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Artigo Original

Internações hospitalares e taxas de mortalidade por doenças respiratórias não COVID-19 no sistema público de saúde do Brasil durante a pandemia de COVID-19: um estudo observacional nacional

Hospital admission and mortality rates for non-COVID-19 respiratory diseases in Brazil’s public health system during the covid-19 pandemic: a nationwide observational study

Diogo de Azevedo Resende de Albuquerque1, Marcelo Dantas Tavares de Melo1, Thiago Lins Fagundes de Sousa2, Paulo Garcia Normando1, Juliana Góes Martins Fagundes2, Jose de Arimateia Batista Araujo-Filho3

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220093

ABSTRACT

Objective: To assess the influence of the COVID-19 pandemic on hospital admissions (HA), intra-hospital deaths (HD), and intra-hospital lethality rates (HL) related to respiratory diseases (RD) other than COVID-19 in Brazil. Methods: This observational time-series study was conducted through comparative analyses of the HA, HD, and HL related to non-COVID-19 RD registered between March and December 2020 by the Brazilian Unified Public Health System on the DataSUS Tabnet platform, using as reference the values recorded in the same period of 2019 and those projected by linear regression methods for 2020, considering the period from 2015 to 2019. The adopted statistical significance level was 5% (p < 0.05). Results: Compared to 2019, in 2020, there was a 42% decrease in HA and a 7.4% decrease in total HD related to non-COVID-19 RD, followed by a 60% increase in HL associated with this group of diseases. The HA and HL registered in 2020 differed significantly from the projected trend for that year by linear regression (p < 0.05). Of note, a significant reduction in hospitalizations due to asthma (-46%), chronic obstructive pulmonary disease (-45%), bronchiectasis (-54%), pneumonia (-46%), and acute bronchitis (-73%) was observed. Conclusions: During the first 8 months of the pandemic, there was a decline in HA and an increase in HL related to non-COVID-19 RD in Brazil, which can hypothetically reflect logistical challenges and delays in the management of this group of diseases.

Keywords: Pulmonary disease, COVID-19, non-COVID-19, Hospitalization, Mortality.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a influência da pandemia de COVID-19 nas taxas de internações hospitalares (IH), óbitos intra-hospitalares (OH) e letalidade intra-hospitalar (LH) relacionadas a outras doenças respiratórias (DR) que não a COVID-19 no Brasil. Métodos: Este estudo observacional de série temporal foi realizado por meio da análise comparativa das IH, OH e LH relacionadas a DR não COVID-19 registradas entre março e dezembro de 2020 pelo Sistema Único de Saúde na plataforma DataSUS Tabnet, tendo como referência o valores registrados no mesmo período de 2019 e aqueles projetados pelos métodos de regressão linear para 2020, considerando o período de 2015 a 2019. O nível de significância estatística adotado foi de 5% (p < 0,05). Resultados: Comparado a 2019, em 2020, houve uma redução de 42% nas IH e de 7,4% nos OH totais relacionados a DR não COVID-19, seguido de um aumento de 60% nas taxas de LH associadas a esse grupo de doenças. As IH e as taxas de LH registradas em 2020 diferiram significantemente da tendência projetada para aquele ano por regressão linear (p < 0,05). Vale ressaltar que foi observada uma redução significativa das internações por asma (-46%), doença pulmonar obstrutiva crônica (-45%), bronquiectasia (-54%), pneumonia (-46%) e bronquite aguda (-73%). Conclusão: Durante os primeiros 8 meses da pandemia, houve um declínio nas IH e um aumento das taxas de LH relacionadas a DR não COVID-19 no Brasil, o que pode, hipoteticamente, refletir desafios logísticos e atrasos no manejo desse grupo de doenças.

Palavras-chave: Doença pulmonar, COVID-19, não COVID-19, Internação, Mortalidade.

INTRODUÇÃO
 
O Brasil é considerado um dos países mais afetados no mundo pela COVID-19. O registro do primeiro caso da doença foi em 26 de fevereiro de 2020, e o primeiro óbito foi constatado em 17 de março do mesmo ano, ambos no estado de São Paulo. Em 24 dias, o vírus já havia se espalhado pelo país. Desde então, o número de casos no Brasil tem flutuado de acordo com a história natural da doença, baseada em ondas de infecção.(1) Em julho de 2020, o Brasil enfrentou o primeiro pico da doença, com mais de 1.000 mortes por dia, e foi classificado como o segundo país do mundo em número de casos e mortes por COVID-19, atingindo atualmente mais de 22 milhões de casos confirmados e mais de 650.000 mortes pelo vírus.(2)
 
Algumas das restrições adotadas durante o primeiro ano da pandemia de COVID-19 no país incluíram quarentenas, restrições relacionadas a aglomerações públicas e privadas e o fechamento de escolas, locais de trabalho públicos e empresas privadas. Além disso, foi necessário ampliar o número de leitos em unidades de terapia intensiva e enfermarias, suspender consultas, exames complementares e procedimentos eletivos, bem como direcionar a maior parte dos recursos para o cuidado dos pacientes infectados pela doença.(3-5) Nesse contexto, estudos populacionais têm registrado mudanças nos padrões de internação de outras condições, incluindo câncer(6,7) e doenças cardiovasculares (DCV),(8) além de doenças respiratórias, com redução das internações por doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e asma. Os autores de um estudo coreano levantaram a hipótese de que a queda nas internações se devia à diminuição da transmissibilidade de outros vírus, como o influenza, em decorrência das medidas para conter o avanço da COVID-19, reduzindo a incidência de tais doenças.(11) Por exemplo, o padrão de DCV mostrou uma diminuição relativa nas internações; no entanto, foi associada a um aumento na taxa de mortalidade de pacientes com DCV naquele período.(8-10) Essa mudança de paradigma também se estendeu a outras doenças não relacionadas à COVID-19.(12)
 
À luz do exposto, o objetivo do presente estudo foi de investigar as mudanças nas taxas de internação e mortalidade relacionadas a doenças respiratórias não COVID-19 durante os primeiros 10 meses da pandemia de COVID-19 no Brasil utilizando registros de saúde de base nacional e populacional.
 
MÉTODOS
 
Este estudo observacional de série temporal incluiu internações hospitalares (IH), óbitos intra-hospitalares (OH), taxas de letalidade intra-hospitalar (porcentagem de óbitos dentre as internações) (LH) e procedimentos hospitalares e ambulatoriais realizados pelo sistema público de saúde brasileiro (SUS) entre março e dezembro de 2015 a 2020. Os dados foram extraídos em março de 2021 por meio de acesso ao Sistema de Informação Hospitalar (SIH/SUS) e o Sistema Ambulatorial do SUS (SIA/SUS), ambos disponíveis na plataforma DataSUS Tabnet. Vale ressaltar que se tratam de dados públicos e anônimos, em conformidade com o Artigo I da Resolução 510/2016 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.(13)
 
A seleção dos procedimentos ambulatoriais e hospitalares foi baseada nos códigos do Sistema de Gestão da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órteses, Próteses e Materiais do SUS (SIGTAP). A realização hospitalar e ambulatorial de cada procedimento selecionado foi registrada, considerando todos os códigos de procedimentos relacionados, e agrupadas por similaridade como exames laboratoriais, exames de imagem, testes de função respiratória e gasometria, como mostra a Tabela S1.
 
Os dados referentes a registros de diagnósticos secundários relacionados a patologias respiratórias foram selecionados com base na Lista de Morbidade da 10a Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) e incluíram o número de internações e óbitos intra-hospitalares e as taxas de letalidade intra-hospitalar. As doenças listadas na plataforma DataSUS Tabnet são categorizadas de acordo com sua similaridade fisiopatológica como agudas, crônicas, outras e restritivas. Doenças respiratórias agudas: faringite e amigdalite aguda; laringite e traqueíte aguda; bronquite e bronquiolite aguda; Influenza [gripe]; pneumonia; outras infecções agudas das vias aéreas superiores. Doenças respiratórias crônicas: sinusite crônica; doenças crônicas das amígdalas e adenoides; enfisema, bronquite e outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas; asma; bronquiectasia. Outras doenças respiratórias: pneumoconiose; outras doenças do nariz e seios da face; outras doenças do trato respiratório superior; outras doenças do aparelho respiratório. Esses dados estão disponíveis na Tabela S2.
 
Análise estatística
 
Foi realizada uma análise descritiva do número de consultas ambulatoriais e hospitalares em termos de números absolutos e percentuais em relação ao número total de consultas. Os dados foram analisados com base nos procedimentos realizados (tipo de procedimento) e na região federativa (Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul) e estado (incluindo os 26 estados e o Distrito Federal). O número de internações e óbitos respiratórios não COVID-19 foram avaliados quantitativamente, e em percentual do total, e segmentados por patologia (categoria da doença) (Tabela S2); natureza do serviço (eletivo ou urgente), faixa etária (0 a 19 anos, 20 a 59 anos e 60 anos ou mais), raça, sexo (Tabela S4) e região federativa e estado (Tabelas S5 e S6).
 
As análises estatísticas foram realizadas tanto para os grupos (e.g., exames laboratoriais e doenças respiratórias agudas) quanto para os componentes de cada uma das respectivas categorias (e.g., biópsia e lavado broncoalveolar para exames laboratoriais). Assim, foi possível avaliar cada um dos procedimentos/patologias individualmente, bem como de forma geral, por categoria.
 
Foram comparados os valores registrados entre 2019 e 2020 e a variação percentual correspondente entre eles, mostrando uma queda ou aumento percentual naquele período. No entanto, é importante ressaltar que a variação anual não pode ser atribuída diretamente à pandemia; desta forma, é necessário avaliar a tendência estabelecida nos anos anteriores para melhor compreender as possíveis mudanças relacionadas à pandemia.
 
No intervalo de 2015 a 2019, o número de procedimentos, internações e óbitos e a taxa de mortalidade estimada para o ano de 2020 no período de março a dezembro foram calculados por meio de regressão linear. Com base nesses valores estimados, foi possível determinar se os dados apresentaram uma tendência de crescimento ou queda para o ano de 2020 e compará-los com os valores reais registrados. Nesse sentido, é possível avaliar tanto a tendência histórica quanto as variações estatísticas ocorridas em anos anteriores.
 
Como a regressão linear está sujeita ao erro gaussiano, utilizou-se o teste t de Student para comparar os valores projetados com aqueles registrados em 2020, rejeitando-se a hipótese nula com valor-p menor que 0,05 (intervalo de confiança de 95%). Os programas Microsoft® Excel® e Scilab® 6.1.0 foram usados para realizar as análises estatísticas.
 
RESULTADOS
 
De março a dezembro de 2015 a 2020, o número de internações foi de 5.764.727 e o número de óbitos foi de 482.193. Considerando o ano anterior e o primeiro ano da pandemia de COVID-19 (2019 e 2020, respectivamente), foi identificado um total de 102.504.443 procedimentos, sendo 132.593 referentes a procedimentos hospitalares e 102.371.850 a procedimentos ambulatoriais. No mesmo período, foram avaliadas as diferenças nos números de internações por doenças respiratórias agudas, crônicas e outras não COVID-19, demonstrando uma redução no número absoluto de internações por essas condições, com aumento da mortalidade intra-hospitalar, conforme mostra a Figura 1.


 



 

 
Com relação aos dados referentes aos procedimentos ambulatoriais e hospitalares levantados entre os anos de 2015 e 2020, de março a dezembro, e considerando as projeções para 2020, calculadas a partir dos dados de 2015 a 2019 por meio de regressão linear, observou-se uma tendência crescente no número de procedimentos (linhas pontilhadas na Figura 2) para o ano de 2020. No entanto, os dados extraídos do DataSUS mostraram uma diminuição no número de procedimentos realizados em 2020 comparado à tendência calculada e ao ano anterior, conforme mostra a Figura 2A. Da mesma forma, com base no número de internações e óbitos intra-hospitalares registrados, considerando todas as doenças levantadas e as projeções para 2020 (linhas pontilhadas), nota-se que houve uma redução significativa no número de internações e óbitos; tal discrepância foi acentuada quando comparados os valores esperados para 2020 (conforme a tendência calculada) e aqueles extraídos da plataforma DataSUS, como mostra a Figura 2B.
 

 

 
Também foi percebido um aumento significante nas taxas de letalidade intra-hospitalar em 2020 quando comparadas aos números registrados em anos anteriores, mostrando um comportamento diferente dos critérios analisados anteriormente (procedimentos, internações e óbitos), conforme mostra a Figura 2. A taxa projetada para 2020 foi de 8,23% (p < 0,005) versus 12,89% da taxa real de mortalidade intra-hospitalar registrada naquele ano.
 
O número de procedimentos realizados de março a dezembro, considerando os anos de 2019 e 2020, está apresentado na Tabela 1. Houve uma queda de 15% no número total de procedimentos, com redução de 15% nos procedimentos ambulatoriais e de 5% nos procedimentos hospitalares. Além disso, foi observada uma redução de 65% nos testes de função respiratória, um aumento de 91% nas TCs de tórax e um aumento de 33% nas gasometrias realizadas. Infelizmente, não há como diferenciar se o motivo da solicitação de exames, como tomografia de tórax e gasometria, estava relacionado à COVID-19.
 

 

 
Esses dados obtidos foram comparados com a tendência do número de procedimentos estimados para o ano de 2020 (março a dezembro), mostrando uma diferença significante (p = 0,02) de 2.974.340 de procedimentos entre o número total estimado e o realizado. Também houve diferença significante entre o número total de exames de imagem realizados e os estimados para 2020 (p = 0,001), de 3.194.339, sendo a radiografia de tórax a que apresentou maior disparidade absoluta, com 3.794.046 de exames realizados abaixo do número estimado (15.745.559). Por outro lado, observou-se um aumento no número de TCs de tórax realizados (1.447.082) em relação ao valor estimado (819.941), o que reflete uma diferença de 627.141 exames a mais esperados, ambos com significância estatística (p < 0,05).
 
Comparando o número de internações por acometimento do trato respiratório no período de março a dezembro de 2020 com o mesmo período do ano anterior, observou-se uma redução de 42% no número total de internações, conforme listado na Tabela S3. Uma queda considerável foi observada nas internações por Doenças Respiratórias Crônicas (-50%) e Doenças Respiratórias Agudas (-47%), com destaque para as Doenças Inflamatórias Agudas, que reduziram em 70%, enquanto as Infecções das Vias Aéreas reduziram em apenas 44%, principalmente devido aos 37% de aumento nas internações classificadas como Influenza [gripe], o que compensou o processo de retração no número de internações por infecções agudas das vias aéreas.
 
Com base na análise de tendência do número estimado de internações para o ano de 2020 (março a dezembro), em geral, os valores registrados no DataSUS ficaram bem abaixo dos valores absolutos calculados estatisticamente para aquele ano, exceto para influenza (valor esperado de 14.349 e valor notificado de 22.341, representando um aumento de 7.992 internações) e outras doenças respiratórias (valor esperado de 113.494 e valor notificado de 120.339, representando um aumento de 6.845 internações). Vale ressaltar que todos os valores estimados apresentaram significância estatística (p < 0,05).
 
Considerando o número absoluto de óbitos por DR não COVID-19, uma queda no número total de óbitos entre março e dezembro de 2019 e 2020 foi observada, passando de 83.673 óbitos em 2019 para 77.476 em 2020, representando uma redução de 7%. No entanto, ao analisar os óbitos por influenza, outras infecções agudas das vias aéreas superiores e outras doenças respiratórias individualmente, houve um aumento no número de óbitos de 2019 para 2020, representando incrementos de 194% (1.164), 84% (166) e 20% (4.586) na mortalidade, respectivamente.
 
Na análise de tendência, por sua vez, houve um número de óbitos menor que a estimativa generalizada, com exceção dos casos relacionados à influenza (591 casos estimados versus 1.765 registrados, diferença: +199%), outras infecções agudas das vias aéreas superiores (202 casos estimados versus 363 registrados, diferença: +80%) e outras doenças respiratórias (22.416 casos estimados versus 27.354 registrados; diferença: +22%). É importante salientar que os valores estimados para doenças respiratórias agudas (total), influenza, outras infecções agudas das vias aéreas superiores, outras doenças respiratórias, doenças respiratórias crônicas e o total geral também diferiram estatisticamente dos valores registrados (p < 0,05), como mostra a Tabela S3.
 
DISCUSSÃO
 
Os impactos da pandemia podem ser analisados de diversas formas, desde os resultados agudos, com a realocação de recursos materiais e humanos para tratamento, até a mudança em todo o sistema de saúde, visando uma força-tarefa de gestão. Esses fatores supostamente justificariam a maior taxa de letalidade intra-hospitalar quando comparada ao valor previsto para aquele ano, apesar da redução no número de internações por DR não COVID-19. Em outras palavras, a sobrecarga do sistema de saúde devido à infecção pelo coronavírus provavelmente reduziu a disponibilidade de leitos para pacientes com DR não COVID-19, fato que pode ter implicado na restrição de internações para casos mais graves dessa classe de doenças, assim influenciando a mortalidade intra-hospitalar. De acordo com a Tabela 1, pode-se notar que o impacto dessa realocação foi considerável nos métodos diagnósticos de doenças respiratórias. Houve uma diminuição significativa no número de biópsias e lavados broncoalveolares, bem como nos métodos de avaliação da função pulmonar. Tal fato se deveu ao impedimento de sua realização por conta do fechamento de laboratórios de função pulmonar em todo o país. Se, por um lado, houve uma redução na realização de procedimentos nesses setores, com a pandemia, houve um aumento significativo de tomografias de tórax e gasometrias devido à maior disponibilidade e necessidade de classificar a COVID-19 segundo os critérios de Berlim, que incluem envolvimento pulmonar.(14)
 
Chama-se a atenção para a redução significativa da internação de pacientes por outras doenças respiratórias que não a COVID-19. Esta queda, que no total chegou a 42%, ocorreu também nas internações por asma (-46%), DPOC (-45%), bronquiectasias (-54%), pneumonia (-46%) e bronquite aguda (-73%), como pode ser visto na Tabela S3. Diversas hipóteses têm sido levantadas, inclusive o fato de que um maior isolamento ambiental e o uso de máscaras podem contribuir para a redução das exacerbações de doenças crônicas, visto que infecções virais estão relacionadas à exacerbação de tais doenças, como DPOC e asma. Além disso, o padrão temporal das exacerbações de doenças crônicas mostra uma correlação entre infecções virais respiratórias e exacerbações de doenças pulmonares obstrutivas crônicas.(15-17) O uso de máscaras, o distanciamento social e o aumento dos cuidados de higiene podem contribuir para a diminuição de infecções virais. No entanto, esta não é a única hipótese válida; a redução da realização de métodos diagnósticos também contribuiu para erros diagnósticos e a não classificação das internações.
 
Ao avaliar o número total de óbitos por doenças respiratórias, de modo geral, houve uma redução, com aumento do número de óbitos por influenza. Esse fato parece ser decorrente do menor número de internações por doenças respiratórias. Entretanto, em termos de letalidade, houve um aumento geral de 60% em 2020 em relação a 2019. O aumento da mortalidade e morbidade por doenças não COVID-19 foi percebido em outros países;(18) no entanto, a causa raiz permanece pouco clara. Os sistemas médicos sobrecarregados (como observado na Itália, Estados Unidos, Brasil e Índia) e a interrupção dos padrões de atendimento foram relatados como algumas das principais causas do aumento da mortalidade e morbidade, embora com baixos níveis de certeza.(18) Acredita-se que esse fato esteja relacionado aos desafios logísticos observados mundialmente para garantir o acesso de pacientes com DR crônicas a centros especializados para tratamento durante o primeiro ano da pandemia.
 
Algumas limitações deste estudo merecem consideração. O sistema nacional de saúde brasileiro possui 2 ramos, o SUS e o setor de saúde suplementar, que inclui planos de saúde privados, seguros de saúde e profissionais de saúde privados. Para minimizar a heterogeneidade dos dados apresentados, o presente estudo desconsiderou intencionalmente os pacientes do setor de saúde suplementar (aproximadamente 30% da população brasileira). Nesse contexto, é importante destacar as limitações dos dados do DataSUS (SIA e SIH/SUS). Os dados referentes aos últimos seis meses anteriores à coleta de dados poderiam ter sido atualizados, o que inclui o período de outubro a dezembro de 2020. Além disso, atualizações esporádicas, flutuações relacionadas à sazonalidade das doenças respiratórias e falhas na atualização dos departamentos de saúde podem ocorrer. Portanto, não há como atestar que todos os dados estão consolidados, independentemente do ano. A subnotificação de casos e erros na classificação ou diagnóstico de doenças respiratórias e virais também podem ter ocorrido, principalmente na primeira onda da pandemia, devido à disponibilidade limitada de exames confirmatórios. Vale ressaltar também que, com base no teorema do limite central, assumiu-se que os dados eram normais ao longo do tempo, visto que os dados de cada ano consistem na totalização de diversas variáveis aleatórias. Como o DataSUS não fornece dados totalmente individualizados, é impossível verificar completamente sua homocedasticidade. Por fim, esses resultados devem ser interpretados com cautela. Estudos adicionais são necessários para esclarecer se nossas observações representam uma taxa de mortalidade significativamente maior ajustada para a gravidade da doença ou apenas refletem o aumento do autogerenciamento ou do cuidado primário de condições menos graves.
 
Em conclusão, foram registrados um declínio nas IH e um aumento nas LH relacionadas a DR não-COVID-19 durante os primeiros 8 meses da pandemia de COVID-19 no Brasil. Do nosso ponto de vista, isso pode, hipoteticamente, refletir desafios logísticos e atrasos no manejo desse grupo de doenças. Tais medidas servem de alerta para o desenvolvimento de políticas públicas, por meio da gestão de leitos hospitalares e treinamento médico, para o diagnóstico correto e indicações adequadas de internação em cada caso, garantindo que não haja atrasos no tratamento e agravamento da mortalidade.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
DARA e MDTM: concepção e planejamento do estudo; DARA, MDTM, TLFS, PGN, JGMF e JABA: coleta, processamento e interpretação dos dados; PGN: análise estatística e tabulação dos dados; DARA, MDTM, TLFS, JGMF e JABA: redação e revisão das versões preliminar e final do manuscrito; DARA, MDTM e TLFS: aprovação da versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nada a declarar.
 
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