação broncoarterial > 1); ausência de afilamento brônquico; e presença de brônquios dilatados adjacentes à pleura. (9) No entanto, o uso crescente da TCAR e a melhora na interpretação das imagens de TCAR revelaram também vários problemas adicionais. Primeiro, brônquios dilatados com relação broncoarterial ≥1 podem ser encontrados em até 20% dos indivíduos com mais de 70 anos de idade sem comorbidades ou sintomas respiratórios,(10) e parece que algo semelhante é encontrado em indivíduos que vivem em altas altitudes. Segundo, algumas doenças intersticiais ou pós-infecciosas (provavelmente incluindo bronquiectasia após pneumonia por COVID-19) e doenças com componente enfisematoso também podem estar associadas a áreas de bronquiectasia de tração e pouco ou nenhum componente clínico.(11) Terceiro, em consequência da variação do diâmetro dos vasos adjacentes ao brônquio em pacientes com doenças pulmonares crônicas, a bronquiectasia pode ser subdiagnosticada (em virtude do aumento do diâmetro dos vasos em pacientes com hipertensão pulmonar) ou superdiagnosticada (em pacientes com vasoconstrição hipóxica).(12) Quarto, a visualização e quantificação do espessamento da parede brônquica (reflexo do processo inflamatório subjacente das vias aéreas), com consequente aumento do diâmetro do brônquio, vêm melhorando constantemente. Por fim, além de tudo isso, há disparidades na interpretação radiológica das imagens, dependendo dos leitores e dos profissionais especializados disponíveis em um determinado centro.
 
Obviamente, as questões supracitadas, sem dúvida, têm impacto tanto no manejo clínico diário de tais indivíduos quanto na homogeneidade de sua inclusão em ensaios clínicos, cujos resultados, em grande parte, serão incluídos em diretrizes para a prática clínica.
 
Dessa maneira, um grande grupo de especialistas (incluindo clínicos e radiologistas) de todo o mundo se reuniu recentemente para chegar a uma definição consensual de bronquiectasia baseada na combinação das perspectivas radiológica e clínica. Embora essa definição possa variar ao longo do tempo, ela garante a homogeneidade do diagnóstico para fins clínicos e de pesquisa.(13)
 
Talvez o ponto-chave dessa definição consensual seja a afirmação de que o diagnóstico de bronquiectasia deve incluir tanto fatores radiológicos quanto clínicos. Isso reflete o fato de que a chamada “bronquiectasia radiológica assintomática”, que geralmente inclui a bronquiectasia observada em indivíduos saudáveis ou com doenças pulmonares fibróticas, não tem significado claro e não requer, por enquanto, nenhum tipo de abordagem terapêutica.(13)
 
Os critérios estabelecidos a partir da perspectiva radiológica são semelhantes aos já conhecidos, sendo a alteração mais relevante provavelmente a adição da espessura da parede brônquica à medida do diâmetro. Portanto, uma relação broncoarterial entre diâmetro interno (somente o diâmetro do lúmen brônquico) e diâmetro externo (o diâmetro do lúmen brônquico mais a espessura da parede brônquica) ≥ 1 pode ser considerada bronquiectasia se for acompanhada de sintomas relacionados. De qualquer forma, do ponto de vista puramente radiológico, a maior certeza diagnóstica foi estabelecida como relação broncoarterial ≥ 1,5, na tentativa de evitar ao máximo pequenas dilatações brônquicas em indivíduos saudáveis (embora, do ponto de vista clínico, elas geralmente não estejam ativas). Do ponto de vista científico, recomenda-se a leitura centralizada das imagens.(13)
 
As discrepâncias são maiores nos critérios clínicos, pois não há sintomas característicos e facilmente reconhecíveis que sejam atribuíveis à bronquiectasia. Tendo essa limitação como pressuposto, estabeleceu-se como critério a presença de pelo menos dois dos seguintes sintomas ou sinais: tosse na maioria dos dias da semana, produção de escarro na maioria dos dias da semana e histórico de exacerbações. De qualquer forma, faz-se necessária uma série de considerações a esse respeito. Primeiro, a definição consensual supracitada tem uma finalidade fundamentalmente científica, ou seja, sua aplicação é recomendada, sobretudo, para a homogeneização do tipo de paciente apto para inclusão em um ensaio clínico. Embora os parâmetros possam ser utilizados no ambiente clínico, os casos precisam ser individualizados, pois os pacientes podem apresentar outros sintomas ou sinais relacionados à bronquiectasia radiologicamente relevante, e esses sintomas ou sinais podem ser modificados pelo tratamento. Segundo, os sintomas descritos devem ser atribuíveis à bronquiectasia, de forma que é importante fazer todos os esforços para identificar tanto as possíveis etiologias da bronquiectasia quanto as doenças pulmonares frequentemente associadas a ela, como a DPOC e a asma. Terceiro, com o tempo e o aumento do conhecimento sobre a bronquiectasia, podem ocorrer mudanças na interpretação clínica dessa doença e do impacto relativo de cada sintoma no paciente.(13)
 
Em suma, é muito importante conseguir encontrar homogeneidade na heterogeneidade, e poucas doenças pulmonares são mais heterogêneas do que a bronquiectasia. Esse ponto é absolutamente essencial na comparação dos resultados dos ensaios clínicos que servirão de base para diretrizes que orientarão as ações diagnósticas e terapêuticas para a maioria dos nossos pacientes na prática clínica. No entanto, não devemos perder a perspectiva do senso comum e de nossa própria experiência, e devemos estar cientes de que cada paciente tem um fenótipo clínico único e deve ser tratado de forma individualizada.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
Os autores contribuíram igualmente para este trabalho.
 
CONFLITO DE INTERESSE
 
Não declarado.
 
REFERÊNCIAS
 



  1. Martinez-Garcia MA, Aksamit TR, Agusti A. Clinical Fingerprinting: A Way to Address the Complexity and Heterogeneity of Bronchiectasis in Practice. Am J Respir Crit Care Med. 2020;201(1):14-19. https://doi.org/10.1164/rccm.201903-0604PP

  2. Aliberti S, Lonni S, Dore S, McDonnell MJ, Goeminne PC, Dimakou K, et al. Clinical phenotypes in adult patients with bronchiectasis. Eur Respir J. 2016;47(4):1113-1122. https://doi.org/10.1183/13993003.01899-2015

  3. Martinez-Garcia MA. Bronchiectasis and eosinophils. Arch Bronconeumol. 2021;57:671-672. https://doi.org/10.1016/j.arbres.2021.08.001

  4. Martinez-García MA, Villa C, Dobarganes Y, Girón R, Maíz L, García-Clemente M, et al. RIBRON: The spanish Online Bronchiectasis Registry. Characterization of the First 1912 Patients. Arch Bronconeumol (Engl Ed). 2021;57(1):28-35. https://doi.org/10.1016/j.arbr.2020.11.010

  5. Nucci MCNM, Fernandes FLA, Salge JM, Stelmach R, Cukier A, Athanazio R. Characterization of the severity of dyspnea in patients with bronchiectasis: correlation with clinical, functional, and tomographic aspects. J Bras Pneumol. 2020;46(5):e20190162. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20190162

  6. Martinez-Vergara A, Girón-Moreno RM, Martínez-García MA. Dyspnea in bronchiectasis: a complex symptom of a complex disease. J Bras Pneumol. 2020;46(5):e20200281. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200281

  7. Posadas T, Oscullo G, Zaldivar E, Villa C, Dobarganes Y, Girón R, et al; C-Reactive Protein Concentration in Steady-State Bronchiectasis: Prognostic Value of Future Severe Exacerbations. Data From the Spanish Registry of Bronchiectasis (RIBRON). Arch Bronconeumol (Engl Ed). 2021;57(1):21-27. https://doi.org/10.1016/j.arbr.2019.12.022

  8. Chen CL, Huang Y, Yuan JJ, Li HM, Han XR, Martinez-Garcia MA, et al. The Roles of Bacteria and Viruses in Bronchiectasis Exacerbation: A Prospective Study. Arch Bronconeumol (Engl Ed). 2020;56(10):621-629. https://doi.org/10.1016/j.arbr.2019.12.014

  9. Naidich DP, McCauley DI, Khouri NF, Stitik FP, Siegelman SS. Computed tomography of bronchiectasis. J Comput Assist Tomogr. 1982;6(3):437-444. https://doi.org/10.1097/00004728-198206000-00001

  10. Tan WC, Hague CJ, Leipsic J, Bourbeau J, Zheng L, Li PZ, et al. Findings on Thoracic Computed Tomography Scans and Respiratory Outcomes in Persons with and without Chronic Obstructive Pulmonary Disease: A Population-Based Cohort Study. PLoS One. 2016;11(11):e0166745. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0166745

  11. Martinez-Garcia MA, Aksamit TR, Aliberti S. Bronchiectasis as a Long-Term Consequence of SARS-COVID-19 Pneumonia: Future Studies are Needed. Arch Bronconeumol. 2021;57(12):739-740. https://doi.org/10.1016/j.arbres.2021.04.021

  12. Polverino E, Dimakou K, Hurst J, Martinez-Garcia MA, Miravitlles M, Paggiaro P, et al. The overlap between bronchiectasis and chronic airway diseases: state of the art and future directions. Eur Respir J. 2018;52(3):1800328. https://doi.org/10.1183/13993003.00328-2018

  13. Aliberti S, Goeminne PC, O’Donnell AE, Aksamit TR, Al-Jahdali H, Barker AF, et al. Criteria and definitions for the radiological and clinical diagnosis of bronchiectasis in adults for use in clinical trials: international consensus recommendations. Lancet Respir Med. 2021;S2213-2600(21)00277-0. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(21)00277-0



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