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Editorial

O impacto da COVID-19 no sono e no ritmo circadiano

The impact of COVID-19 on sleep and circadian rhythm

Ozeas Lins-Filho1, Rodrigo P Pedrosa1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220191

O padrão circadiano de atividade e repouso é o ritmo biológico de aproximadamente 24 h, que corresponde a variações cíclicas no comportamento, na fisiologia e no ciclo sono-vigília, resultantes de um sistema de controle temporal intrínseco. A estabilidade desse ritmo biológico reflete funções orgânicas e saúde ideais; entretanto, a dessincronização entre o sistema circadiano e as horas necessárias de sono pode causar distúrbios nesse sistema e, consequentemente, distúrbios do sono. Existem formas de avaliar o ciclo sono-vigília, incluindo o uso de medidas subjetivas e objetivas, como diários do sono e actigrafia. Além disso, a polissonografia noturna também é utilizada para avaliar objetivamente o sono e diversos parâmetros fisiológicos, sendo a melhor opção para a avaliação completa dos parâmetros do sono; apesar disso, a polissonografia é utilizada na suspeita de distúrbios do sono.(1) Assim, o uso da polissonografia apresenta limitações para a avaliação de indivíduos com comprometimento do ciclo sono-vigília.
 
Diante do cenário em que o mundo inteiro se encontra desde 2020, tem-se investigado a relação entre a infecção por SARS-CoV-2 e seus impactos negativos no sono e no ritmo circadiano. No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Henríquez-Beltrán et al.(2) utilizaram a actigrafia e a polissonografia noturna domiciliar, respectivamente, como estratégia de mensuração para avaliar o ciclo circadiano e distúrbios do sono em pacientes que tiveram COVID-19 entre abril e julho de 2020. As avaliações ocorreram quatro meses após a fase aguda da COVID-19.
 
Já foi observado que, durante a fase aguda da infecção, independentemente dos sintomas ou da necessidade de hospitalização, a COVID-19 promove alterações prejudiciais do sono(3) e que esse cenário persiste mesmo seis meses após a fase aguda, resultando em sequelas. Em geral, 63% dos pacientes apresentavam fadiga ou fraqueza muscular, e 23% tinham dificuldade para dormir.(4)
 
Investigações sobre a influência da COVID-19 e o padrão circadiano de atividade e repouso são escassas, embora o cenário pandêmico tenha sido relacionado ao comprometimento desse padrão e a níveis elevados de sintomas de depressão, ansiedade e estresse durante o período de lockdown. Henríquez-Beltrán et al.(2) relataram que pacientes com COVID-19 moderadamente grave apresentaram maior prevalência de dificuldade de adormecer, de permanecer dormindo e de acordar cedo, enquanto pacientes com doença mais grave apresentaram dificuldade de permanecer dormindo e de acordar cedo.
 
Tais resultados são importantes para elucidar a associação entre a gravidade da COVID-19 e o ciclo sono-vigília, já que as variáveis supracitadas refletem o comportamento do ciclo circadiano. Além disso, um estudo anterior observou que, três meses após a alta hospitalar, 60,5% dos pacientes apresentavam má qualidade do sono (determinada por um índice subjetivo e actigrafia) e duração do sono < 7 h.(5) Ademais, a presença de distúrbios do sono, como apneia obstrutiva do sono (AOS), resulta em desfechos negativos nessa população.(6) Henríquez-Beltrán et al.(2) relataram que o risco de AOS foi maior nos grupos COVID-19 moderada e grave. De acordo com a polissonografia domiciliar, as prevalências de AOS nos grupos COVID-19 leve, moderada e grave foram, respectivamente, de 27,8%, 64,7% e 80,0%. A relação entre AOS e pacientes com COVID-19 hospitalizados também já foi estudada,(7) mostrando que a prevalência de AOS nesses pacientes foi de 15,3%. Essa divergência se deve principalmente à diferença no momento da avaliação da AOS e no número de pacientes avaliados: 60(2) e 3.185.(7)
 
Henríquez-Beltrán et al.(2) relataram que a qualidade do sono estava comprometida nos pacientes, independentemente da gravidade da doença. Da mesma forma, houve uma elevada prevalência de insônia nos três grupos de gravidade estudados. Além disso, a actigrafia mostrou que os grupos apresentavam duração do sono < 7 h, mas boa eficiência do sono.
 
Outro parâmetro do padrão circadiano de atividade e repouso — a fragmentação do ritmo de atividade e repouso, determinada pela variabilidade intradiária — mostrou-se comprometido em todos os grupos estudados, mas foi significativamente maior no grupo COVID-19 moderada.(2) O distúrbio circadiano já foi associado ao aumento do risco de doenças como doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão, obesidade, insônia e câncer.(1) O resultado encontrado no estudo de Benítez et al.(5) está de acordo com os achados supracitados(2) e indica que a saúde mental deve ser levada em consideração como marcador associado à privação do sono após a COVID-19.
 
Embora Henríquez-Beltrán et al.(2) tenham investigado poucos pacientes, existem sequelas da COVID-19 que afetam os parâmetros do sono e os padrões circadianos de atividade e repouso que persistem mesmo após um período prolongado após a fase aguda da doença, promovendo a fragmentação do ritmo circadiano de repouso e comprometendo os parâmetros associados ao sono e à saúde mental.
 
Em conclusão, a mensagem central do estudo(2) é clara: alterações do sono, do padrão do ciclo circadiano e da saúde mental parecem ser comuns por pelo menos quatro meses após a fase aguda da COVID-19, especialmente em pacientes que desenvolveram doença mais grave. No entanto, esses resultados devem ser vistos com cautela.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Frange C, Coelho FM, editors. Sleep Medicine and Physical Therapy: A Comprehensive Guide for Practitioners: Cham, Switzerland: Springer Nature; 2022. https://doi.org/10.1007/978-3-030-85074-6
2.            Henríquez-Beltrán M, Labarca G, Cigarroa I, Enos D, Lastra J, Nova-Lamperti E, et al. Sleep health and the circadian rest-activity pattern four months after COVID-19. J Bras Pneumol. 2022;48(3):e20210398. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210398
3.            Bhat S, Chokroverty S. Sleep disorders and COVID-19. Sleep Med. 2022;91:253-261. https://doi.org/10.1016/j.sleep.2021.07.021
4.            Huang C, Huang L, Wang Y, Li X, Ren L, Gu X, et al. 6-month consequences of COVID-19 in patients discharged from hospital: a cohort study. Lancet. 2021;397(10270):220-232. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32656-8
5.            Benitez ID, Moncusi-Moix A, Vaca R, Gort-Paniello C, Minguez O, Santisteve S, et al. Sleep and Circadian Health of Critical COVID-19 Survivors 3 Months After Hospital Discharge. Crit Care Med. 2022;50(6):945-954. https://doi.org/10.1097/CCM.0000000000005476
6.            Peker Y, Celik Y, Arbatli S, Isik SR, Balcan B, Karataş F, et al. Effect of High-Risk Obstructive Sleep Apnea on Clinical Outcomes in Adults with Coronavirus Disease 2019: A Multicenter, Prospective, Observational Clinical Trial. Ann Am Thorac Soc. 2021;18(9):1548-1559. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.202011-1409OC
7.            Maas MB, Kim M, Malkani RG, Abbott SM, Zee PC. Obstructive Sleep Apnea and Risk of COVID-19 Infection, Hospitalization and Respiratory Failure. Sleep Breath. 2021;25(2):1155-1157. https://doi.org/10.1007/s11325-020-02203-0

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