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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Sobrevida a longo prazo após transplante pulmonar unilateral para silicose terminal em relação à fibrose pulmonar idiopática

Long-term survival following unilateral lung transplantation for end-stage silicosis relative to idiopathic pulmonary fibrosis

Fabiola Adélia Perin1, Stephan Altmayer2, Douglas Zaione Nascimento1, Guilherme Moreira-Hetzel1, Spencer Marcantonio Camargo1, Bruno Hochhegger2, Luziélio Alves Sidney Filho1, José de Jesus Camargo1, Guilherme Watte1,2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210513

AO EDITOR,
 
A silicose é uma doença ocupacional causada pela exposição ao dióxido de silício cristalino livre que evolui como uma inflamação granulomatosa progressiva, eventualmente levando à fibrose pulmonar. Embora a cessação da exposição à sílica melhore o prognóstico, ela não impede a progressão da doença, que acaba levando ao óbito. O transplante pulmonar (TPx) é a única alternativa terapêutica para pacientes com silicose terminal, com significativo benefício de sobrevida quando comparado ao tratamento conservador. O procedimento geralmente tem um curso intraoperatório complicado devido ao sangramento e instabilidade hemodinâmica; portanto, apenas um número restrito de pacientes com silicose terminal em todo o mundo foi submetido a transplante.(1,2) Poucos estudos relataram as complicações intraoperatórias e os desfechos a longo prazo do TPx nesses pacientes, e a maioria dos dados deriva de estudos em centros localizados nos Estados Unidos.(2-9) No entanto, pouco se sabe sobre os desfechos de sobrevida do procedimento na América Latina.
 
O presente estudo retrospectivo foi realizado em um único centro quaternário para avaliar os desfechos intraoperatórios e pós-operatórios de pacientes com silicose terminal submetidos a TPx unilateral entre 1989 e abril de 2017. Os desfechos do grupo com silicose terminal foram comparados aos de um grupo de pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI), para os quais os desfechos do TPx intra e pós-operatório são bem conhecidos na literatura. Os pares de FPI foram selecionados de um grupo que realizou TPx de 2012 a 2016 para melhor correspondência por sexo, idade e capacidade de função pulmonar pré-transplante. O diagnóstico de silicose e FPI foi confirmado por análise patológica do pulmão explantado. A silicose em estágio terminal foi definida de acordo com as diretrizes da Sociedade Internacional de Transplante de Coração e Pulmão.(10) A captação e o transplante de órgãos de doadores foram descritos em detalhe em outros estudos.(1) Após o transplante, todos os pacientes receberam um regime imunossupressor triplo padrão (ciclosporina, azatioprina e prednisona) e profilaxia antibiótica. Testes não paramétricos foram usados para comparar os dois grupos. O teste de Mann-Whitney foi usado para variáveis contínuas, enquanto o qui-quadrado (χ2) ou o teste exato de Fisher foram usados para variáveis categóricas. As probabilidades cumulativas de sobrevida após TPx foram estimadas usando curvas de Kaplan-Meier, e as diferenças na sobrevida foram testadas com o teste log-rank. Um valor p inferior a 0,05 foi considerado significante para todos os testes.
 
Um total de 16 pacientes com silicose terminal e 16 pares com FPI foram incluídos no estudo. As complicações intraoperatórias e o tempo de internação de ambos os grupos estão apresentados na Tabela 1. Os pacientes com silicose eram significativamente mais jovens do que os pacientes com FPI, fato que está relacionado à história natural de cada doença. O sangramento intraoperatório, a drenagem de sangue do dreno torácico e a necessidade de concentrado de hemácias foram mais de duas vezes maiores na população com silicose. Nenhum dos pacientes com silicose recebeu qualquer agente antiplaquetário e apenas um paciente com FPI estava em uso de aspirina (100 mg por dia) até o momento do transplante. Dois pacientes com FPI e sete com silicose receberam circulação extracorpórea no intraoperatório, e nenhum necessitou de oxigenação por membrana extracorpórea (OMEC) em qualquer momento da internação. No entanto, o tempo de internação na UTI e o tempo total de internação não foram significativamente diferentes entre os grupos.


 
O tempo mediano de acompanhamento foi de 4,1 anos para o grupo com fibrose (IIQ 1,9 – 5 anos) e 4,7 anos (IIQ 2,1 – 5 anos) para o grupo com silicose. Um ano após o TPx, as taxas de sobrevida eram de 81,3% para silicose e 87,5% para fibrose. A taxa de sobrevida estimada em 3 anos foi de 68,3% para silicose e 56,3% para fibrose. As curvas de Kaplan-Meier para estimativa de sobrevida revelaram que a silicose não estava associada a uma taxa de mortalidade em 5 anos significativamente maior quando comparada à fibrose (50% para ambos os grupos, p = 0,883).
 
Neste estudo de centro único, descobrimos que a sobrevida a longo prazo de pacientes com silicose terminal após TPx unilateral não foi significativamente diferente daquela dos pacientes com FPI. Tal observação está de acordo com estudos mais recentes de outros centros, principalmente nos Estados Unidos,(2-4,6) e se soma ao atual corpo de evidências que contrastam com os achados de Giuseppe et al.,(9) em que pacientes com silicose após TPx tiveram uma pior sobrevida quando comparados a pacientes com FPI.
 
As complicações intraoperatórias do TPx na silicose são desafiadoras não apenas pela dificuldade de dissecção dos pulmões, mas também devido à quantidade significativa de sangramento. O curso intraoperatório mais complicado da silicose poderia potencialmente piorar os desfechos desses pacientes, incluindo o aumento do tempo de internação (TI) e a diminuição da sobrevida após o TPx. Na presente comparação, entretanto, não houve diferença significante no TI entre pacientes com FPI e aqueles com silicose. Mais importante, este estudo demonstrou que a taxa de sobrevida em 5 anos após o TPx na silicose não diferiu daquela dos pacientes com FPI, apesar do pior curso intraoperatório.
 
Este estudo teve várias limitações, sendo uma coorte retrospectiva realizada em uma única instituição. Apesar de nossa tentativa de melhor combinar os pacientes com FPI com aqueles com silicose submetidos ao transplante pulmonar (especialmente para sexo), a história natural de cada doença limita tal abordagem. Nossa população controle pode ter sido submetida a um viés de seleção, pois tentamos combinar as características com as do grupo da silicose. Embora a população com silicose tenha se submetido ao transplante em um período mais precoce (recrutamento entre 1989 e abril de 2017) do que o grupo com fibrose (2012 a 2016), não houve diferenças significantes entre os grupos quanto à sobrevida. Por fim, não incluímos nenhum caso de TPx bilateral, pois há limitados procedimentos bilaterais para FPI ou nenhum para silicose em nosso serviço.
 
Em conclusão, nossa coorte de pacientes com silicose em estágio terminal submetidos a TPx em um único centro no Brasil demonstrou que, apesar do pior curso intraoperatório, tais complicações não resultaram em menor sobrevida a longo prazo em comparação aos pacientes com FPI.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
FAP, SA, DZN e GW: Conceptualização, Metodologia, Investigação, Curadoria de dados, Redação - manuscrito original. GM, SMC, BH, LASF e JJC: Investigação, Curadoria de dados, Redação - revisão e edição.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Sidney-Filho LA, Watte G, dos Santos PAR, Schio SM, Camargo SM, Perin FA, et al. What is expected in lung function after lung transplantation due to end-stage pulmonary silicosis? Clin Transplant 2017; 31: e13105. https://doi.org/10.1111/ctr.13105.
2.            Rosengarten D, Fox BD, Fireman E, Blanc PD, Rusanov V, Fruchter O, et al. Survival following lung transplantation for artificial stone silicosis relative to idiopathic pulmonary fibrosis. Am J Ind Med 2017; 60: 248–54. https://doi.org/10.1002/ajim.22687.
3.            Hayes D, Hayes KT, Hayes HC, Tobias JD. Long-Term Survival After Lung Transplantation in Patients with Silicosis and Other Occupational Lung Disease. Lung 2015; 193: 927–31. https://doi.org/10.1007/s00408-015-9781-z.
4.            Singer JP, Chen H, Phelan T, Kukreja J, Golden JA, Blanc PD. Survival following lung transplantation for silicosis and other occupational lung diseases. Occup Med (Chic Ill) 2012; 62: 134–7. https://doi.org/10.1093/occmed/kqr171.
5.            Balci MK, Kutlu CA. Lung Transplantation for Silicosis. J Clin Anal Med 2017; 8. DOI:10.4328/jcam.4987.
6.            Blackley DJ, Halldin CN, Hayanga JWA, Laney AS. Transplantation for work-related lung disease in the USA. Occup Environ Med 2020; 77: 790–794. https://doi.org/10.1136/oemed-2020-106578.
7.            Mao W, Chen J, Zheng M, Ye S, Liu F, He Y, et al. Lung Transplantation for End-Stage Silicosis. J Occup Environ Med 2011; 53(8): 845–9. https://doi.org/10.1097/JOM.0b013e3182260e50.
8.            Enfield KB, Floyd S, Barker B, Weder M, Kozower BD, Jones DR, et al. Survival after lung transplant for coal workers’ pneumoconiosis. J Hear Lung Transplant 2012; 31(12): 1315–8. https://doi.org/10.1016/j.healun.2012.09.002.
9.            Di Giuseppe M, Gambelli F, Hoyle GW, Lungarella G, Studer SM, Richards T, et al. Systemic Inhibition of NF-KB Activation Protects from Silicosis. PLoS One 2009; 4(5): e5689. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0005689.
10.          Weill D, Benden C, Corris PA, Dark JH, Davis RD, Keshavjee S, et al. A consensus document for the selection of lung transplant candidates: 2014 - An update from the Pulmonary Transplantation Council of the International Society for Heart and Lung Transplantation. J Hear Lung Transplant 2015; 34(1): 1–15. https://doi.org/10.1016/j.healun.2014.06.014.

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