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Editorial

Obesidade e asma: o ovo, a galinha ou os dois?

Obesity and asthma: the egg, the chicken, or both?

Kozeta Miliku1,2, Theo J Moraes3, Padmaja Subbarao2,3,4

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220441

 
O aumento simultâneo das epidemias de asma e obesidade infantis levando a um fenótipo combinado(1,2) tem estimulado pesquisas que tentam responder o que vem primeiro: a obesidade ou a asma. A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas que se caracteriza por episódios de sibilância, falta de ar e aperto no peito, enquanto a obesidade, também uma doença inflamatória, é caracterizada pelo excesso de gordura corporal. Em parte devido à complexidade dessas condições, prever com precisão o que vem primeiro ou se as duas condições se desenvolvem em conjunto continua sendo um desafio. Idealmente, para ajudar a definir o ovo ou a galinha, avaliações detalhadas sobre obesidade (por exemplo, medidas que refletem o crescimento ou a composição e a distribuição de gordura) e sobre fenótipos de asma (incluindo dados longitudinais de estudos de coorte de nascimento) são consideradas úteis.
 
Até agora, vários estudos tentaram resolver esse quebra-cabeça.(3-5) No entanto, muito desse trabalho tem sido observacional e transversal em seu design. Além disso, a definição de obesidade e asma não é consistente entre os estudos, dificultando a comparação de resultados e a obtenção de conclusões sólidas. Na literatura existente, o IMC, a espessura das dobras cutâneas, o peso/idade e o percentual de gordura corporal são frequentemente usados como marcadores de obesidade. No entanto, esses marcadores, apesar de serem semelhantes na superfície, podem representar diferentes processos fisiológicos e metabólicos subjacentes. Por exemplo, o peso/idade pode refletir uma métrica de crescimento (por exemplo, o peso ao nascer pode ser usado como um marcador de crescimento intrauterino). Por outro lado, o percentual de gordura corporal pode ser uma medida de obesidade ou pode representar um marcador de gatilho inflamatório. Além disso, reconhece-se que as diferenças na adiposidade regional (por exemplo, adiposidade visceral ou massa esquelética) podem ter mais relevância para a asma quando comparadas às medidas de adiposidade corporal total.(6) Há questões semelhantes na definição de asma. Embora seja claro que haja diferentes endótipos de asma, ela tem sido definida de forma inconsistente ao longo dos estudos. A maioria dos estudos define asma com base na presença de sibilância nos últimos 12 meses, e alguns requerem a presença de atopia ou o apoio de testes de função pulmonar ou usam um diagnóstico médico. A heterogeneidade acima dificulta uma compreensão clara da relação entre asma e obesidade.
 
Para aumentar a complexidade das definições, desenhos de estudo, populações e análises de dados também são fatores que muitas vezes contribuem para achados inconsistentes. Embora se saiba que há diferenças de sexo(7-9) e etnicidade(10) na prevalência de asma e de obesidade durante diferentes estágios de desenvolvimento (por exemplo, puberdade), as análises estratificadas por sexo e idade são frequentemente negligenciadas. Apesar da heterogeneidade em desenhos, populações e estratégias de análise, os dados sugerem uma associação entre asma e obesidade, duas das principais causas de doenças crônicas.
 
Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Weisshahn et al.(11) apresentaram dados da coorte longitudinal de nascimentos de 1993 da cidade de Pelotas (RS). Os autores estudaram obesidade (definida pelos pontos de corte do IMC) e asma (definida como sibilância nos últimos 12 meses). Eles usaram análises bidirecionais com exposições coletadas nas idades de 11, 15 e 18 anos e desfechos medidos na idade de 22 anos. No geral, observou-se uma associação bidirecional entre obesidade e asma, com maior probabilidade na direção asma-obesidade, especialmente em mulheres. Os autores consideraram várias covariáveis em suas análises (incluindo história parental de asma, peso ao nascer, idade gestacional ao nascer, tabagismo, atividade física, uso de corticosteroides, etc.) e especularam sobre mecanismos potenciais para explicar seus achados. Os autores também discutiram análises semelhantes publicadas anteriormente de sua coorte em uma idade mais jovem e revelaram que adolescentes obesos tinham maior probabilidade de sibilância. Embora os resultados de Weisshahn et al.(11) sejam muito intrigantes e incorporem informações à literatura existente, trabalhos futuros refinarão essas observações.
 
Especificamente, estudos que examinassem a associação obesidade-asma se beneficiariam de: a) dados longitudinais coletados desde o nascimento; b) fenótipos detalhados; c) um exame no início da vida para síndromes combinadas; d) amostras que definissem perfis/assinaturas inflamatórias; e) uso de abordagens de inteligência artificial e machine learning para definir trajetórias que levem tanto à asma/sibilância quanto à obesidade. O futuro parece promissor, pois estudos longitudinais de coorte de nascimento oferecem conjuntos de dados que auxiliarão a compreensão das trajetórias desde o início da vida e na evolução da asma e obesidade.(12,13)
 
Embora haja especulações e falta de respostas sobre mecanismos de como a obesidade e a asma estão ligadas, os dados do nosso denominado CHILD Cohort Study(14) sugerem que características de sibilância podem ser parcialmente relacionadas a pulmões menores como consequência de peso extra nas vias aéreas,(15) que ainda podem ser desencadeadas por inflamação ou ser um gatilho para inflamação. Esse último dado é uma suposição e demanda uma análise mais profunda dos marcadores inflamatórios agudos ou acumulados (por exemplo, PCR e GlycA). Será interessante entender se a inflamação aguda pode desencadear asma e obesidade simultaneamente ou se o acúmulo de inflamação desencadeia um deles primeiro. Empregar uma abordagem de curso da vida para identificar fatores de risco críticos e rotas que alterem a fisiologia de um indivíduo para aumentar os riscos de asma e obesidade acabará se traduzindo no desenvolvimento de intervenções precoces para promover a saúde ao longo da vida. Então, o que vem primeiro, obesidade ou asma? Por enquanto, podemos dizer os dois.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Reyes-Angel J, Kaviany P, Rastogi D, Forno E. Obesity-related asthma in children and adolescents. Lancet Child Adolesc Health. 2022;6(10):713-724. https://doi.org/10.1016/S2352-4642(22)00185-7
2.            Redd SC, Mokdad AH. Invited commentary: obesity and asthma--new perspectives, research needs, and implications for control programs. Am J Epidemiol. 2002;155(3):198-202. https://doi.org/10.1093/aje/155.3.198
3.            Chen Z, Salam MT, Alderete TL, Habre R, Bastain TM, Berhane K, et al. Effects of Childhood Asthma on the Development of Obesity among School-aged Children. Am J Respir Crit Care Med. 2017;195(9):1181-1188. https://doi.org/10.1164/rccm.201608-1691OC
4.            Gilliland FD, Berhane K, Islam T, McConnell R, Gauderman WJ, Gilliland SS, et al. Obesity and the risk of newly diagnosed asthma in school-age children. Am J Epidemiol. 2003;158(5):406-415. https://doi.org/10.1093/aje/kwg175
5.            von Mutius E, Schwartz J, Neas LM, Dockery D, Weiss ST. Relation of body mass index to asthma and atopy in children: the National Health and Nutrition Examination Study III. Thorax. 2001;56(11):835-838. https://doi.org/10.1136/thorax.56.11.835
6.            Mensink-Bout SM, Santos S, van Meel ER, Oei EHG, de Jongste JC, Jaddoe VWV, et al. General and Organ Fat Assessed by Magnetic Resonance Imaging and Respiratory Outcomes in Childhood. Am J Respir Crit Care Med. 2020;201(3):348-355. https://doi.org/10.1164/rccm.201905-0942OC
7.            Chen Y, Dales R, Tang M, Krewski D. Obesity may increase the incidence of asthma in women but not in men: longitudinal observations from the Canadian National Population Health Surveys. Am J Epidemiol. 2002;155(3):191-197. https://doi.org/10.1093/aje/155.3.191
8.            Camargo CA Jr, Weiss ST, Zhang S, Willett WC, Speizer FE. Prospective study of body mass index, weight change, and risk of adult-onset asthma in women. Arch Intern Med. 1999;159(21):2582-2588. https://doi.org/10.1001/archinte.159.21.2582
9.            Huang SL, Shiao G, Chou P. Association between body mass index and allergy in teenage girls in Taiwan. Clin Exp Allergy. 1999;29(3):323-329. https://doi.org/10.1046/j.1365-2222.1999.00455.x
10.          Moraes TJ, Sears MR, Subbarao P. Epidemiology of Asthma and Influence of Ethnicity. Semin Respir Crit Care Med. 2018;39(1):3-11. https://doi.org/10.1055/s-0037-1618568
11.          Weisshahn NK, Oliveira PD, Wehrmeister FC, Gonçalves H, Menezes AMB. The bidirectional association between wheezing and obesity during adolescence and the beginning of adulthood in the 1993 birth cohort, Pelotas, Brazil. J Bras Pneumol.2022;48(6):e20220222.
12.          Dai R, Miliku K, Gaddipati S, Choi J, Ambalavanan A, Tran MM, et al. Wheeze trajectories: Determinants and outcomes in the CHILD Cohort Study. J Allergy Clin Immunol. 2022;149(6):2153-2165. https://doi.org/10.1016/j.jaci.2021.10.039
13.          Reyna ME, Petersen C, Dai DLY, Dai R, Becker AB, Azad MB, et al. Longitudinal body mass index trajectories at preschool age: children with rapid growth have differential composition of the gut microbiota in the first year of life. Int J Obes (Lond). 2022;46(7):1351-1358. https://doi.org/10.1038/s41366-022-01117-z
14.          Subbarao P, Anand SS, Becker AB, Befus AD, Brauer M, Brook JR, et al. The Canadian Healthy Infant Longitudinal Development (CHILD) Study: examining developmental origins of allergy and asthma. Thorax. 2015;70(10):998-1000. https://doi.org/10.1136/thoraxjnl-2015-207246
15.          Miliku K, Reyna M, Rastogi D, Dai R, Becker A, Turvey SE, et al. Associations of Somatic Growth Patterns and Asthma Development: The CHILD Cohort Study. DOHaD WORLD CONGRESS 2022; 2022 Aug 27-31; Vancouver, Canada; 2022.
 

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