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Cartas ao Editor

Hipoxemia e hipertensão na apneia obstrutiva do sono: a variável esquecida

Hypoxemia and hypertension in obstructive sleep apnea: the forgotten variable

Eduardo Borsini1, Carlos Nigro2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220314

 
AO EDITOR:
 
O índice de apneia-hipopneia (IAH), expresso em eventos/h, é utilizado para definir a normalidade e classificar a gravidade da apneia obstrutiva do sono (AOS). (1) O IAH mede a frequência de eventos respiratórios durante a noite e o grau de fragmentação do sono, uma vez que os eventos de apneia/hipopneia são frequentemente seguidos por uma reação eletroencefalográfica. Além disso, o IAH nos fornece informações indiretas sobre a hipoxemia, pois os eventos respiratórios costumam ser acompanhados por uma diminuição variável da SpO2.(2) A proporção de tempo gasto em SpO2 ≤ 90% (T90) é um parâmetro preciso para avaliar a hipoxemia noturna, pois uma SpO2 de 90% ao nível do mar equivale a uma PaO2 de aproximadamente 60 mmHg de acordo com a curva de dissociação oxigênio-hemoglobina.(2) A correlação entre IAH e T90 é moderada (r = 0,6-0,7), porque nem todos os eventos respiratórios são seguidos por uma queda na SpO2 ≤ 90%
 
A AOS já foi identificada como um fator de risco para hipertensão em estudos de base populacional.(3,4) Os mecanismos subjacentes estariam relacionados à atividade simpática secundária a ciclos de hipóxia/hipercapnia, aumento da pressão intratorácica e microdespertares que seguem as apneias/hipopneias, que favorecem aumento da pressão arterial.(4) Estudos em animais e em humanos mostraram que a hipoxemia intermitente pode desencadear hipertensão.(4) Similarmente a outros autores, nossa hipótese foi de que T90 poderia estar associado à hipertensão em pacientes com AOS.
 
Em um estudo preliminar e retrospectivo baseado no banco de dados de coleta sistemática da unidade de sono do Hospital Britânico de Buenos Aires entre 2011 e 2019, foram incluídos pacientes adultos consecutivos submetidos à poligrafia respiratória domiciliar devido a suspeita de OSA de acordo com resultados do questionário de Berlin (alto risco), da Escala de Sonolência de Epworth (ESE; > 10 pontos) ou do questionário STOP-Bang (> 3 componentes). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição e pela Plataforma de Registro Informatizado de Investigaciones en Salud de Buenos Aires de acordo com os padrões da Declaração de Helsinki, conforme emenda (protocolo n. 1242).
 
O diagnóstico de hipertensão foi considerado quando autorreferido, quando documentado em prontuários médicos ou quando o paciente estava em uso de medicação anti-hipertensiva. Essas estratégias diagnósticas para hipertensão foram validadas e apresentaram bom desempenho.(5) A análise automática dos sinais foi realizada por médicos treinados e seguida de correções manuais com base em critérios internacionais.(6) Calculamos o T90 em % e o número de dessaturações de oxigênio ≥ 3% (IDO, índice de dessaturação de oxigênio) durante o tempo de registro válido após revisão manual sequencial. A análise de regressão logística múltipla foi utilizada para estabelecer a relação entre hipertensão (variável dependente) e idade, sexo, IMC, IAH e T90 (variáveis independentes). Para tanto, os médicos do estudo realizaram uma análise ROC para estabelecer os melhores pontos de corte para diferenciar pacientes com e sem hipertensão. Os modelos preditivos também se basearam em pontos de corte tradicionais, como os do IAH (≥ 10 e ≥ 15 eventos/h).
 
Foram incluídos 3.854 pacientes (mediana de idade = 55 anos), em sua maioria do sexo masculino (61,5% vs. 38,5%; p < 0,001). A prevalência de obesidade e hipertensão foi de 57,0% e 52,3%, respectivamente. Na amostra do estudo, 48% foram classificados como portadores de AOS moderada a grave, e 29% dos pacientes relataram sonolência diurna excessiva (ESE > 10 pontos).
 
A melhor área sob a curva ROC para diferenciar pacientes com e sem hipertensão incluiu os seguintes pontos de corte: idade ≥ 52 anos; IMC ≥ 30 kg/m2; IAH ≥ 14 eventos/h; e T90 ≥ 3%. A Tabela 1 apresenta modelos de regressão logística múltipla incluindo IAH e T90: idade (OR = 3,27-3,29; IC95%: 2,83-3,80; p < 0,0001); sexo masculino (OR = 1,34-1,35; IC95%: 1,16-1,56; p < 0,001); IMC (OR = 1,82-1,83; IC95%: 1,58-2,11; p < 0,0001); IAH (OR = 1,21-1,24; IC95%: 1,03-1,45; p < 0,01); e T90 (OR = 1,54-1,57; IC95%: 0,31-1,84; p < 0,0001).

 

 

 
Nosso principal achado foi que a hipoxemia noturna, definida como T90 ≥ 3%, foi independentemente associada ao desenvolvimento de hipertensão em pacientes com AOS. Isso destaca a importância da hipoxemia noturna como fator de risco independente para hipertensão em pacientes com AOS, que representam a população de pacientes tratados em uma unidade de sono. Essa observação foi consistente após ajuste para outras covariáveis (idade, sexo, IMC e IAH), o que está de acordo com modelos experimentais que estabeleceram o papel da hipoxemia como mecanismo de hipertensão na AOS.(7,8) Dois grandes estudos relataram que IAH ≥ 30 eventos/h e T90 ≥ 12%,(9) ou quartis 3 e 4 de IDO ≥ 4% (IDO4)(10) foram independentemente associados à hipertensão — T90 ≥ 12% (OR = 1,46; 95%CI: 1,12-1,88) e IDO4 (OR = 2,01; IC95%: 1,6-2,5). Em um estudo envolvendo pacientes com AOS moderada a grave em uso de CPAP,(8) o CPAP foi suspenso por duas semanas e os pacientes foram randomizados para receber oxigênio suplementar ou ar (sham) durante o sono. Aqueles que receberam oxigênio suplementar tiveram o aumento da pressão arterial matinal praticamente abolido.(8) Dean et al.(9) demonstraram que cada desvio-padrão de incremento na carga hipóxica transformada em log foi associado a um aumento de 1,1% na pressão arterial sistólica e um aumento de 1,9% na pressão arterial diastólica entre os pacientes que não faziam uso de medicamentos anti-hipertensivos. Utilizando uma grande coorte de pacientes com AOS moderada a grave na América do Sul, Labarca et al.(10) desenvolveram modelos preditivos de risco cardiometabólico a partir de indicadores de hipoxemia (T90, SpO2 mínima e IDO) e mostraram que T90 > 10% era preditor de hipertensão arterial.
 
A limitação do presente estudo foi que o diagnóstico de hipertensão foi baseado em autorrelato, registros de prontuários médicos ou uso de drogas anti-hipertensivas. No entanto, apesar dessa limitação, nossas observações estão de acordo com o importante corpo de evidências experimentais em animais e humanos que relacionam a hipoxemia intermitente com o desenvolvimento de hipertensão.
 
Em conclusão, a hipoxemia noturna definida como T90 ≥ 3% foi um fator de risco independente para hipertensão em uma população clínica de pacientes com suspeita de AOS. Este achado preliminar deve ser confirmado em estudos longitudinais prospectivos.
 
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
 
Ambos os autores participaram da redação e revisão do manuscrito, bem como da aprovação da versão final.
 
CONFLITO DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Nogueira F, Nigro C, Cambursano H, Borsini E, Silio J, Avila J. Practical guidelines for the diagnosis and treatment of obstructive sleep apnea syndrome [Article in Spanish]. Medicina (B Aires). 2013;73(4):349-362.
2.            Peppard PE, Young T, Palta M, Skatrud J. Prospective study of the association between sleep-disordered breathing and hypertension. N Engl J Med. 2000;342(19):1378-1384. https://doi.org/10.1056/NEJM200005113421901
3.            Nieto FJ, Young TB, Lind BK, Shahar E, Samet JM, Redline S, et al. Association of sleep-disordered breathing, sleep apnea, and hypertension in a large community-based study. Sleep Heart Health Study [published correction appears in JAMA 2002 Oct 23-30;288(16):1985]. JAMA. 2000;283(14):1829-1836. https://doi.org/10.1001/jama.283.14.1829
4.            Weiss JW, Tamisier R, Liu Y. Sympathoexcitation and arterial hypertension associated with obstructive sleep apnea and cyclic intermittent hypoxia. J Appl Physiol (1985). 2015;119(12):1449-1454. https://doi.org/10.1152/japplphysiol.00315.2015
5.            Chrestani MA, Santos Ida S, Matijasevich AM. Self-reported hypertension: validation in a representative cross-sectional survey [Article in Portuguese]. Cad Saude Publica. 2009;25(11):2395-2406. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009001100010
6.            Tkacova R, McNicholas WT, Javorsky M, Fietze I, Sliwinski P, Parati G, et al. Nocturnal intermittent hypoxia predicts prevalent hypertension in the European Sleep Apnoea Database cohort study. Eur Respir J. 2014;44(4):931-941. https://doi.org/10.1183/09031936.00225113
7.            Tamisier R, Pépin JL, Rémy J, Baguet JP, Taylor JA, Weiss JW, et al. 14 nights of intermittent hypoxia elevate daytime blood pressure and sympathetic activity in healthy humans. Eur Respir J. 2011;37(1):119-128. https://doi.org/10.1183/09031936.00204209
8.            Turnbull CD, Sen D, Kohler M, Petousi N, Stradling JR. Effect of Supplemental Oxygen on Blood Pressure in Obstructive Sleep Apnea (SOX). A Randomized Continuous Positive Airway Pressure Withdrawal Trial. Am J Respir Crit Care Med. 2019;199(2):211-219. https://doi.org/10.1164/rccm.201802-0240OC
9.            Dean DA, Wang R, Jacobs DR, Duprez D, Punjabi NM, Zee PC, et al. A systematic assessment of the association of polysomnographic indices with blood pressure: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis (MESA). Sleep. 2015;38(4):587-596. https://doi.org/10.5665/sleep.4576
10.          Labarca G, Dreyse J, Salas C, Letelier F, Schmidt A, Rivera F, et al. Clinical utility of oximetric parameters to identify a high-risk phenotype of moderate-severe Obstructive Sleep Apnea (OSA). Clin Respir J. 2020;14(12):1166-1175. https://doi.org/10.1111/crj.13256
 

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