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Cartas ao Editor

Correlação entre o escore de Brody e função pulmonar usando um protocolo de TC de dose ultrabaixa de radiação sem anestesia em crianças com fibrose cística

Correlation between the Brody score and lung function using an ultra-low-dose CT protocol without anesthesia in children with cystic fibrosis

Suélen Camargo1, Frederico Friedrich2, Marina Puerari Pieta2, Luíza C. S. Martins2, Leonardo A. Pinto1,2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220085

 
AO EDITOR,
 
A Fibrose Cística (FC) é uma doença multissistêmica; no entanto, a extensão do comprometimento pulmonar é decisiva para o curso da doença e a sobrevida.(1,2) Os testes de função pulmonar são cruciais para avaliar a progressão e a gravidade da doença pulmonar.(2,3) Estudos têm mostrado que o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) também é um índice relevante na detecção precoce de exacerbações pulmonares, melhorando a sobrevida de pacientes com FC.(4)
 
A progressão da doença pulmonar na FC está associada a um declínio no VEF1.(2) Embora o parênquima pulmonar permaneça praticamente intacto durante grande parte do curso da doença, Brody et al. (2005) demonstraram que pacientes com VEF1 normal já apresentavam alterações estruturais na tomografia computadorizada (TC) de tórax.(5-7) 
 
Métodos precoces de previsão do envolvimento pulmonar em pacientes com FC são essenciais para direcionar o tratamento e prevenir a perda da função pulmonar e insuficiência respiratória. As TCs de tórax mostram achados que podem auxiliar na previsão da evolução da doença pulmonar, como a presença de bronquiectasias e alterações obstrutivas no parênquima pulmonar.(8) Além disso, a TC de tórax em crianças atualmente adota baixas doses de radiação, muitas vezes sem a necessidade de anestesia, o que implica maior facilidade na aquisição das imagens e menor exposição à radiação e possíveis complicações decorrentes da anestesia.
 
Para rastrear as alterações pulmonares antes que os sintomas clínicos se tornem aparentes, a avaliação de novas estratégias é essencial. A espirometria é usada para monitoramento, mas o VEF1 geralmente permanece normal em estágios avançados de doença pulmonar. Portanto, o objetivo do presente estudo foi de determinar a correlação entre o escore de Brody e a função pulmonar em indivíduos com FC.
 
Este estudo transversal retrospectivo incluiu todos os pacientes com FC com idade superior a cinco anos, com tomografia de tórax disponível, atendidos no ambulatório de FC do Serviço de Pneumologia do Hospital São Lucas (HSL) entre julho e novembro de 2020. Indivíduos em que o período entre o teste de função pulmonar e a TC de tórax foi superior a três meses foram excluídos.
 
O diagnóstico dos pacientes com FC foi confirmado de acordo com o CF Foundation Consensus Report.(1) Dados demográficos, clínicos e informações sobre mutações genéticas (leve - classes III a VI e grave - classes I e II) e função pulmonar (%VEF1 prevista) foram coletados de prontuários físicos e eletrônicos. O teste de espirometria foi realizado de acordo com as recomendações da American Thoracic Society e da European Respiratory Society.
 
O escore de Brody foi avaliado por TC de tórax com dose ultrabaixa de radiação, sem anestesia. TCs foram obtidas em todos os pacientes em decúbito dorsal, tanto na fase expiratória quanto na inspiratória, desde o ápice pulmonar até abaixo dos ângulos costofrênicos. A TC de tórax foi realizada com um scanner multislice CT 16 (LightSpeed VCT; GE Healthcare, Milwaukee, WI, EUA) de acordo com o seguinte protocolo: colimação de 1,25 mm, rotação de Gantry de 0,5 s, 80 kV e 30 mAs; sem anestesia.(9) O escore de Brody é calculado com base em quatro parâmetros: diâmetro e extensão da bronquiectasia, espessamento da parede peribrônquica, aprisionamento de ar e extensão do comprometimento do parênquima pulmonar.(10)
 
Todas as análises estatísticas foram realizadas com o software Statistical Package for the Social Sciences, versão 20.0, para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As variáveis categóricas foram descritas como absolutas e relativas, enquanto as variáveis contínuas, como mediana e intervalo interquartil. As variáveis categóricas foram analisadas por meio do teste qui-quadrado. O coeficiente de correlação de Spearman foi calculado para avaliar a associação do comprometimento pulmonar pelo escore de Brody e VEF1. Valores-p abaixo de 0,05 foram considerados significantes. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil (CAAE no 49692115.7.0000.5336).
 
Um total de 25 pacientes foram incluídos, com idade mediana de 7 anos [intervalo interquartil: 5,1 – 15,1]; houve predomínio do sexo masculino (n = 15; 60%). Dez (40%) eram homozigotos para F508del, 10 (40%) eram heterozigotos para F508del e cinco (20%) eram portadores de outras mutações CFTR. A mediana da %VEF1 prevista foi de 81 [54,5 - 105,0], e 19 (76%) indivíduos apresentaram bronquiectasias na TC de tórax.
 
Foi observada uma correlação positiva moderada entre o escore de Brody e idade (r = 0,42, p = 0,034), enquanto uma correlação negativa foi observada entre o VEF1 e idade (r = -0,57, p = 0,006), indicando que a gravidade do escore de Brody está associado à progressão da doença pulmonar ao longo dos anos.
 
A Figura 1 mostra a correlação entre o escore de Brody e o VEF1, ajustado por idade (r = -0,582, p = 0,006). Cinco (31,2%) pacientes com 12 anos ou menos apresentaram escores de Brody acima de 50, mostrando alterações pulmonares precoces e relevantes pela TC de tórax. Em contraste, nenhum dos pacientes com idade igual ou inferior a 12 anos apresentou alteração significante na %VEF1 prevista (escore de Brody vs. VEF1, p = 0,016).
 

  

 
Nossos achados evidenciaram altos escores de Brody em pacientes jovens que ainda não apresentavam função pulmonar reduzida, destacando a importância de intervenções precoces para minimizar danos futuros. Além disso, a amostra apresentou uma alta prevalência de bronquiectasias na infância e adolescência. Uma correlação significante entre o escore de Brody e o VEF1, ajustado por idade, foi encontrada neste estudo. Ademais, cinco pacientes com função pulmonar preservada já apresentavam comprometimento pulmonar quando avaliados pelo escore de Brody, realizado por TC de tórax. Esses achados são relevantes, principalmente na idade pré-escolar, quando a criança não consegue realizar a espirometria. 
 
Achados importantes de doença pulmonar na TC de tórax estavam presentes em pacientes com FC com doença leve a moderada, de acordo com os parâmetros do VEF1. Embora a bronquiectasia estivesse presente na maioria das tomografias, em apenas metade dos casos (20%) o escore de Brody estava acima de 50, um sinal de doença pulmonar avançada.
 
Este estudo apresentou algumas limitações. Em primeiro lugar, trata-se de um estudo transversal retrospectivo. Em segundo lugar, foi realizado em um pequeno tamanho amostral; e terceiro, foi realizado em um único centro. No entanto, apenas alguns estudos exploraram o uso do escore de Brody em TCs de tórax em dose ultrabaixa sem anestesia para a avaliação precoce do envolvimento pulmonar em crianças com fibrose cística. O escore de Brody medido pela TC de tórax trouxe vantagens, como a detecção precoce de comprometimento pulmonar. Esse escore é um método simples que pode ser realizado sem anestesia, usando uma dose ultrabaixa de radiação de TC, que é mais segura e eficaz.   
 
Em conclusão, o presente estudo mostrou uma correlação positiva entre o escore de Brody e função pulmonar em indivíduos com FC. Além disso, esses resultados indicam que a TC de tórax poderia auxiliar na avaliação e detecção de alterações estruturais precoces relacionadas à progressão da doença pulmonar. No entanto, mais estudos com tamanhos amostrais maiores são necessários para elucidar o potencial da TC de tórax como um detector precoce de doença pulmonar. 
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
SC: concepção do estudo, metodologia, visualização, redação do rascunho original, revisão e edição. FF e LAP: concepção do estudo, metodologia, visualização, revisão e edição. MPP e LCSM: metodologia do estudo, visualização, revisão e edição. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito para publicação.   
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Farrell PM, White TB, Ren CL, Hempstead SE, Accurso F, Derichs N, et al. Diagnosis of Cystic Fibrosis: Consensus Guidelines from the Cystic Fibrosis Foundation. J Pediatr. 2017;181S:S4-S15.e1. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2016.09.064.
2.            Kapnadak SG, Dimango E, Hadjiliadis D, Hempstead SE, Tallarico E, Pilewski JM, et al. Cystic Fibrosis Foundation consensus guidelines for the care of individuals with advanced cystic fibrosis lung disease. J Cyst Fibros. 2020;19(3):344-354. https://doi.org/10.1016/j.jcf.2020.02.015.
3.            Saji A, Khalid A, Anderson AK, Balfour LI. Clinical Guidelines: Care of Children with Cystic Fibrosis. R Brompt Hosp. 2017. Available from: https://www.rbht.nhs.uk/childrencf.
4.            Athanazio RA, Silva Filho LVRF, Vergara AA, Ribeiro AF, Riedi CA, Procianoy EDFA, et al. Brazilian guidelines for the diagnosis and treatment of cystic fibrosis. J Bras Pneumol. 2017;43(3):219-245. https://doi.org/10.1590/S1806-37562017000000065.
5.            Sanders DB, Li Z, Parker-McGill K, Farrell P, Brody AS. Quantitative chest computerized tomography and FEV1 equally identify pulmonary exacerbation risk in children with cystic fibrosis. Pediatr Pulmonol. 2018;53(10):1369-1377. https://doi.org/10.1002/ppul.24144.
6.            Brody AS, Tiddens HA, Castile RG, Coxson HO, de Jong PA, Goldin J, et al. Computed tomography in the evaluation of cystic fibrosis lung disease. Am J Respir Crit Care Med. 2005;172(10):1246-52. https://doi.org/10.1164/rccm.200503-401PP.
7.            Breuer O, Caudri D, Stick S, Turkovic L. Predicting disease progression in cystic fibrosis. Expert Rev Respir Med. 2018;12(11):905-917. https://doi.org/10.1080/17476348.2018.1519400.
8.            de Jong PA, Tiddens HA. Cystic fibrosis specific computed tomography scoring. Proc Am Thorac Soc. 2007;4(4):338-42. https://doi.org/10.1513/pats.200611-175HT.
9.            Brody AS, Klein JS, Molina PL, Quan J, Bean JA, Wilmott RW. High-resolution computed tomography in young patients with cystic fibrosis: distribution of abnormalities and correlation with pulmonary function tests. J Pediatr. 2004;145(1):32-8. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2004.02.038.
10.          Robinson P, Morgan L. Bronchiectasis in PCD looks different to CF on CT scan. Multi-discip Respir Med. 2018;13(Suppl 1):24. https://doi.org/10.1186/s40248-018-0139-2.

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