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Cartas ao Editor

Broncoscopia flexível: primeira opção para a remoção de corpo estranho de vias aéreas em crianças

Flexible bronchoscopy: the first-choice method of removing foreign bodies from the airways of children

Evelise Lima1, Bianca Fidelix Espindola1, Isadora Oliveira Morais1, Paulo Rogério Scordamaglio1, Ascédio José Rodrigues2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210387

AO EDITOR,
 
A aspiração de corpo estranho (CE) é uma importante  causa de morte em crianças em todo o mundo.(1,2) Antes do advento da broncoscopia, o único tratamento era a traqueostomia paliativa e a taxa de mortalidade era de até 50%. A primeira broncoscopia foi realizada por Gustav Killian em 1897 para a extração de um CE nas vias aéreas da traqueia de uma criança (um osso de porco). Desde então, a broncoscopia tem sido amplamente utilizada para avaliação e tratamento de CE nas vias aéreas, reduzindo a taxa de mortalidade para menos de 1%.(3)
 
A incidência de CE nas vias aéreas é maior em crianças de 1-2 anos, em virtude de características inerentes ao desenvolvimento: imaturidade na coordenação da deglutição, facilidade de distração, exploração oral e dentição incompleta.(4) A apresentação e gravidade dependem do grau de obstrução das vias aéreas — a obstrução total ou subtotal da via aérea proximal pode levar a asfixia potencialmente fatal. O reconhecimento imediato é essencial, pois o diagnóstico tardio pode levar a uma condição crônica (por exemplo, pneumonias de repetição, abscesso pulmonar, bronquiectasia, pneumotórax, ou sintomas semelhantes aos da asma — tosse, sibilância).(4) Os achados radiológicos geralmente são inespecíficos ou até mesmo ausentes, portanto, se houver história clínica compatível, é necessária uma avaliação broncoscópica.(5)
 
A remoção broncoscópica de CE de vias aéreas em crianças é um procedimento complexo, com alto potencial  de complicações (por exemplo, hemoptise, edema laríngeo/pulmonar, pneumonia, atelectasia, febre, insuficiência respiratória, fístula traqueoesofágica, pneumotórax).(3) Historicamente, a broncoscopia rígida é o padrão ouro para o tratamento de inalação de CE em crianças; no entanto, a broncoscopia flexível (BF) tem sido cada vez mais utilizada, e vários autores já descreveram a BF como método diagnóstico e terapêutico para CE nas vias aéreas.(6-10)
 
A broncoscopia rígida apresenta algumas vantagens — broncoscópios rígidos têm maior diâmetro, garantem ventilação segura, e proporcionam melhor visão operatória, sendo útil em casos de sangramento maciço ou obstrução das vias aéreas centrais por CEs grandes ou pontiagudos — mas requer anestesia geral e é mais invasiva.(5,8)
 
A BF é mais acessível, com maior disponibilidade de profissionais capacitados, e relativamente mais fácil e mais segura, necessitando, em geral, apenas de sedação e anestesia local em crianças mais velhas e adolescentes. Quando se opta pela anestesia geral, a BF permite a ventilação em sistema fechado e o uso seguro de anestésicos inalatórios. Outra vantagem é que a BF é menos traumática para as vias aéreas, consegue chegar a brônquios mais distais e pode ser utilizada em pacientes com fraturas cervicais, maxilares ou cranianas.(8)
 
Apresentamos nossa experiência utilizando a BF terapêutica como primeira opção para a remoção de CE nas vias aéreas em crianças.
 
Foi realizado um estudo retrospectivo de pacientes pediátricos (com menos de 18 anos de idade) que foram submetidos à broncoscopia para remoção de CE nas vias aéreas no Serviço de Endoscopia Respiratória do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, localizado na cidade de São Paulo (SP), de janeiro de 2014 a junho de 2020. Foram revisados os prontuários médicos e de broncoscopia e coletadas informações sobre idade, sexo, equipamentos utilizados, localização e natureza do CE, taxa de sucesso e complicações.
 
Todos os pacientes foram submetidos à BF para localizar o CE nas vias aéreas na árvore traqueobrônquica, avaliar o grau de inflamação ou supuração da mucosa traqueobrônquica e escolher o equipamento necessário para as medidas terapêuticas. A broncoscopia rígida estava disponível para uso imediato em caso de falha da BF.
 
Os procedimentos foram realizados no centro cirúrgico sob sedação ou anestesia geral. Lidocaína a 1% sem vasoconstritor foi utilizada como anestésico tópico nas vias aéreas, com dose máxima de 4 mg/kg. Todos os pacientes foram monitorados com oximetria, monitoração cardíaca e medida não invasiva da pressão arterial.
 
Foram utilizados os seguintes equipamentos: broncoscópio flexível (Pentax FB-10X, Asahi Optical Co., Tóquio, Japão) com diâmetro externo de 3,2 mm e canal de trabalho de 1,2 mm em crianças com menos de 10 anos de idade; e broncoscópio flexível (P30; Olympus BF, New Hyde Park, NY, EUA) com diâmetro externo de 4,9 mm e canal de trabalho de 2,0 mm em crianças com 10 anos de idade ou mais. Utilizou-se broncoscópio rígido (Karl Storz GMBH, Tuttlingen, Alemanha) com diâmetro externo de 3,5 ou 5,5 mm, sistema óptico telescópico, laringoscópio de suspensão ou a combinação de métodos em casos específicos de falha da BF.
 
Após o procedimento, foi realizada uma revisão completa da árvore traqueobrônquica para excluir a presença de outros CEs nas vias aéreas, fragmentos do CE removido ou alterações estruturais. Os pacientes foram encaminhados à sala de recuperação, onde foram monitorados enquanto se recuperavam da anestesia/sedação.
 
O projeto foi aprovado pelo comitê institucional de revisão via Plataforma Brasil, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n. 17877919.0.0000.006.
 
No total, 40 pacientes pediátricos foram tratados, 22 (55%) dos quais eram meninos. Crianças com menos de 3 anos de idade representaram 52.5% dos casos, com pico de incidência entre aquelas com idade de 1 a menos de 2 anos (37,5% dos casos; Tabela 1).
 

 
Trinta e cinco por cento dos CEs nas vias aéreas estavam alojados no brônquio principal direito; 30%, no brônquio principal esquerdo; e 17,5%, na traqueia. A maioria era inorgânica (55%) e foi removida por BF (87,5%) sob anestesia geral (90%), utilizando uma cesta (47,5%) ou uma pinça dente de rato (35%; Tabela 1).
 
A taxa geral de sucesso de remoção de CE de vias aéreas foi de 100%. Em 35 casos (87,5%), o CE nas vias aéreas foi removido por BF. Em 3 casos (7,5%), houve necessidade de broncoscopia rígida — em um desses casos, a broncoscopia rígida foi a primeira opção do médico assistente; em outro, uma tentativa mal sucedida de remoção por BF havia sido realizada em outra instituição; e, no terceiro caso, havia estenose subglótica impedindo a passagem do broncoscópio flexível. Em 1 caso (2,5%), ambos os métodos foram utilizados (Tabela 1).
 
Complicações ocorreram em 3 casos (7,5%). Um deles foi uma complicação menor — laceração do brônquio principal direito durante a remoção. Houve 2 casos de complicações maiores: um de insuficiência respiratória e um de parada cardíaca (ambos os casos necessitaram de intubação orotraqueal). Nenhum óbito foi registrado.
 
Nosso estudo apresenta algumas limitações: é unicêntrico, retrospectivo e com pequeno tamanho amostral. Também não tivemos acesso aos dados clínicos coletados no momento da admissão na emergência.
 
Em conclusão, com base em nossa série e em resultados de relatos anteriores, acreditamos que a broncoscopia rígida não é obrigatória em todos os casos de CE nas vias aéreas e que a BF pode ser a primeira opção terapêutica. Alguns fatores contribuem para a taxa de sucesso da BF com mínimas complicações: uma equipe experiente e a pronta disponibilidade de equipamentos. O conhecimento das diferentes técnicas broncoscópicas minimiza as falhas terapêuticas ao facilitar a remoção de objetos inesperados, principalmente em lactentes.
 
CONFLITO DE INTERESSES
 
Não declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            França EB, Lansky S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R, et al. Leading causes of child mortality in Brazil, in 1990 and 2015: estimates from the Global Burden of Disease study. Rev Bras Epidemiol. 2017;20Suppl 01(Suppl 01):46-60. https://doi.org/10.1590/1980-5497201700050005
2.            Cheng J, Liu B, Farjat AE, Routh J. National estimations of airway foreign bodies in children in the United States, 2000 to 2009. Clin Otolaryngol. 2019;44(3):235-239. https://doi.org/10.1111/coa.13261
3.            Rodrigues AJ, Oliveira EQ, Scordamaglio PR, Gregório MG, Jacomelli M, Figueiredo VR. Flexible bronchoscopy as the first-choice method of removing foreign bodies from the airways of adults. J Bras Pneumol. 2012;38(3):315-320. https://doi.org/10.1590/S1806-37132012000300006
4.            Lowe DA, Vasquez R, Maniaci V. Foreign Body Aspiration in Children. Clin Pediatric Emerg Med. 2015;16(3):140-148. https://doi.org/10.1016/j.cpem.2015.07.002
5.            Paşaoğlu I, Doğan R, Demircin M, Hatipoğlu A, Bozer AY. Bronchoscopic removal of foreign bodies in children: retrospective analysis of 822 cases. Thorac Cardiovasc Surg. 1991;39(2):95-98. https://doi.org/10.1055/s-2007-1013940
6.            Cutrone C, Pedruzzi B, Tava G, Emanuelli E, Barion U, Fischetto D, et al. The complimentary role of diagnostic and therapeutic endoscopy in foreign body aspiration in children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75(12):1481-1485. https://doi.org/10.1016/j.ijporl.2011.08.014
7.            Swanson KL, Prakash UB, Midthun DE, Edell ES, Utz JP, McDougall JC, et al. Flexible bronchoscopic management of airway foreign bodies in children. Chest. 2002;121(5):1695-1700. https://doi.org/10.1378/chest.121.5.1695
8.            De Palma A, Brascia D, Fiorella A, Quercia R, Garofalo G, Genualdo M, et al. Endoscopic removal of tracheobronchial foreign bodies: results on a series of 51 pediatric patients. Pediatr Surg Int. 2020;36(8):941-951. https://doi.org/10.1007/s00383-020-04685-1
9.            Kim K, Lee HJ, Yang EA, Kim HS, Chun YH, Yoon JS, et al. Foreign body removal by flexible bronchoscopy using retrieval basket in children. Ann Thorac Med. 2018;13(2):82-85. https://doi.org/10.4103/atm.ATM_337_17
10.          Tang LF, Xu YC, Wang YS, Wang CF, Zhu GH, Bao XE, et al. Airway foreign body removal by flexible bronchoscopy: experience with 1027 children during 2000-2008. World J Pediatr. 2009;5(3):191-195. https://doi.org/10.1007/s12519-009-0036-z

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