CONTEXTO As opções de tratamento para pacientes com DPOC com falta de ar persistente podem ser intervenções não farmacológicas, farmacológicas e/ou mecânicas. Discutimos o caso de um paciente com DPOC grave encaminhado para transplante pulmonar; no entanto, ele acabou sendo tratado com ventilação não invasiva (VNI) diurna.
HISTÓRICO DO CASO Um homem de 47 anos de idade com enfisema bolhoso grave (VEF1: 0,48 L; 11% do previsto; CVF: 1,71 L; 32% do previsto) foi encaminhado pela equipe respiratória para consideração acerca de transplante pulmonar. Apresentava carga tabágica de 30 anos-maço, incluindo uso pesado de maconha no passado. Havia tido quarto exacerbações com necessidade de hospitalização nos últimos doze meses. Testou negativo para alfa-1 antitripsina. Também tinha osteoporose e dor crônica no quadril. Havia sofrido fraturas patológicas de costela secundárias à tosse. No momento do encaminhamento, estava em uso de β2-agonista de longa duração + corticosteroide inalatórios, antagonista muscarínico de longa duração inalatório, amitriptilina, morfina regular e morfina aguda para a falta de ar. Fazia uso de VNI noturna. A gasometria arterial basal revelou pH = 7,38; PaO2 = 9 kPa; PaCO2 = 7,1 kPa; e HCO3− = 31 mmol/L. Apresentava mobilidade gravemente limitada e agora vive em uma casa de repouso. A equipe de transplante julgou que, considerando seu estado nutricional precário, seu descondicionamento e sua falta de suporte social, era improvável que ele tivesse um desfecho positivo após o transplante de pulmão. Ele foi encaminhado pela equipe de transplante ao centro regional de ventilação para consideração acerca da terapia com cânula nasal de alto fluxo (CNAF) para o tratamento da falta de ar. Foi submetido à avaliação clínica de fisiologia respiratória.
AVALIAÇÃO CLÍNICA DA FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA O paciente foi atendido em nosso centro de ventilação para consideração acerca da terapia com CNAF. Foi submetido a uma avaliação completa de fisiologia respiratória, incluindo a medição da espirometria, da força muscular respiratória e do eletromiograma paraesternal, biomarcador substituto do drive respiratório neural.(1) O índice de drive respiratório neural (IDRN) é calculado pelo drive respiratório neural vezes a frequência respiratória. Neste paciente, o IDRN estava elevado no momento basal—valor normal: 74 [46-144] (ciclos/min) em %.(2) O paciente foi avaliado durante a respiração tranquila, e, em seguida, foi iniciada a terapia com CNAF a 20 L/min. O fluxo foi aumentado até 60 L/min em incrementos de 10 L/min. O paciente foi então avaliado em VNI. O eletromiograma paraesternal do paciente foi registrado ao longo dessa titulação, e solicitou-se ao paciente que classificasse sua dispneia utilizando a Escala de Borg modificada. Foi realizada análise respiração a respiração do eletromiograma paraesternal. A ANOVA, seguida do teste post hoc de Tukey, demonstrou que o IDRN diminuiu significativamente a cada fluxo da CNAF, exceto a 20 L/min. O IDRN estava significativamente reduzido em VNI em comparação com qualquer fluxo da CNAF (Figura 1). Curiosamente, a pontuação na escala modificada de Borg foi 1 no momento basal e a cada fluxo da CNAF, mas 0 com o uso da VNI.
DISCUSSÃO Em pacientes com DPOC em estágio terminal, nos quais o transplante pulmonar não é uma opção viável, a prioridade clínica é tratar a falta de ar e prevenir hospitalizações. Os pacientes muitas vezes permanecem com falta de ar apesar do uso de opiáceos. A CNAF, intervenção cada vez mais disponível, tem sido recomendada para o tratamento da falta de ar, mas as evidências que apoiam seu uso em pacientes com DPOC hipercápnica em estágio terminal são limitadas.(3) O aumento do drive respiratório neural foi associado a um aumento da percepção de falta de ar,(4) e, portanto, intervenções que diminuam o drive respiratório neural podem ser úteis no tratamento da falta de ar. O eletromiograma paraesternal é um biomarcador não invasivo e útil do drive respiratório neural.(1) Apesar do aumento dos fluxos da CNAF, o IDRN não se alterou. Em VNI diurna, o IDRN do paciente diminuiu consideravelmente, e isso se associou a uma diminuição da falta de ar subjetiva. Embora a CNAF tenha muitas aplicações potenciais tanto na insuficiência respiratória hipóxica e quanto na hipercápnica, neste caso, ela não conseguiu melhorar o IDRN, sugerindo que ela não tem impacto na descarga dos músculos respiratórios. Por outro lado, foi demonstrado que a VNI descarrega os músculos respiratórios, reduzindo assim o trabalho respiratório.(5) Essa é a provável explicação para a melhora da respiração após o início da VNI neste paciente.
MENSAGEM CLÍNICA A avaliação do drive respiratório neural pode ser uma ferramenta útil na prática clínica. Intervenções não farmacológicas em conjunto com terapia farmacológica padrão podem diminuir o drive respiratório neural e melhorar os sintomas em pacientes com doença respiratória crônica em estágio terminal. Os clínicos devem considerar o uso de VNI diurna e CNAF em pacientes com falta de ar refratária, tirando partido de seu impacto positivo no drive respiratório neural em repouso.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES Cada autor contribuiu igualmente para a concepção e desenho do estudo, a coleta, análise e síntese dos dados e a redação do manuscrito.
CONFLITOS DE INTERESSENenhum declarado.
REFERÊNCIAS 1. Murphy PB, Kumar A, Reilly C, Jolley C, Walterspacher S, Fedele F, et al. Neural respiratory drive as a physiological biomarker to monitor change during acute exacerbations of COPD. Thorax. 2011;66(7):602-608. https://doi.org/10.1136/thx.2010.151332
2. MacBean V, Hughes C, Nicol G, Reilly CC, Rafferty GF. Measurement of neural respiratory drive via parasternal intercostal electromyography in healthy adult subjects. Physiol Meas. 2016;37(11):2050-2063. https://doi.org/10.1088/0967-3334/37/11/2050
3. D’Cruz RF, Hart N, Kaltsakas G. High-flow therapy: physiological effects and clinical applications. Breathe (Sheff). 2020;16(4):200224. https://doi.org/10.1183/20734735.0224-2020
4. Jolley CJ, Luo YM, Steier J, Rafferty GF, Polkey MI, Moxham J. Neural respiratory drive and breathlessness in COPD. Eur Respir J. 2015;45(2):355-364. https://doi.org/10.1183/09031936.00063014
5. Khilnani GC, Banga A. Noninvasive ventilation in patients with chronic obstructive airway disease. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis. 2008;3(3):351-357. https://doi.org/10.2147/copd.s946