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Cartas ao Editor

Histoplasmose endobrônquica mimetizando carcinoma broncogênico primário durante a pandemia de COVID-19

Endobronchial histoplasmosis mimicking primary bronchogenic carcinoma during the COVID-19 pandemic

Paula Duarte D’Ambrosio1, André Nathan Costa2, Paulo Rogério Scordamaglio3, Ricardo Mingarini Terra1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210048

AO EDITOR,
 
Durante a pandemia do Coronavírus, o número de exames de tomografia computadorizada (TC) de tórax aumentou, fato que beneficiou vários pacientes devido aos achados radiológicos incidentais.(1) A TC de tórax desempenha um papel crucial na determinação da gravidade da infecção, principalmente em pacientes hospitalizados.(2) Naturalmente, com o aumento do uso da TC no cenário atual, também são esperados maiores índices de detecção de lesões endobrônquicas.(3)
 
As lesões endobrônquicas muitas vezes representam malignidade mesmo em pacientes adultos jovens, sendo os tumores carcinoides os mais comuns.(4) No entanto, um grupo grande e heterogêneo de possíveis etiologias tem sido relatado, mimetizando carcinoma broncogênico primário.(5) Entre elas, temos: linfoma, broncolitíase, doença metastática e infecções fúngicas.(5) Embora rara, uma forma distinta de doença granulomatosa endobrônquica é a causada pelo Histoplasma capsulatum.
 
Uma paciente não fumante de 35 anos apresentou sintomas leves de tosse e dor de garganta, diagnosticada com COVID-19 com base na detecção de PCR em swabs nasofaríngeos/orofaríngeos iniciais, e foi internada para exame médico. Ela não tinha comorbidades e o exame físico não apresentava alterações. A paciente foi submetida a uma TC de tórax, que foi realizada de acordo com o protocolo da instituição para determinar a gravidade da infecção. A TC não revelou doença pulmonar intersticial, embora tenha sido detectado um nódulo pulmonar incidental de 8 mm. Este nódulo endobrônquico sólido não calcificado estava localizado no brônquio segmentar anterior do lobo superior esquerdo, conforme mostrado na Figura 1A. A paciente negou exposição domiciliar ou laboral à tuberculose (TB); no entanto, ela relatou que teve contato com guano de morcego durante a infância por um período limitado de tempo. Esse achado tomográfico na jovem levou a uma hipótese primária de tumor carcinoide, assim como os achados da broncoscopia, conforme indicado na Figura 1B. Após resolução completa da COVID-19, realizamos biópsias endobrônquicas com análise histopatológica e estudos microbiológicos. Os achados patológicos revelaram um granuloma não caseoso, e os resultados obtidos pela coloração com metenamina de prata de Grocott-Gomori (GMS) confirmaram formas típicas de levedura de Histoplasma capsulatum, conforme mostrado na Figura 1C. A paciente foi então encaminhada para acompanhamento padrão com TC sem tratamento antifúngico. Após 6 meses de seguimento, a paciente evoluiu sem intercorrências, e o controle de imagem mostrou uma diminuição significativa da lesão endobrônquica, sem aparecimento de novas lesões pulmonares, como mostra a Figura 1D.

 
Aqui relatamos o caso de uma paciente jovem assintomática com um achado radiológico incidental durante uma investigação para COVID-19. Embora a imagem sugerisse uma lesão endobrônquica sólida mimetizando um tumor pulmonar benigno ou maligno, as biópsias broncoscópicas revelaram infecção por histoplasmose endobrônquica.
 
A histoplasmose é uma infecção fúngica causada por um fungo dimórfico predominantemente encontrado em solos enriquecidos com excretas de aves e/ou morcegos e geralmente ocorre por inalação do organismo fúngico. Em áreas endêmicas de histoplasmose pulmonar, como os Estados Unidos, ocorrem até 500.000 novas infecções a cada ano. Esse diagnóstico é listado naturalmente como diagnóstico diferencial de lesões endobrônquicas, porém não no Sudeste do Brasil.(6)
 
Embora as características clínicas possam variar, a maioria das pessoas infectadas por Histoplasma capsulatum permanece assintomática; entretanto, aproximadamente 10–40% podem desenvolver doença pulmonar ou sistêmica.(3) Por outro lado, a apresentação endobrônquica direta é a menos comum. Apenas onze casos de histoplasmose endobrônquica foram relatados na literatura.(6) Apesar das melhorias nos exames de imagem e procedimentos sorológicos, o diagnóstico preciso continua sendo um desafio.
 
Os achados radiológicos da histoplasmose endobrônquica não são considerados suficientes para o diagnóstico, pois muitas vezes mimetizam outras infecções granulomatosas, como tuberculose e processos neoplásicos.(3) O diagnóstico é confirmado pela presença de H. capsulatum no tecido, obtido por biópsia endobrônquica na maioria dos casos. A amostra de tecido deve ser corada usando a técnica GMS para revelar organismos pequenos, ovais, de brotamento único, semelhantes a leveduras.(7)
 
Uma variedade de testes, incluindo o imunoensaio enzimático de urina para antígeno de Histoplasma, fixação do complemento e cultura, podem ajudar a estabelecer o diagnóstico. Entretanto, a sensibilidade da detecção depende da apresentação clínica e do estado do hospedeiro.(8) No presente relato de caso, a paciente foi testada apenas para o antígeno Histoplasma, obtendo resultado negativo; outros testes de antígenos séricos não estavam disponíveis em nossa instituição.
 
O tratamento da histoplasmose depende da gravidade da doença. Enquanto o tratamento conservador é adotado em pacientes imunocompetentes assintomáticos, terapia antifúngica específica deve ser oferecida em pacientes sintomáticos com lesões infiltrativas difusas.(9) O tratamento de escolha é itraconazol oral (200 mg/dia) por seis a doze semanas.(10)
 
Em conclusão, acreditamos que a histoplasmose endobrônquica deve ser considerada parte do diagnóstico diferencial de lesões endobrônquicas em pacientes jovens, mesmo em áreas não endêmicas.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
PDD: redação do conteúdo principal do texto, edição, referências. ANC e PRS: conceptualização do estudo, edição, seleção de imagens. RMT: redação do primeiro rascunho da apresentação do caso, edição, conceptualização do estudo, seleção de imagens.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Yekedüz E, Karcıoğlu AM, Utkan G, Ürün Y. A clinical dilemma amid COVID-19 pandemic: missed or encountered diagnosis of cancer? Future Oncology. 2020 Sep;16(25):1879-81. https://doi.org/10.2217/fon-2020-0501.
2.            Li M. Chest CT features and their role in COVID-19. Radiology of Infectious Diseases. 2020 Jun 1;7(2):51-4. https://doi.org/10.1016/j.jrid.2020.04.001.
3.            Gazzoni FF, Severo LC, Marchiori E, Irion KL, Guimarães MD, Godoy MC et al. Fungal diseases mimicking primary lung cancer: radiologic-pathologic correlation. Mycoses. 2014 Apr;57(4):197-208. https://doi.org/10.1111/myc.12150.
4.            Magro CM, Ross Jr. P. Endobronchial mimics of primary endobronchial carcinoma: a clinical study of 25 cases. Canadian respiratory journal. 2005 Apr 1;12(3):123-7. https://doi.org/10.1155/2005/563748.
5.            Ross Jr. P, Magro CM, King MA. Endobronchial histoplasmosis: a masquerade of primary endobronchial neoplasia—a clinical study of four cases. Ann Thorac Surg. 2004 Jul;78(1):277-81. https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2003.12.045.
6.            Karnak D, Avery RK, Gildea TR, Sahoo D, Mehta AC. Endobronchial fungal disease: an under-recognized entity. Respiration. 2007;74(1):88-104. https://doi.org/10.1159/000094708.
7.            Wheat LJ. Laboratory diagnosis of histoplasmosis: update 2000. Semin Respir Infect. 2001 Jun;16(2):131-40. https://doi.org/10.1053/srin.2001.24243.
8.            Gailey MP, Klutts JS, Jensen CS. Fine–needle aspiration of histoplasmosis in the era of endoscopic ultrasound and endobronchial ultrasound: cytomorphologic features and correlation with clinical laboratory testing. Cancer Cytopathol. 2013 Sep;121(9):508-17. https://doi.org/10.1002/cncy.21298.
9.            Tobón AM, Gómez BL. Pulmonary Histoplasmosis. Mycopathologia. 2021 Oct;186(5):697-705. https://doi.org/10.1007/s11046-021-00588-4.
Oliveira FD, Unis G, Severo LC. An outbreak of histoplasmosis in the city of Blumenau, Santa Catarina. Jornal Brasileiro de Pneumologia. 2006;32:375-8. https://doi.org/10.1590/S1806-37132006000400018

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