Para celebrar o Dia Mundial da Asma neste ano (03 de maio), a Global Initiative for Asthma (GINA)
(1) escolheu como tema “fechando lacunas nos cuidados da asma”. Das 10 lacunas elencadas destacamos o acesso igualitário ao diagnóstico e tratamento da asma.
(1) O desafio no Brasil é desenvolver iniciativas que permitam acesso fácil e igualitário ao tratamento da asma, levando em conta as imensas diferenças socioeconômicas, nos sistemas de saúde locais, em um país com dimensões continentais.
Desde a última publicação do JBP sobre o Dia Mundial da Asma (2019) passaram-se três anos. Naquele editorial,
(2) os autores descreveram o cenário da asma no Brasil questionando se os avanços no manejo da asma, conseguidos à época, permitiriam afirmar se o “copo” da asma estava meio cheio ou meio vazio. A conclusão foi de que havia razões para ambos os pontos de vista, mas que era necessário se esforçar e trabalhar para encher o copo.
No ano seguinte, a declaração de pandemia da COVID-19 pela OMS (11/03/2020), uma doença global, altamente transmissível e potencialmente letal, desencadeou mudanças globais extraordinárias no estilo de vida, na economia e nas crenças sobre saúde e seus cuidados. Neste editorial, discutimos a influência da COVID-19 nos cuidados da asma, a melhora no cenário da asma no Brasil, mesmo em tempos de COVID-19, e as perspectivas para aprimorar o manejo da asma.
Estudos iniciais descreveram que comorbidades respiratórias, incluindo a asma, eram preditores de desfechos mais graves e de mortalidade da COVID-19. A grande divulgação dessas informações aumentou a conscientização da população e da classe médica de que a asma é uma doença respiratória crônica, cujo tratamento correto é essencial. Nesse sentido, sociedades nacionais, tais como a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, sociedades internacionais e GINA mudaram rapidamente suas prioridades e emitiram notas educativas enfatizando três pontos principais: (1) aderir ao tratamento controlador associado a um plano de ação para o automanejo na piora dos sintomas; (2) abolir o uso de nebulizadores por seu potencial de disseminar a COVID-19; e (3) usar máscaras, higienizar as mãos e realizar o distanciamento social como medidas preventivas da doença.
Estudos subsequentes não comprovaram que a asma fosse fator de risco para COVID-19,
(3,4) em paradoxo com as demais viroses respiratórias às quais os asmáticos são reconhecidamente susceptíveis. Exacerbações da asma causadas por infecções virais são eventos comuns, resultando em aumento sazonal de atendimentos de emergência e de internações.
(5) Entretanto, a relação entre COVID-19 e asma ainda gera debate.
O que os artigos mais recentes têm mostrado? Adultos e crianças com asma bem controlada não têm risco aumentado de hospitalização ou morte por COVID-19.
(6) Ainda não está claro se a asma é fator de proteção para a COVID-19 e/ou fator de proteção independente para a mortalidade de pacientes com COVID-19.
(4,6) Possíveis explicações para esses achados incluem o lockdown e/ou o melhor manejo da asma.
Nesse contexto, destacamos dois estudos recentes de base populacional no Reino Unido. Em uma coorte de 100.165 asmáticos com pelo menos uma exacerbação nos últimos cinco anos, Shah et al.
(7) mostraram redução substancial nas taxas de exacerbações graves registradas na atenção primária. Entretanto, não houve redução significativa nas exacerbações com atendimento hospitalar e/ou internação ou no número de mortes relacionadas à asma. Adicionalmente, Davies et al.
(8) relataram diminuição de 36% nas admissões de emergência por asma após o lockdown. Mais importante ainda, na semana anterior ao lockdown, comparada à média dos cinco anos prévios, ocorreu um aumento de 127% na prescrição de corticoides inalatórios e orais para asmáticos. Após o lockdown houve a maior redução nas exacerbações graves de asma já registrada no Reino Unido, o que pode ser resultado, em parte, da melhora no manejo adequado da asma. Reduções semelhantes na taxa de internações por asma foram observadas no Brasil durante o primeiro pico da COVID-19.
(9) Mesmo em tempos de pandemia, é inegável que houve grandes avanços no cenário da asma no Brasil, graças ao trabalho de pneumologistas e pneumopediatras da SBPT e de sua Comissão de Asma. Nesse sentido, em 2020, foram publicadas as Recomendações no Manejo da Asma da SBPT,
(10) que atualizaram o tratamento da asma, adaptando diretrizes internacionais à realidade brasileira. O documento enfatiza a necessidade de uma abordagem personalizada, incluindo tratamento farmacológico, educação do paciente, plano de ação por escrito, treinamento para uso do dispositivo inalatório e revisão da técnica inalatória a cada consulta. Em 2021, foram publicadas as Recomendações no Manejo da Asma Grave da SBPT,
(11) destacando que asma grave é incomum e que necessita diagnóstico correto, fenotipagem baseada em biomarcadores de fácil acesso e tratamento farmacológico e não farmacológico personalizados, além dos critérios para a avaliação da resposta aos imunobiológicos.
Outro avanço importante na área da asma foi a atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde. Esse novo documento, publicado em 2021, atualiza as estratégias das etapas de tratamento da asma, bem como incorpora, no Sistema Único de Saúde (SUS), dois imunobiológicos (omalizumabe e mepolizumabe) para o tratamento da asma grave. Na esteira desses avanços também foram incorporados omalizumabe, mepolizumabe, benralizumabe e dupilumabe pela Agência Nacional da Saúde Suplementar (ANS). A incorporação de imunobiológicos no SUS e ANS facilitou o acesso desses medicamentos aos asmáticos graves, mas não garantiu a equidade de tratamento.
Reconhecemos que algumas lacunas não foram supridas nas consultas públicas da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS, uma vez que não houve sucesso na incorporação de outros medicamentos controladores. Por exemplo, corticoide inalatório associado a broncodilatador β2-agonista de longa duração por inalador dosimetrado é uma opção de tratamento para algumas faixas etárias pediátricas e para adultos com asma leve a moderada. Essa associação em conjunto com broncodilatador antagonista muscarínico de longa duração (brometo de tiotrópio) é uma opção para anteceder o uso de imunobiológicos, pelo menos para uma parcela de asmáticos graves, aumentando o acesso ao tratamento e/ou reduzindo os custos.
Sumarizando, reconhecemos que a asma continua sendo um problema de saúde pública em nosso país, mas sem dúvida obtivemos avanços significativos. Embora a morte por asma seja inaceitável, sua frequência vem gradativamente diminuindo no Brasil.
(12) Em contraste, a morbidade da asma ainda é preocupante, sinalizando a necessidade de direcionar nossos esforços para outros desfechos, como o controle adequado da asma, qualidade de vida dos pacientes e acessibilidade aos tratamentos farmacológicos e não farmacológicos. A nosso ver, é necessário aprimorar as possibilidades terapêuticas com intervenções personalizadas, objetivando recompor lacunas para que o asmático alcance qualidade de vida similar a de um não asmático. Nesse sentido, lições da pandemia podem nortear o caminho a ser seguido (Figura 1). Se continuarmos nessa caminhada, podemos pressupor que os resultados em médio prazo poderão reverter em satisfação aos pacientes e prestadores de serviço.
REFERÊNCIAS
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