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ISSN (on-line): 1806-3756

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Editorial

Mesotelioma maligno: alerta e atenção nos serviços de saúde

Malignant mesothelioma: health care awareness and preparedness

Eduardo Mello De Capitani1, Eduardo Algranti2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220349

 
O mesotelioma maligno (MM) é um câncer raro. O mesotelioma pleural maligno (MPM) é o câncer primário de pleura de maior prevalência.(1) O MM é considerado o principal marcador da exposição ao asbesto ou amianto em uma sociedade. Assim como nas doenças raras, o reconhecimento do MM é muito dependente de sua incidência regional e do conhecimento do médico assistente. Um estudo recente que vinculou bases de dados de saúde pública brasileiras entre 1996 e 2017 recuperou 2.405 registros de MM como causa básica ou contribuinte de morte, correspondendo grosseiramente a 200 óbitos por ano.(2)
 
Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Gregorio et al.(3) descrevem retrospectivamente o tempo decorrido desde o início dos sintomas iniciais até o óbito em 66 pacientes (52 homens e 14 mulheres) com MPM. Os autores criativamente dividiram as análises em quatro etapas distintas: 1. a partir dos sintomas iniciais até o encaminhamento para um serviço especializado; 2. durante a investigação diagnóstica; 3. durante o estadiamento do tumor e opções de tratamento; e 4. do tratamento ao óbito. Ao dividir as análises em períodos, conseguiram identificar e discutir as barreiras diagnósticas em algumas das etapas.
 
Em primeiro lugar, os autores mostraram que em apenas 27/66 (41%) dos casos se obteve uma história de exposição ao asbesto.(3) Em segundo lugar, a mediana de tempo desde o início dos sintomas até o encaminhamento para um serviço especializado foi de 6,5 meses. Após iniciar a investigação diagnóstica especializada, a mediana de tempo para definição histopatológica, estadiamento da doença e início do tratamento foi de 3,2 meses. Finalmente, menos de 11 meses decorreram desde o início do tratamento até o óbito.
 
A importância de se recuperar o histórico de exposição ao asbesto é destacada pelo tempo significativamente menor de encaminhamento desses pacientes para um serviço especializado, em comparação com aqueles sem histórico de exposição ao asbesto (231,5 vs. 419,5 dias).(3) Parece certo que um histórico de exposição ocupacional ou não ocupacional ao asbesto não foi obtida de forma adequada, ou mesmo foi ignorada, uma vez que a maioria dos profissionais de saúde não está familiarizada com esse dado. Mesmo quando obtido corretamente, o histórico ocupacional pode ser falho pelo viés de memória do paciente em relação a exposições passadas, pois o MPM caracteristicamente aparece 30-50 anos após o início da exposição,(4) mesmo após exposições breves. Essa lacuna de informações deve melhorar com a atual criação de um banco de dados nacional com todos os trabalhadores expostos ao asbesto, incluindo históricos ocupacionais individuais. O acesso a esse banco de dados (DATAMIANTO) será potencialmente concedido a qualquer unidade de saúde especializada do país.(5) Assim, qualquer doença pleural difusa ou derrame pleural diagnosticado em um paciente com registro nesse banco de dados pode ser considerado como suspeita de MPM, por tratar-se de um exposto ao asbesto. Informações sobre a exposição doméstica ao asbesto devido à exposição ocupacional de um membro da família também podem ser recuperadas. Sabe-se que os membros da família que moram no mesmo domicílio podem ser expostos a quantidades consideráveis de asbesto trazidas em roupas de trabalho. As exposições para-ocupacionais (ou seja, não trabalhar diretamente com asbesto, mas em locais de trabalho onde o asbesto é manipulado) e ambientais ao asbesto (por exemplo, viver em torno de minas de asbesto ou fábricas de fibrocimento, bem como outras situações menos evidentes) continuarão a ser uma questão de difícil solução.
 
A demora no encaminhamento dos casos de MPM para um serviço especializado deveu-se principalmente à ausência de suspeita de MPM e à realização de muitos procedimentos não diagnósticos, como drenagem de líquido pleural para alívio dos sintomas.(3) Apenas 27 (40,9%) desses pacientes foram submetidos a biópsias pleurais antes do encaminhamento; desses, um quarto teve resultados falso-negativos. Por falta de diagnóstico prévio, material de biópsia insuficiente ou resultados negativos, 40 pacientes foram biopsiados na unidade especializada. Desses, 9 (22,5%) tiveram resultados falso-negativos (8 por biópsia por agulha e 1 por biópsia cirúrgica), levando-os a novos procedimentos.(3) Esses achados reforçam a necessidade do uso da videotoracoscopia para a obtenção de amostras adequadas de tecido pleural para exames histopatológicos e imuno-histoquímicos, desencorajando a realização de biópsias pleurais às cegas, que apresentam menor sensibilidade e especificidade. Essa recomendação foi destacada nas recentes diretrizes sobre o diagnóstico e manejo de MM e MPM.(6-10)
 
Tratando-se de uma neoplasia clinicamente devastadora, a mediana observada de 9,7 meses desde o início dos sintomas até o início do tratamento específico pode ser considerada um atraso excessivo,(3) embora esteja em consonância com outras séries em países desenvolvidos.(6-8) No entanto, vários estudos mostraram um tempo de sobrevida significativo em pacientes tratados em estágios iniciais, quando o status clínico ainda é satisfatório.(7,8,11)
 
Apesar de ser um estudo descritivo retrospectivo,(3) o número expressivo de casos de MPM nos traz informações importantes que esclarecem a necessidade de conscientização da possibilidade diagnóstica e da utilização de normas orientadoras quanto aos procedimentos diagnósticos pelos profissionais médicos. Como a produção e o consumo de asbesto no Brasil atingiram seu pico no final dos anos 1980, devemos estar no início de um aumento na incidência de MM e MPM.(12)
 
CONFLITOS DE INTERESSES
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Karpathiou G, Stefanou D, Froudarakis ME. Pleural neoplastic pathology. Respir Med. 2015;109(8):931-943. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2015.05.014
2.            Algranti E, Santana VS, Campos F, Salvi L, Saito CA, Cavalcante F, et al. Analysis of Mortality from Asbestos-Related Diseases in Brazil Using Multiple Health Information Systems, 1996-2017. Saf Health Work. 2022;13(3):302-307. https://doi.org/10.1016/j.shaw.2022.04.006
3.            Gregório PHP, Terra RM, Lima LP, Pêgo-Fernandes PM. Mesothelioma in a developing country: a retrospective analysis of the diagnostic process. J Bras Pneumol. 2022;48(5):e20220064. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20220064
4.            Hoda MA, Klikovits T, Arns M, Dieckmann K, Zöchbauer-Müller S, Geltner C, et al. Management of malignant pleural mesothelioma-part 2: therapeutic approaches : Consensus of the Austrian Mesothelioma Interest Group (AMIG). Wien Klin Wochenschr. 2016;128(17-18):618-626. https://doi.org/10.1007/s00508-016-1036-3
5.            Brasil. Ministério da Saúde. Serviço Único de Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: o Ministério [cited 2022 ]. DATAMIANTO: Sistema Brasileiro de Monitorização de Trabalhadores Expostos ao Amianto. Available from: https://datatox-amianto.aids.gov.br/datatox-amianto/login
6.            Woolhouse I, Bishop L, Darlison L, De Fonseka D, Edey A, Edwards J, et al. British Thoracic Society Guideline for the investigation and management of malignant pleural mesothelioma. Thorax. 2018;73(Suppl 1):i1-i30. https://doi.org/10.1136/thoraxjnl-2017-211321
7.            Geltner C, Errhalt P, Baumgartner B, Ambrosch G, Machan B, Eckmayr J, et al. Management of malignant pleural mesothelioma - part 1: epidemiology, diagnosis, and staging : Consensus of the Austrian Mesothelioma Interest Group (AMIG). Wien Klin Wochenschr. 2016;128(17-18):611-617. https://doi.org/10.1007/s00508-016-1080-z
8.            Novello S, Pinto C, Torri V, Porcu L, Di Maio M, Tiseo M, et al. The Third Italian Consensus Conference for Malignant Pleural Mesothelioma: State of the art and recommendations. Crit Rev Oncol Hematol. 2016;104:9-20. https://doi.org/10.1016/j.critrevonc.2016.05.004
9.            Baas P, Fennell D, Kerr KM, Van Schil PE, Haas RL, Peters S, et al. Malignant pleural mesothelioma: ESMO Clinical Practice Guidelines for diagnosis, treatment and follow-up. Ann Oncol. 2015;26 Suppl 5:v31-v39. https://doi.org/10.1093/annonc/mdv199
10.          Comissão Nacional de Tecnologia do Sistema Único de Saúde (CONITEC). Relatório de Recomendação n. 542. Diretrizes Brasileiras para Diagnóstico do Mesotelioma Maligno de Pleura. Brasilia, DF: Ministério da Saúde; 2020.
11.          Ettinger DS, Wood DE, Akerley W, Bazhenova LA, Borghaei H, Camidge DR, et al. NCCN Guidelines Insights: Malignant Pleural Mesothelioma, Version 3.2016. J Natl Compr Canc Netw. 2016;14(7):825-836. https://doi.org/10.6004/jnccn.2016.0087
12.          Algranti E, Saito CA, Carneiro AP, Moreira B, Mendonça EM, Bussacos MA. The next mesothelioma wave: mortality trends and forecast to 2030 in Brazil. Cancer Epidemi-ol. 2015;39(5):687-692. https://doi.org/10.1016/j.canep.2015.08.007

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