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Cartas ao Editor

Como estamos no Brasil com o tratamento da deficiência de alfa-1 antitripsina?

How are we in Brazil with the treatment of alpha-1 antitrypsin deficiency?

Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano1, Paulo Henrique Feitosa2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210445

AO EDITOR,
 
Recentemente, o Jornal Brasileiro de Pneumologia publicou um artigo de revisão sobre a deficiência de alfa-1 antitripsina (DAAT)(1) que aborda o diagnóstico e as perspectivas futuras de redução do subdiagnóstico no Brasil. No entanto, o tratamento é tão importante quanto o diagnóstico e, nesse aspecto, ainda há muito a ser feito.
 
A deficiência de AAT é uma doença rara que está associada a enfisema pulmonar de início precoce e várias formas de doença hepática, como cirrose e doença hepática neonatal.
 
O tabagismo tem se mostrado um fator de risco para o desenvolvimento de enfisema em indivíduos com DAAT. Portanto, é importante prevenir o início do tabagismo, bem como promover a cessação do tabagismo em fumantes ativos com DAAT.(1)
 
Segundo consensos e diretrizes, o tratamento da doença pulmonar associada à DAAT é o mesmo recomendado para a DPOC, e, quando indicado, deve ser realizada terapia de reposição com AAT.
 
A descoberta da estrutura e função da proteína AAT (inibidor de proteases de neutrófilos, potente anti-inflamatório e imunorregulador) e sua produção a partir do plasma humano permitiu a terapia de reposição de prevenir a progressão do enfisema.(2) O objetivo do tratamento é elevar os níveis séricos de AAT, manter a concentração no interstício pulmonar acima do “limiar protetor” e retardar a progressão do enfisema. A concentração de elastase antineutrófila obtida a partir do lavado broncoalveolar em pacientes com deficiência de AAT após terapia de reposição aumenta em 70% em relação aos níveis basais. Essa terapia foi aprovada pelo FDA em 1987 após estudos evidenciarem sua eficácia bioquímica.(2)
 
Após o diagnóstico, é importante que o paciente tenha acesso à terapia de reposição. Para que isso ocorra, é necessário o conhecimento dos aspectos farmacológicos e técnicos e sua disponibilidade em países tão heterogêneos quanto o Brasil.
 
A terapia de reposição é indicada para não fumantes ou ex-fumantes maiores de 18 anos com variantes genéticas de AAT compatíveis com deficiência, níveis séricos de AAT reduzidos (< 116 mg/dL) e indícios de limitação de fluxo aéreo na espirometria. A maioria dos pacientes com o genótipo PI*ZZ ou variantes nulas PI*Z apresenta níveis séricos < 57 mg/dL (nefelometria); pode-se afirmar que níveis séricos < 20% do valor normal são sugestivos de deficiência de PI*ZZ.(3) Pacientes com outras variantes genéticas também podem apresentar níveis séricos reduzidos de AAT e indicação de terapia de reposição. Indivíduos heterozigotos (PI*MZ ou PI*MS) geralmente não são candidatos à reposição de AAT, pois não apresentam risco aumentado de enfisema se não forem fumantes.(4)
 
As diretrizes GOLD sugerem que os pacientes com indicação de reposição de AAT são aqueles com VEF1 de 35% a 65% dos valores previstos (Evidência B).(5) A justificativa para selecionar essa faixa de VEF1 é que nem todos os pacientes com DAAT irão progredir com rápida perda da função pulmonar, especialmente após a cessação do tabagismo. O consenso americano/europeu(3) sobre a deficiência de AAT, após avaliar estudos com desfechos de mortalidade e VEF1 em pacientes que receberam a terapia de reposição em comparação com aqueles que não receberam, concluiu que a indicação deve ocorrer com VEF1 entre 31% e 65% dos valores previstos. As diretrizes canadenses(6) indicam a reposição de AAT para pacientes com diagnóstico de DPOC (VEF1 entre 25-80% dos valores previstos) sob terapia farmacológica e não farmacológica máxima (por exemplo, reabilitação pulmonar) e justificam essa conclusão pelos benefícios da preservação da densidade pulmonar, avaliada por tomografia computadorizada (Evidência B) e diminuição da mortalidade (Evidência C).
 
Em uma coorte de 139 pacientes, a densidade pulmonar foi analisada por tomografia computadorizada e foi confirmado que o tratamento com AAT impediu a progressão do enfisema em pacientes com DAAT.(7) Outro estudo(8) concluiu que os pacientes que receberam AAT apresentaram menos exacerbações e níveis mais baixos de proteína C reativa, IL-6, IL-8 e TNFα.
 
O principal objetivo do tratamento de reposição de AAT é conter a destruição do parênquima pulmonar causada pelo desequilíbrio protease/antiprotease, o que justifica, em alguns casos, o início do tratamento em pacientes com grau leve a moderado de obstrução do fluxo aéreo. Vale ressaltar que a tomografia de tórax para avaliar a densidade pulmonar é mais sensível do que a espirometria para o monitoramento desses pacientes. Além disso, é fundamental que, além da espirometria, a difusão do monóxido de carbono (DCO), os volumes pulmonares, os questionários de qualidade de vida, os testes de avaliação da DPOC e as exacerbações sejam avaliados periodicamente para detectar os benefícios da terapia de reposição e potenciais pioras clínicas.
 
O tratamento com reposição intravenosa de AAT tem especificações técnicas e é recomendado para ser aplicado em Centros de Referência, Unidades Básicas de Saúde ou Centros de Infusão com equipe treinada. A AAT deve ser transportada e armazenada em baixas temperaturas, e a dose recomendada é de 60 mg/kg de peso corporal semanalmente. As reações adversas são raras e leves e incluem febre, dispneia, tremores e cefaleia. Não há relatos de transmissão de hepatite ou HIV com o tratamento com AAT.(9) As AATs intravenosas são fornecidas na forma de pó liofilizado ou na forma líquida. As instruções para a reconstituição do pó liofilizado estão rotuladas na bula e devem ser seguidas rigorosamente. Após a reconstituição, a injeção de AAT deve ser administrada dentro de três horas.
 
Atualmente, existem onze países em que a AAT é fornecida por meio de protocolos públicos federais: Canadá e EUA desde 1988, Alemanha e Itália (1989), Espanha (1994), Áustria (2000), França (2006), Suíça (2012), Holanda (2017), Dinamarca (2020) e Japão (2021). Na maioria dos estados brasileiros, o tratamento com AAT é obtido por meio de ação judicial, com exceção do Distrito Federal, que possui protocolo e presta atendimento em um ambulatório especializado desde 2010. São necessários mais centros de referência para promover diagnóstico e tratamento especializado para pacientes com doenças pulmonares raras. Não há mais dúvidas de que a deficiência grave de AAT com enfisema requer reposição enzimática. Podemos discutir se uma dose maior do que a recomendada atualmente seria mais eficaz ou qual seria o ponto de corte do VEF1 para iniciar a reposição, mas não é mais apropriado observar o declínio acelerado da função pulmonar do paciente e não realizar a reposição de AAT. Já é hora de a CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no Sistema Único de Saúde) reavaliar sua posição anterior; as pessoas com DAAT certamente ficarão muito gratas.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Jardim JR, Casas-Maldonado F, Fernandes FLA, Castellano MVCO, Torres-Durán M, Miravitlles M. Update on and future perspectives for the diagnosis of alpha-1 antitrypsin deficiency in Brazil. J Bras Pneumol. 2021;47(3):e20200380. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200380.
2.            Wewers MD, Casolaro MA, Sellers SE, Swayze SC, McPhaul KM, Wittes JT et al. Replacement therapy for alpha-1 antitrypsin deficiency associated with emphysema. N Engl J Med 1987;316:1055-1062. https://doi.org/10.1056/NEJM198704233161704.
3.            American Thoracic Society / European Respiratory Society statement: standards for the diagnosis and management of individuals with alpha-1 antitrypsin deficiency. Am J Resp Crit Care Med 2003;168:818-900. https://doi.org/10.1164/rccm.168.7.818.
4.            Sandhaus RA, Turino G, Stocks J, Strange C, Trapnell BC, Silverman EK et al. alpha1-Antitrypsin augmentation therapy for PI*MZ heterozygotes: a cautionary note. Chest 2008;134(4):831-834. https://doi.org/10.1378/chest.08-0868.
5.            Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD). Global Strategy for the Diagnosis, Management and Prevention of Chronic Obstructive Pulmonary Disease 2021 Report. www.goldcopd.org.
6.            Marciniuk DD, Hernandez P, Balter M, Bourbeau J, Chapman KR, Ford GT et al. Alpha-1 antitrypsin deficiency targeted testing and augmentation therapy: a Canadian Thoracic Society clinical practice guideline. Can Resp J 2012;19:109-116. https://doi.org/10.1155/2012/920918.
7.            McElvaney NG, Burdon J, Holmes M, Glanville A, Wark PAB, Thompson PJ et al. Long-term efficacy and safety of a1 proteinase inhibitor treatment for emphysema caused by severe a1 antitrypsin deficiency: an open-label extension trial (RAPID-OLE). Lancet Respir Med 2017;5:51-60. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(16)30430-1.
8.            McElvaney OJ, Carroll TP, Franciosi AN, Sweeney J, Hobbs BD, Kowlessar V et al. Consequences of abrupt cessation of alpha1-antitrypsin replacement therapy. N Engl J Med 2020;382(15):1478-1480. https://doi.org/10.1056/NEJMc1915484.
9.            Stoller JK, Aboussouan LS. alpha 1-Antitrypsin deficiency. 5: intravenous augmentation therapy: current understanding. Thorax 2004;59(8):708-712. https://doi.org/10.1136/thx.2003.006544.

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