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Cartas ao Editor

Complicações pulmonares após transplante de células-tronco hematopoéticas em crianças: uma avaliação funcional e tomográfica

Pulmonary complications after hematopoietic stem cell transplantation in children: a functional and tomographic evaluation

Débora Carla Chong-Silva1, Pollyana Moreira Schneider1, Tyane de Almeida Pinto Jardim2, Samantha Nichele3, Gisele Loth3, Carlos Antônio Riedi1, Herberto José Chong Neto1, Carmen Maria Sales Bonfim3, Nelson Augusto Rosário Filho1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220134

AO EDITOR,
 
O transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) é o tratamento de escolha para doenças neoplásicas e não neoplásicas em crianças,(1,2) e, apesar dos cuidados avançados de suporte e tratamentos específicos, complicações pulmonares ainda ocorrem em uma grande proporção de todos os receptores de células-tronco hematopoiéticas, sendo responsável por considerável morbidade e mortalidade.(1,2,4)
 
Etiologicamente, essas complicações podem ser classificadas de acordo com o tempo decorrido desde o transplante. Na fase pré-enxerto (primeiros 30 dias após o procedimento), complicações não infecciosas e pneumonia fúngica são mais comuns. Na fase inicial (primeiros 100 dias), as infecções virais são frequentes, principalmente pelo citomegalovírus, embora também possam ser observadas complicações não infecciosas, como edema pulmonar e a síndrome da pneumonia idiopática. Já na fase tardia (após os primeiros 100 dias), as principais complicações estão associadas às doenças do enxerto contra o hospedeiro (DECH) crônicas, como bronquiolite obliterante (BO) e BO com pneumonia em organização.(1-4)
 
Testes de função pulmonar (TFPs) podem ajudar a identificar o nível de deterioração no período pós-TCTH.(7) Embora a tomografia computadorizada (TC) seja o método de escolha para detectar anormalidades pulmonares, os achados tomográficos geralmente são inespecíficos e requerem correlações temporais baseadas no estado imune do paciente.(5,6,8)
 
Foi realizada uma revisão retrospectiva de todos os pacientes menores de 14 anos que receberam TCTH em um centro de referência no período de 2013 a 2017, independentemente das doenças subjacentes que motivaram a indicação do transplante. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do CHC-UFPR, sob protocolo númeroCAAE: 87629118.3.0000.00.


 
Cento e sessenta e um pacientes foram transplantados no período analisado e tiveram seus prontuários examinados. Cento e seis pacientes (65,8%) eram do sexo masculino, com média de idade de 7,9 ± 4 anos. Além disso, 143 (88,8%) receberam um único transplante, 14 (8,7%) receberam dois transplantes e 4 (2,5%) receberam três transplantes. Entre os 143 pacientes transplantados únicos, 92 (57,1%) tinham doadores não aparentados.
 
Após o TCTH, 44 (27,3%) pacientes apresentaram 69 eventos de complicação pulmonar. Destes, 26 pacientes (59,1%) tiveram uma complicação pulmonar, 13 (29,5%) duas, 3 (6,8%) três e 2 (4,5%) quatro.
 
O TFP pós-transplante foi realizado em 79 (49,1%) crianças, 35 (44,3%) das quais tiveram alterações funcionais identificadas no acompanhamento clínico. Distúrbios ventilatórios inespecíficos foram encontrados em 52 (65,7%) pacientes, enquanto 20 (25,7%) apresentavam distúrbios ventilatórios obstrutivos leves, 2,9% apresentavam distúrbios ventilatórios obstrutivos graves e 5,7% confirmaram distúrbios ventilatórios restritivos.
 
A TC de tórax foi realizada em 75 (46,6%) pacientes no acompanhamento pós-transplante, dos quais 61 (81,3%) apresentavam anormalidades. Os achados e frequências foram nódulos em 52,5% dos casos; atelectasia em 34,4%; opacificação em vidro fosco em 34,3%; padrões de atenuação em mosaico em 27,9%; nódulos de halo em vidro fosco em 23%; espessamento e consolidação brônquica, ambos em 16,4%; linfonodo/linfadenomegalia em 14,8%; padrão de árvore em brotamento em 11,5% e outros achados (derrame pleural, espessamento de septos interlobulares e bronquiectasias) em 50,8%.
 
Doença pulmonar crônica foi observada em seis (3,7%) pacientes, três com diagnóstico de doença pulmonar veno-oclusiva e três com bronquiolite obliterante (BO).
 
O óbito ocorreu em 31 (19,3%) casos. A causa foi predominantemente pulmonar em nove (29%) dos óbitos, incluindo aspergilose invasiva em três (33,3%), pneumonite por citomegalovírus em três (33,3%), pneumonia herpética em um (11,1%), pneumonite por aspergilose e citomegalovírus em um (11,1%) e insuficiência respiratória indefinida em um (11,1%).
 
Não foram observadas diferenças significantes quanto à idade, sexo ou tipo de doador entre os pacientes que desenvolveram complicações pulmonares após o TCTH. Uma associação significante quanto à presença de complicações pulmonares foi observada naqueles submetidos a mais de um transplante (p=0,009).
 
Não foram encontradas associações significantes entre a ocorrência de doença pulmonar crônica (doença pulmonar veno-oclusiva ou BO) e as variáveis analisadas (idade, sexo, tipo de doador e número de transplantes).
 
Este estudo teve como objetivo descrever as principais complicações pulmonares pós-transplante em crianças, analisando as características dos pacientes e os possíveis fatores associados à ocorrência de tais complicações.
 
As infecções virais e fúngicas foram os agentes causadores mais prevalentes, contrariando outros estudos(2-4,9) em que as infecções bacterianas foram as mais comuns. Tal divergência pode estar relacionada ao grande número de transplantes autólogos em outros estudos; nosso estudo incluiu apenas transplantes alogênicos, onde as infecções oportunistas são mais comuns devido à terapia imunossupressora prolongada.
 
Quanto às complicações pós-TCTH não infecciosas, o edema pulmonar não cardiogênico também foi prevalente. Geralmente, essa condição pode estar relacionada à toxicidade pulmonar induzida por drogas, sepse, aspiração, transfusão de hemoderivados, DECH aguda ou cardiopatia após irradiação corporal total.(1,2,4)
 
Alterações na função pulmonar foram observadas em aproximadamente metade dos pacientes submetidos à espirometria, sendo o distúrbio ventilatório inespecífico (DVI) o principal achado. Os resultados espirométricos variam em crianças transplantadas. Srinivasan et al. (2017) relataram que o distúrbio obstrutivo foi o achado primário (43%), seguido por função pulmonar restritiva (25%), mista (5%) e normal (27%) em crianças com mediana de 5 anos pós-TCTH.(10) Jung et al. (2021) mostraram que alterações no VEF1 nos primeiros 3 meses após o diagnóstico de BO impactaram desfechos como óbito e transplante de pulmão, indicando a necessidade de monitoramento e intervenções mais precoces para alterar os indicadores de sobrevida.(7)        
 
As alterações tomográficas de tórax encontradas foram destacadas em revisões anteriores, principalmente consolidação do espaço aéreo, atenuação em vidro fosco e nódulos.(8,9) Esses achados são marcadores para o diagnóstico diferencial de doenças pulmonares, algumas das quais são típicas de cenários clínicos específicos.(8,9)
 
Doença pulmonar veno-oclusiva e BO foram diagnosticadas em 1,8% dos pacientes deste estudo. Caracterizada por um comprometimento das pequenas vias aéreas, a BO é descrita como uma síndrome pulmonar não infecciosa tardia primária após TCTH alogênico que geralmente se apresenta após os primeiros 100 dias após o TCTH.(1-3) Esta condição é mais descrita após esquemas mieloablativos convencionais e regimes preparativos à base de bussulfano.(1-4,9) Uma limitação do presente estudo foi a falta de coleta de dados pré-HSTC; tais informações provavelmente explicariam os resultados. Outros fatores de risco conhecidos para BO incluem uma relação VEF1/CVF basal mais baixa, etnias não caucasianas, níveis circulantes de imunoglobulina G mais baixos, condicionamento com bussulfano, doadores não aparentados e doadores do sexo feminino.(1,2,4,9)
 
Esta revisão ilustra o tamanho do problema, em que complicações pulmonares ocorreram em 27,3% dos pacientes e óbito em 19,3% dos casos em crianças transplantadas no centro de referência.
 
As complicações pulmonares após o TCTH em crianças são causas relevantes de morbidade e mortalidade nesse grupo de pacientes. Conhecer os principais eventos, o perfil do paciente e os fatores envolvidos constituem o primeiro passo para traçar estratégias de prevenção e manejo dessas complicações.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
DCC: conceptualização (Principal), curadoria de dados (Principal), análise formal (Principal), investigação (Principal), metodologia (Principal), administração do projeto (Principal), supervisão (Principal), redação-versão original (Principal), redação-revisão e edição (Principal). PMS: curadoria de dados (Principal), análise formal (Principal), investigação (Principal), metodologia (Principal), administração do projeto (Principal), redação-versão original (Principal). TAPJ: curadoria de dados (Suporte), metodologia (Suporte). SN: análise formal (Suporte), metodologia (Suporte). GL: análise formal (Suporte), metodologia (Suporte). CAR: curadoria de dados (Suporte), análise formal (Suporte), metodologia (Suporte), redação-revisão e edição (Principal). HJCN: curadoria de dados (Suporte), análise formal (Suporte), metodologia (Suporte), redação-revisão e edição (Principal). CMSB: curadoria de dados (Suporte), metodologia (Suporte), administração do projeto (Suporte), redação-revisão e edição (Principal). NARF: curadoria de dados (Principal), análise formal (Principal), metodologia (Principal), supervisão (Principal), redação-revisão e edição (Principal).
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Tamburro RF, Cooke KR, Davies SM, Goldfarb S, Hagood JS, Srinivasan A, et al. Pulmonary Complications of Pediatric Hematopoietic Cell Transplantation. A National Institutes of Health Workshop Summary. Ann Am Thorac Soc. 2021 Mar;18(3):381-394. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.202001-006OT.
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3.            Shanthikumar S, Gower WA, Abts M, Liptzin DR, Fiorino EK, Stone A, et al. Pulmonary surveillance in pediatric hematopoietic stem cell transplant: A multinational multidisciplinary survey. Cancer Rep (Hoboken). 2022 May;5(5):e1501. https://doi.org/10.1002/cnr2.1501.
4.            Shiari A, Nassar M, Soubani AO. Major pulmonary complications following Hematopoietic stem cell transplantation: What the pulmonologist needs to know. Respir Med. 2021 Aug-Sep;185:106493. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2021.106493.
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