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Editorial

O desafio da COVID-19. O que aprendemos?

The COVID-19 challenge. What have we learned?

Adrian Ceccato1,2,3, Carlos M Luna4, Antonio Artigas1,2,5

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220361

Desde que a COVID-19 (a doença causada pelo SARS-CoV-2) surgiu em dezembro de 2019 na China e se tornou uma pandemia em março de 2020, os sistemas de saúde de todos os países tiveram o desafio de lidar com a doença. Condições específicas nos países latino-americanos, como deficiências prévias nos sistemas de saúde, problemas financeiros, complexidades na geografia e na infraestrutura da região e o surgimento de novas variantes (gama e lambda), dificultaram o combate à pandemia.
 
Os dados coletados e os estudos realizados durante a pandemia foram importantes para investigar o desempenho dos sistemas de saúde, avaliando seus pontos fortes e limitações.
 
Ranzani et al.(1) analisaram uma grande coorte de pacientes hospitalizados por COVID-19 durante os primeiros meses da pandemia no Brasil e constataram que a mortalidade foi alta e que as diferenças entre as regiões foram notáveis. A mortalidade geral intra-hospitalar foi de 38%, enquanto a mortalidade em UTI foi de 59%. Embora as taxas de mortalidade fossem comparáveis às de outros países, pacientes mais jovens foram incluídos nessa coorte.
 
Estão disponíveis dados de outros países. No México, a taxa de mortalidade relatada em agosto de 2020 em pacientes em ventilação mecânica invasiva foi extremamente alta (73,7%).(2) No entanto, outros relatos provenientes de países latino-americanos mostraram taxas de mortalidade comparáveis às de países de alta renda. Reyes et al.(3) observaram, em uma coorte internacional com pacientes de oito países latino-americanos, uma taxa de mortalidade hospitalar de 35%.
 
Muitos países tiveram que abrir novos leitos com acesso a ventiladores mecânicos em unidades de alta dependência de cuidados ou aumentar o número de leitos em UTI. Controvérsias sobre o aumento da mortalidade foram observadas nessas unidades ou em períodos de alta demanda,(4,5) ressaltando a importância de pessoal qualificado e de recursos adequados.
 
Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Ramos et al.(6) relataram dados obtidos em três UTIs em São Paulo (SP) durante a primeira onda pandêmica. Dos 645 pacientes incluídos, cerca de 10% adquiriram a doença no hospital. Aproximadamente 55% necessitaram de ventilação mecânica invasiva, 35% necessitaram de terapia renal substitutiva, e 52,2% receberam terapia vasopressora. A mortalidade intra-hospitalar foi alta, chegando a 42,4%, principalmente naqueles pacientes que necessitaram de suporte de órgãos. Ao contrário de outras coortes, choque séptico e disfunção de múltiplos órgãos foram as causas mais comuns de óbitos.(6)
 
Curiosamente, a presença de complicações, incluindo insuficiência hepática, arritmias, isquemia em mãos/pés, hemorragia e infecções associadas aos cuidados de saúde, foram independentemente relacionadas a menores taxas de sobrevida. Infecções relacionadas à assistência à saúde têm sido relatadas como altas em pacientes com COVID-19, assim como a mortalidade associada a essas infecções.(7,8) Não se sabe por que a ocorrência de infecções secundárias aumentou; no entanto, a tolerância imunológica em pacientes críticos/sépticos, o uso de corticosteroides e o sistema de saúde sobrecarregado durante a pandemia podem estar relacionados. De acordo com o estudo,(6) apenas 46,8% dos pacientes receberam corticosteroides. No início da pandemia, em março de 2020, um estudo observacional mostrou que a metilprednisolona estava associada a menor mortalidade(9) em pacientes com SDRA; no entanto, corticosteroides não eram recomendados devido a preocupações levantadas pela experiência com outras doenças virais, como influenza ou síndrome respiratória do Oriente Médio. Rapidamente, vários estudos avaliaram a eficácia/efetividade dos corticosteroides em pacientes com COVID-19, sendo o estudo denominado RECOVERY(10) o primeiro a ser publicado, mostrando redução do risco de morte apenas naqueles pacientes que necessitaram de oxigênio suplementar. Os corticosteroides são baratos e amplamente disponíveis, embora não sejam isentos de risco. Os corticosteroides têm sido associados a um risco aumentado de infecções secundárias, principalmente pneumonia nosocomial.(11) Outros estudos são necessários para esclarecer quais fenótipos podem se beneficiar do uso de corticosteroides e quais devem evitar o uso desses medicamentos, pois os riscos podem ultrapassar os benefícios. No entanto, vários medicamentos foram prescritos na fase inicial da pandemia sem uma evidência clara de benefício. Os dados foram extrapolados de estudos in vitro ou da experiência recolhida com a primeira ARDS. Ramos et al.(6) relataram que mais de 40% dos pacientes foram expostos a medicamentos com baixo nível de evidência (ou mesmo nenhum) que apoiasse seu uso. Além disso, o oseltamivir, um antiviral recomendado para influenza, foi associado a um risco aumentado de morte nessa população.
 
Em resumo, a pandemia de COVID-19 proporcionou várias lições. Em primeiro lugar, as doenças infecciosas são uma ameaça constante e os governos devem investir em pesquisas para estarem preparados para combatê-las. Em segundo lugar, embora o sistema de saúde tenha demonstrado capacidade de aumentar o número de leitos para pacientes graves, a falta de disponibilidade de pessoal treinado para dar suporte a pacientes graves/críticos é um problema ainda sem solução. Em terceiro lugar, a prescrição de medicamentos off-label pode ter aumentado o risco de danos sem um benefício claro e, portanto, os médicos devem agir seguindo recomendações baseadas em evidências. Além disso, os sobreviventes de COVID-19 podem apresentar sequelas pulmonares graves e outras morbidades. Por fim, temos que destacar a rápida resposta da comunidade de pesquisa à pandemia, baseada em estudos colaborativos básicos, observacionais e interventivos. A aplicação de novas tecnologias e conhecimentos permitiu o desenvolvimento de novas vacinas em pouco tempo, mudando o rumo da pandemia.
 
Não está claro se a pandemia de COVID-19 está prestes a terminar; no entanto, devemos continuar aprendendo com essas experiências, visando melhorar nossa prática clínica e estar prontos para futuras epidemias.
 
AGRADECIMENTOS
 
AC agradece o recebimento de apoio financeiro do Instituto de Salud Carlos III (ISCIII; Sara Borrell 2021: CD21/00087).
 
CONFLITOS DE INTERESSES
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250,000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med. 2021;9(4):407-418. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30560-9
2.            Ñamendys-Silva SA, Gutiérrez-Villaseñor A, Romero-González JP. Hospital mortality in mechanically ventilated COVID-19 patients in Mexico. Intensive Care Med. 2020;46(11):2086-2088. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06256-3
3.            Reyes LF, Bastidas A, Narváez PO, Parra-Tanoux D, Fuentes YV, Serrano-Mayorga CC, et al. Clinical characteristics, systemic complications, and in-hospital outcomes for patients with COVID-19 in Latin America. LIVEN-Covid-19 study: A prospective, multicenter, multinational, cohort study. PLoS One. 2022;17(3):e0265529. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0265529
4.            Ohbe H, Sasabuchi Y, Iwagami M, Ogura T, Ono S, Matsui H, et al. Intensive Care Unit versus High-Dependency Care Unit for COVID-19 Patients with Invasive Mechanical Ventilation [published online ahead of print, 2022 Aug 19]. Ann Am Thorac Soc. 2022;10.1513/AnnalsATS.202206-475OC. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.202206-475OC
5.            Bravata DM, Perkins AJ, Myers LJ, Arling G, Zhang Y, Zillich AJ, et al. Association of Intensive Care Unit Patient Load and Demand With Mortality Rates in US Department of Veterans Affairs Hospitals During the COVID-19 Pandemic. JAMA Netw Open. 2021;4(1):e2034266. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2020.34266
6.            Ramos FJS, Atallah FC, Souza MA, Ferreira EM, Machado FR, Freitas FGR. Determinants of death in critically ill COVID-19 patients during the first wave of COVID-19: a multicenter study in Brazil J Bras Pneumol. 2022;48(5):e20220083. https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20220083 https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20220083
7.            Rouzé A, Martin-Loeches I, Povoa P, Makris D, Artigas A, Bouchereau M, et al. Relationship between SARS-CoV-2 infection and the incidence of ventilator-associated lower respiratory tract infections: a European multicenter cohort study [published correction appears in Intensive Care Med. 2022 Apr;48(4):514-515]. Intensive Care Med. 2021;47(2):188-198. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06323-9
8.            Meynaar IA, van Rijn S, Ottens TH, van Burgel ND, van Nieuwkoop C. Increased risk of central line-associated bloodstream infection in COVID-19 patients associated with dexamethasone but not with interleukin antagonists. Intensive Care Med. 2022;48(7):954-957. https://doi.org/10.1007/s00134-022-06750-w
9.            Wu C, Chen X, Cai Y, Xia J, Zhou X, Xu S, et al. Risk Factors Associated With Acute Respiratory Distress Syndrome and Death in Patients With Coronavirus Disease 2019 Pneumonia in Wuhan, China [published correction appears in JAMA Intern Med. 2020 Jul 1;180(7):1031]. JAMA Intern Med. 2020;180(7):934-943. https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2020.0994
10.          RECOVERY Collaborative Group, Horby P, Lim WS, Emberson JR, Mafham M, Bell JL, et al. Dexamethasone in Hospitalized Patients with Covid-19. N Engl J Med. 2021;384(8):693-704. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2021436
11.          Torres A, Motos A, Cillóniz C, Ceccato A, Fernández-Barat L, Gabarrús A, et al. Major candidate variables to guide personalised treatment with steroids in critically ill pati-ents with COVID-19: CIBERESUCICOVID study. Intensive Care Med. 2022;48(7):850-864. https://doi.org/10.1007/s00134-022-06726-w

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