AO EDITOR, Os questionários de qualidade de vida relacionados à saúde são medidas de desfecho relatadas pelo paciente que são amplamente utilizadas para avaliar o estado de saúde de pacientes com bronquiectasia. O Bronchiectasis Health Questionnaire (BHQ) foi desenvolvido para avaliar o estado de saúde usando sistemas de pontuação generalizadas e simples para facilitar o seu uso clínico.(1) Além de avaliar os sintomas dos pacientes com bronquiectasia, esse questionário simplificado facilita a comunicação entre os pacientes e a equipe multiprofissional, orientando condutas específicas e determinando a eficácia de diferentes intervenções.(1) A validação do BHQ foi realizada de forma presencial. No entanto, testar sua aplicação no formato online é mandatório, principalmente devido aos desafios relacionados à administração presencial, tais como a rotina movimentada dos pacientes, barreiras de transporte e a falta de apoio familiar. Além disso, a administração remota é preferível durante a pandemia de COVID-19, pois contribui para o distanciamento social e ajuda a prevenir a propagação do coronavírus.
O objetivo do presente estudo foi comparar as aplicações presencial e online do BHQ e avaliar qual o formato preferido pelos pacientes com bronquiectasia. Os comitês de ética em pesquisa com seres humanos das duas instituições onde o estudo foi realizado aprovaram o estudo (Universidade Nove de Julho, Protocolo no 2.532.903 e Universidade de São Paulo, Protocolo no 2.574.759).
Pacientes com bronquiectasia foram recrutados entre outubro de 2017 e dezembro de 2018 em um hospital universitário terciário de referência em São Paulo. Os critérios de inclusão foram (1) diagnóstico clínico e tomográfico de bronquiectasia, (2) idade ≥ 18 anos e (3) estabilidade clínica (ou seja, ausência de tosse, secreção pulmonar de grande volume ou consistência espessa, secreção pulmonar purulenta, dispneia aumentada, intolerância ao exercício, fadiga ou mal-estar nas quatro semanas anteriores ao estudo). Quanto aos critérios de exclusão, foram considerados: (1) tabagismo ou carga tabágica >10 anos-maço, (2) doença pulmonar associada (asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença pulmonar intersticial ou fibrose cística), (3) doenças cardiovasculares associadas ou (4) a incapacidade de responder questionários. O tamanho da amostra seguiu os padrões da COSMIN, que considera uma amostra mínima de 50 participantes ideal para estudos de confiabilidade.(2)
Após avaliar os critérios de elegibilidade, os participantes preencheram um BHQ(1) em papel e foram submetidos à escala de dispneia modificada do Medical Research Council(3) em formato de entrevista presencial durante uma consulta médica de rotina. Após 14 dias, os participantes preencheram o BHQ online por meio da plataforma Google Forms enviada via WhatsApp. A gravidade da bronquiectasia foi classificada de acordo com o índice E-FACED e o Índice de Gravidade da Bronquiectasia.(4-5)
Os dados foram analisados com o software SPSS 22.0 (IBM Corp., Chicago, IL, EUA), e o teste de Shapiro-Wilk foi usado para avaliar a normalidade dos dados. Os dados foram apresentados como média ± desvio padrão. O teste t pareado foi aplicado para comparar os escores do BHQ nas aplicações presencial e online, enquanto o teste t não pareado comparou as características basais entre os participantes incluídos e aqueles que foram incluídos, mas não participaram devido a questões tecnológicas. A confiabilidade da aplicação presencial e online foi analisada por meio do coeficiente de correlação intraclasse (CCI) modelo 2:1, adotando-se um intervalo de confiança de 95% (IC95%). Os dados do CCI foram classificados como pobre (< 0,4), moderado (0,4 a 0,75), substancial (0,75 a 0,90) e excelente (> 0,90).(6) O alfa de Cronbach foi utilizado para analisar a consistência interna, sendo considerados adequados valores entre 0,75 e 0,95. Efeitos teto ou chão estavam presentes quando ≥ 15% dos participantes pontuaram o mínimo ou o máximo nos questionários.(6) O erro padrão da medida (EPM) analisou o nível de concordância entre os formatos de administração presencial e online. A significância foi fixada em p < 0,05.
Treze dos 63 pacientes com bronquiectasia foram excluídos por dificuldade de acesso à plataforma Google Forms. Portanto, a amostra final foi composta por 50 indivíduos (22 mulheres). As características clínicas e funcionais dos participantes excluídos foram semelhantes às dos indivíduos incluídos (Tabela 1).
Os escores do BHQ obtidos nos formatos de aplicação presencial e online não mostraram diferenças significantes. A confiabilidade foi considerada substancial (CCI = 0,89; IC95%: 0,82–0,94) e a consistência interna foi adequada (alfa de Cronbach = 0,94). O erro padrão da medida foi pequeno (1,77 points), e nenhum efeito teto ou piso foi observado em nenhuma das formas de aplicação.
Em relação à preferência dos participantes quanto ao modo de aplicação do questionário, 26% relataram não ter preferência, enquanto 74% afirmaram que o formato online era muito melhor.
Nossos resultados mostram que ambos os formatos do BHQ são válidos e equivalentes para avaliar a qualidade de vida e os sintomas de pacientes com bronquiectasia.
Esses achados estão de acordo com um estudo que comparou a aplicação presencial e online do COPD Assessment Test (CAT) e do Clinical COPD Questionnaire (CCQ) em pacientes com DPOC, mostrando consistência interna adequada e confiabilidade substancial.(7) No presente estudo, o EPM foi usado para avaliar a concordância entre os dois formatos de administração do BHQ, e foi encontrada uma variação estreita para essa medida. Em outro estudo realizado com pacientes com DPOC, os autores observaram boa correlação, concordância e confiabilidade entre os formatos de administração presencial e online do CAT.(8) No entanto, os escores do CAT foram significantemente maiores na aplicação presencial (10,0 ± 7,4) do que no formato online (8,6 ± 7,8). A justificativa para tal diferença é que o formato online foi preenchido sem supervisão nas residências dos participantes, enquanto o presencial foi respondido sob supervisão no ambulatório.(8) Uma comparação realizada entre a administração presencial e online do Asthma Quality of Life Questionnaire e do Pediatric Asthma Quality of Life Questionnaire em pacientes com asma mostrou que o formato de administração online foi aceitável. Semelhante aos nossos achados, os participantes desses estudos preferiram o formato online ao presencial.(9-10)
Não foram encontrados efeitos teto ou piso nos formatos de administração presencial ou online, indicando que a administração online do BHQ também pode avaliar diferentes respostas à reabilitação pulmonar ou intervenções farmacológicas. O formato online do BHQ permite avaliar os pacientes em suas residências, sem a necessidade de deslocamento para consultórios médicos ou clínicas de reabilitação.
Este estudo teve algumas limitações. Os indivíduos foram recrutados em um único centro de referência para bronquiectasia em São Paulo. Entretanto, esse centro recebe pacientes de diferentes regiões de São Paulo e do Brasil. Por se tratar de um estudo secundário, a randomização não foi possível. No entanto, a randomização também não foi realizada em outros estudos com DPOC e asma, e os resultados de estudos anteriores foram semelhantes aos aqui encontrados.(7,9)
Em conclusão, os formatos de administração presencial e online do BHQ são equivalentes e intercambiáveis. Ambas as versões podem ser utilizadas para avaliar a qualidade de vida de pacientes com bronquiectasia.
APROVAÇÃO ÉTICA Todos os procedimentos seguiram os padrões éticos do comitê de pesquisa institucional e nacional e adotaram a Declaração de Helsinki (1964) e suas alterações posteriores ou padrões éticos comparáveis. O consentimento informado foi obtido de todos os indivíduos incluídos no estudo (Certificação nº 2.532.903 e 2.574.759).
DECLARAÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE Os autores afirmam que não há conflitos de interesse a declarar.
REFERÊNCIAS 1. Luppo A, de Camargo CO, Birring SS, Lunardi AC, Rached SZ, Athanazio RA et al. A study of the psychometric properties of the Brazilian–Portuguese version of Bronchiectasis Health Questionnaire. Pulmonology. 2020 Dec. 29:S2531-0437(20)30244-0. http://doi.org/10.1016/j.pulmoe.2020.10.012.
2. Terwee CB, Mokkink LB, Knol DL, Ostelo RW, Bouter LM, de Vet HC. Rating the methodological quality in systematic reviews of studies on measurement properties: a scoring system for the COSMIN checklist. Qual Life Res. 2012;21(4):651–657. http://doi.org/10.1007/s11136-011-9960-1.
3. Kovelis D, Segretti NO, Probst VS, Lareau SC, Brunetto AF, Pitta F. Validation of the Modified Pulmonary Functional Status and Dyspnea Questionnaire and the Medical Research Council scale for use in Brazilian patients with chronic obstructive pulmonary disease. J Bras Pneumol. 2008; 34(12):1008–1018. http://doi.org/10.1590/s1806-37132008001200005.
4. Martinez-Garcia MA, Athanazio RA, Girón R, Máiz-Carro L, de la Rosa D, Olveira C et al. Predicting high risk of exacerbations in bronchiectasis: the E-FACED score. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis. 2017;12:275–284. http://doi.org/10.2147/COPD.S121943.
5. Chalmers JD, Goeminne P, Aliberti S, McDonnell MJ, Lonni S, Davidson J et al. The bronchiectasis severity index. An international derivation and validation study. Am J Respir Crit Care Med. 2014;189(5):576–585. http://doi.org/10.1164/rccm.201309-1575OC.
6. de Vet HCW, Terwee CB, Mokkink LB, Knol DL. Reliability. In: de Vet HCW, Caroline B, Mokkink LB, Knol DL et al. (eds) Measurement in medicine. 1st Ed. New York: Cambridge University Press, 2011, pp.96–149.
7. Kocks JWH, Blom CMG, Kasteleyn MJ, Oosterom W, Kollen BJ, Van der Molen T et al. Feasibility and applicability of the paper and electronic COPD assessment test (CAT) and the clinical COPD questionnaire (CCQ) in primary care: a clinimetric study. NPJ Prim Care Respir Med. 2017;27(1):20. http://doi.org/10.1038/s41533-017-0023-0.
8. Nishimura K, Kusunose M, Sanda R, Tsuji Y, Hasegawa Y, Oga T. Comparison between electronic and paper versions of patient-reported outcome measures in subjects with chronic obstructive pulmonary disease: an observational study with a cross-over administration. BMJ Open. 2019;9(12):e032767. http://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-032767.
9. Caro JJ Sr, Caro I, Caro J, Wouters F, Juniper EF. Does electronic implementation of questionnaires used in asthma alter responses compared to paper implementation? Qual Life Res. 2001; 10(8):683–91. http://doi.org/10.1023/a:1013811109820.
10. Bushnell DM, Martin ML, Parasuraman B. Electronic versus paper questionnaires: a further comparison in persons with asthma. J Asthma. 2003; 40(7):751–62. http://doi.org/10.1081/jas-120023501.