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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Variação da função pulmonar e aspectos clínicos em adultos com fibrose cística

Variation in lung function and clinical aspects in adults with cystic fibrosis

Elias Aguiar da Silva1, Camila Durante2, Daniele Rossato3,4, Paulo de Tarso Roth Dalcin5, Bruna Ziegler2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220155

AO EDITOR,
 
Um marcador importante para monitorar a progressão da doença é o VEF1, que é considerado o preditor mais importante de expectativa de vida em indivíduos com fibrose cística (FC).(1,2) O coeficiente de variação (CdV) do VEF1 foi estudado em indivíduos com FC para investigar sua relação com a adesão ao tratamento, desfechos clínicos, exacerbações e hospitalizações; assim como um preditor de futuro declínio do VEF1 e de futura redução da capacidade funcional.(3-5) Um estudo(5) relatou que pacientes com variação do VEF1 ≥ 10% em um ano apresentaram pior taxa de declínio de VEF1 nos dois anos seguintes.
 
O objetivo do presente estudo foi avaliar a relação entre o CdV do VEF1 e o número de dias de hospitalização em adultos com FC. Secundariamente, também foi avaliada a relação do CdV do VEF1 com o número de exacerbações pulmonares e performance no teste de caminhada de seis minutos (TC6).
 
Trata-se de um estudo retrospectivo de coorte realizado no Programa para Adultos com FC do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), em Porto Alegre (RS), ao longo de um ano (de janeiro a dezembro de 2019). Os critérios de inclusão foram idade ≥ 18 anos com diagnóstico confirmado de FC, acompanhamento regular no ambulatório para adultos com FC pelo menos três vezes por ano e realização de pelo menos três espirometrias com três meses de intervalo entre cada uma delas.
 
Os dados clínicos e demográficos foram extraídos dos prontuários médicos eletrônicos do HCPA. As seguintes variáveis foram registradas na data de entrada no estudo: IMC, bacteriologia do escarro, número de exacerbações no último ano, número de hospitalizações no último ano, tempo de internação hospitalar (dias), resultados do TC6 e parâmetros espirométricos. O número de exacerbações respiratórias foi registrado por meio da determinação do número de internações hospitalares em virtude de exacerbações e da frequência de uso de antibiótico oral.
 
A espirometria foi realizada em conformidade com as diretrizes brasileiras.(6) As variáveis compiladas foram VEF1, CVF e VEF1/CVF em litros e porcentagem dos valores previstos.(6) Foram extraídos os maiores e menores valores de VEF1 obtidos no período de estudo, e o CdV foi calculado como a relação entre o desvio padrão e a média em cada indivíduo e expresso em forma de proporção.
 
O TC6 foi realizado na Unidade de Fisiologia Pulmonar do HCPA e em conformidade com as diretrizes internacionais. (7) A distância percorrida no TC6 (DTC6) foi expressa em metros e em porcentagem dos valores previstos.(8) Foi registrada a presença de infecção crônica por Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa ou Burkholderia cepacia. A presença de três ou mais isolados bacterianos positivos durante os 12 meses anteriores foi usada para caracterizar infecção bacteriana crônica.
 
Para a análise, os indivíduos foram divididos em dois grupos, com base no CdV do VEF1: CdV do VEF1 < 10% e CdV do VEF1 ≥ 10%. As correlações entre o CdV do VEF1 e outras variáveis foram analisadas por meio do coeficiente de correlação de Spearman. As variáveis categóricas foram comparadas entre os grupos por meio do teste do qui-quadrado, e os dados foram expressos em número de casos.
 
Foram avaliados os prontuários médicos eletrônicos de 58 pacientes que participaram do Programa para Adultos com FC do HCPA durante o estudo. Dos 58 pacientes, 47 foram considerados elegíveis e incluídos no estudo. Os outros 11 foram excluídos em virtude de registros incompletos. Na amostra final, 20 pacientes eram do sexo masculino e 27 eram do sexo feminino, com mediana de idade de 27 anos e média de IMC de 21,3 kg/m2. A média do VEF1 foi de 47% do valor previsto, e a da DTC6 foi de 81% do valor previsto. A mediana do número de exacerbações em um ano foi = 2, e a do número de hospitalizações em um ano foi = 1. Dos 47 pacientes incluídos no estudo, 28 (59,5%) fizeram parte do grupo CdV do VEF1 ≥ 10% e 19 (40,5%) fizeram parte do grupo CdV do VEF1 < 10%. As comparações entre os dois grupos são apresentadas na Tabela 1.


 
Não houve correlações estatisticamente significativas entre o CdV do VEF1 e a idade no momento do diagnóstico ou a bacteriologia do escarro. Houve correlações estatisticamente significativas entre o CdV do VEF1 e a idade (ρ = −0,358; p = 0,013), o IMC (ρ = −0,423; p = 0,003), o total de exacerbações em um ano (ρ = 0,345; p = 0,018), o número de dias de uso de antibiótico oral em um ano (ρ = 0,356; p = 0,014), o número de dias de internação hospitalar em um ano (ρ = 0,386; p = 0,007), a DTC6 em % do valor previsto (ρ = −0,359; p = 0,013) e a SpO2 no fim do TC6 (ρ = −0,330; p = 0,024).
 
Neste estudo, o CdV do VEF1 ≥ 10%, em comparação com o CdV do VEF1 < 10%, esteve relacionado a um maior número de hospitalizações, isto é, a um maior número de exacerbações pulmonares e de dias de uso de antibiótico oral ou intravenoso ao longo do ano. Os achados são consistentes com os de Heinzmman-Filho et al.,(5) que identificaram uma relação significativa entre variações da função pulmonar e o número de hospitalizações. Além disso, houve relação entre essa variação em um ano e um maior número de hospitalizações nos dois anos seguintes.
 
Em geral, o monitoramento regular da função pulmonar em indivíduos com FC durante as consultas ambulatoriais é essencial para estabelecer o tratamento precoce e agressivo das exacerbações pulmonares, buscando evitar grandes variações ao longo do tempo e garantir maior estabilidade da doença.(9) Nesse contexto, o CdV do VEF1 é uma ferramenta válida para monitorar o declínio abrupto da função pulmonar e a progressão da doença em indivíduos com FC.
 
A natureza retrospectiva do presente estudo, o pequeno número de participantes, a ausência de avaliação da adesão ao tratamento e a indisponibilidade de exames mais sofisticados, tais como exames de imagem e o índice de depuração pulmonar, são algumas das limitações do estudo. Outra limitação importante é o fato de que apenas o VEF1 foi usado para a avaliação prognóstica de hospitalizações e exacerbações pulmonares.
 
Em suma, nossos achados sugerem que um CdV do VEF1 ≥ 10% ao longo de um ano está associado a um maior número de exacerbações e hospitalizações em adultos com FC. O uso do CdV do VEF1 pode ser benéfico para a avaliação e monitoramento da progressão da doença nessa população.
 
APOIO FINANCEIRO
 
Este estudo recebeu apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) do HCPA (Protocolo n. 2018-0459).
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
EAS: coleta de dados. DR: desenho do estudo. PTRD: desenho do estudo, análise dos dados e revisão do manuscrito. BZ: coleta de dados, desenho do estudo, análise dos dados e revisão do manuscrito. Todos os autores participaram da pesquisa bibliográfica, redação do manuscrito e aprovação da versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Breuer O, Caudri D, Stick S, Turkovic L. Predicting disease progression in cystic fibrosis. Expert Rev Respir Med. 2018;12(11):905-917. https://doi.org/10.1080/17476348.2018.1519400
2.            Taylor-Robinson D, Whitehead M, Diderichsen F, Olesen HV, Pressler T, Smyth RL, et al. Understanding the natural progression in %FEV1 decline in patients with cystic fibrosis: a longitudinal study. Thorax. 2012;67(10):860-866. https://doi.org/10.1136/thoraxjnl-2011-200953
3.            White H, Shaw N, Denman S, Pollard K, Wynne S, Peckham DG. Variation in lung function as a marker of adherence to oral and inhaled medication in cystic fibrosis. Eur Respir J. 2017;49(3):1600987. https://doi.org/10.1183/13993003.00987-2016
4.            Morgan WJ, VanDevanter DR, Pasta DJ, Foreman AJ, Wagener JS, Konstan MW; et al. Forced Expiratory Volume in 1 Second Variability Helps Identify Patients with Cystic Fibrosis at Risk of Greater Loss of Lung Function [published correction appears in J Pediatr. 2018 Jun;197:322]. J Pediatr. 2016;169:116-21.e2. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2015.08.042
5.            Heinzmann-Filho JP, Pinto LA, Marostica PJ, Donadio MV. Variation in lung function is associated with worse clinical outcomes in cystic fibrosis. J Bras Pneumol. 2015;41(6):509-515. https://doi.org/10.1590/s1806-37562015000000006
6.            Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Diretrizes para testes de função pulmonar. J Bras Pneumol. 2002;28(Suppl 3):S1 S238.
7.            Holland AE, Spruit MA, Troosters T, Puhan MA, Pepin V, Saey D, et al. An official European Respiratory Society/American Thoracic Society technical standard: field walking tests in chronic respiratory disease. Eur Respir J. 2014;44(6):1428-1446. https://doi.org/10.1183/09031936.00150314
8.            Soares MR, Pereira CA. Six-minute walk test: reference values for healthy adults in Brazil. J Bras Pneumol. 2011;37(5):576-583. https://doi.org/10.1590/S1806-37132011000500003
9.            Eakin MN, Riekert KA. The impact of medication adherence on lung health outcomes in cystic fibrosis. Curr Opin Pulm Med. 2013;19(6):687-691. https://doi.org/10.1097/MCP.0b013e3283659f45

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