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ISSN (on-line): 1806-3756

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Revisão Sistemática e Meta-Análise

A influência das máscaras N95 e PFF2 sobre variáveis cardiorrespiratórias em indivíduos saudáveis durante o exercício aeróbico: revisão sistemática e meta-análise

The influence of N95 and FFP2 masks on cardiorespiratory variables in healthy individuals during aerobic exercise: a systematic review and meta-analysis

Gustavo Lucas da Silva Lima1,2, Thiago Casali Rocha1,2, Gilmar Pereira de Lima da Silva Júnior3, Marcelo Tarcísio Martins1,2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220143

ABSTRACT

Objective: In view of the current COVID-19 pandemic, the objective of this study was to determine, through a systematic review and meta-analysis, whether the use of N95/FFP2 masks during aerobic exercise has a significant impact on HR, RR, SpO2, and blood pressure (BP) in healthy individuals. Methods: We searched the MEDLINE database for studies published in English between 2005 and 2021. To reduce bias and increase reliability, only randomized controlled trials and randomized crossover clinical trials were considered for inclusion. The selected outcomes included HR, RR, SpO2, and BP, with perceived exertion being evaluated by means of the Borg scale. Results: Eight controlled trials were included in the meta-analysis. Seven evaluated HR (p > 0.05), five evaluated RR (p > 0.05), five evaluated SpO2 and BP (p > 0.05 for both), and six evaluated perceived exertion, presenting controversial results such as risk ratios that were grouped for each variable. Conclusions: This study suggests that N95 and FFP2 masks do not have significant effects on HR, RR, SpO2, and BP during aerobic exercise in healthy individuals.

Keywords: N95 respirators; Heart rate; Respiratory rate; Oxygen saturation; Blood.

RESUMO

Objetivo: Diante da atual pandemia de COVID-19, o objetivo deste estudo foi determinar, por meio de uma revisão sistemática e meta-análise, se o uso de máscaras N95/PFF2 durante o exercício aeróbico tem impacto significativo na FC, FR, SpO2 e pressão arterial (PA) em indivíduos saudáveis. Métodos: Buscamos no banco de dados MEDLINE estudos publicados em inglês entre 2005 e 2021. Para reduzir o viés e aumentar a confiabilidade, foram considerados para inclusão no estudo somente ensaios clínicos controlados randomizados e ensaios clínicos cruzados randomizados. Os desfechos selecionados foram FC, FR, SpO2 e PA; a percepção de esforço foi avaliada por meio da escala de Borg. Resultados: Oito ensaios controlados foram incluídos na meta-análise. Sete avaliaram FC (p > 0,05), cinco avaliaram FR (p > 0,05), cinco avaliaram SpO2 e PA (p > 0,05 para ambas) e seis avaliaram a percepção de esforço, com resultados controversos (razões de risco agrupadas para cada variável, por exemplo). Conclusões: Este estudo sugere que as máscaras N95 e PFF2 não têm efeitos significativos na FC, FR, SpO2 e PA durante o exercício aeróbico em indivíduos saudáveis.

Palavras-chave: Respiradores N95; Frequência cardíaca; Taxa respiratória; Saturação de oxigênio; Sangue.

 
INTRODUÇÃO
 
As máscaras de proteção são equipamentos de proteção individual essenciais para os profissionais de saúde, especialmente para aqueles que lidam diretamente com infecções das vias aéreas, como no caso da atual pandemia de COVID-19.(1-3) Em um estudo realizado em Cingapura em 2020, no qual 30 profissionais de saúde usaram máscaras N95 no atendimento a pacientes com resultado positivo para infecção por SARS-CoV-2, não houve transmissão da doença de paciente para profissional.(4)
 
Em um estudo realizado na Coreia do Sul em 2015, no qual foram investigados 97 pacientes com DPOC que usaram máscaras N95, houve alterações consideráveis na FR, SpO2 e concentração de dióxido de carbono ao final da expiração antes e depois do uso da máscara.(5) Em outro estudo realizado em 2020, jovens sem comorbidades e não fumantes realizaram exercícios físicos aeróbicos usando máscaras N95 durante 75-150 min por semana em média e não apresentaram alterações consideráveis nas concentrações de gases.(6) Kim et al. avaliaram 20 jovens saudáveis que realizaram atividades físicas de intensidade baixa a moderada durante 1 h usando quatro modelos diferentes de máscaras N95 e não observaram alterações significativas nas trocas gasosas.(7)
 
Segundo Chandrasekaran et al.,(8) o uso prolongado de máscaras N95 poderia resultar em alterações no metabolismo muscular, estresse cardiorrespiratório, alterações nos sistemas excretor e imunológico, e alterações no cérebro e no sistema nervoso central. Isso ocorre porque as máscaras N95 criam um circuito fechado de reinalação, que resulta em hipóxia hipercápnica.(8-11)
 
Em um estudo realizado por Fikenzer et al.,(12) 12 homens saudáveis realizaram ergoespirometria e cardiografia de impedância antes e depois do uso de máscaras N95, que resultaram em redução significativa de parâmetros de função pulmonar e do pico de resposta do lactato sanguíneo. No entanto, faltam estudos nos quais se analise a correlação entre o uso de máscaras N95/PFF2 e possíveis alterações na SpO2, FR, FC, resistência respiratória e pressão arterial (PA) no contexto da atual pandemia de COVID-19.(13-16)
 
O objetivo deste estudo foi determinar, por meio de uma revisão sistemática e meta-análise, os efeitos das máscaras N95/PFF2 na PA, FC, FR, SpO2 e percepção de esforço durante a atividade física aeróbica em indivíduos saudáveis.
 
MÉTODOS
 
Estratégia de busca
 
Realizamos uma revisão sistemática em conformidade com as diretrizes Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses. O protocolo do estudo foi registrado no International Prospective Register of Systematic Reviews (Registro n. CRD42021282318).
 
Pesquisamos o banco de dados MEDLINE em busca de artigos originalmente publicados em inglês nos últimos 15 anos. Foram selecionados para a revisão apenas ensaios clínicos controlados randomizados ou ensaios clínicos cruzados randomizados; portanto, a amostra de estudos tendeu a ser homogênea e evitou vieses comumente observados em estudos transversais e observacionais. Dois avaliadores independentes realizaram buscas no banco de dados MEDLINE e, em caso de divergência entre os dois, um terceiro avaliador foi consultado. As divergências foram resolvidas por consenso.
 
Os termos “N95”, “FFRs”, “FFP2”, “Effects”, “Physiological”, “Gas” e “Blood” foram usados para identificar estudos relevantes. A lista de descritores MeSH foi usada para identificar variações dos termos supracitados.
 
Critérios de inclusão e exclusão
 
Os critérios de inclusão e exclusão estão descritos no Quadro 1.

 


 

Extração dos dados
 
Nosso grupo de pesquisa selecionou previamente as informações para a coleta de dados, pesquisando separadamente nos estudos incluídos o título, nome do autor principal, ano em que o estudo foi realizado, ano em que o estudo foi publicado, país de origem, número de participantes, média/mediana e desvio padrão de cada variável com e sem máscaras, intervenções aeróbicas usadas e desfechos (isto é, FC, FR, SpO2 e PA como desfechos primários e resistência respiratória e percepção de esforço, avaliada por meio da escala de Borg, como desfechos secundários). Todos os autores coletaram os dados de modo independente. Para avaliar os artigos, dois avaliadores que não faziam parte de nosso grupo de pesquisa estabeleceram estratégias de busca e realizaram análises críticas. Após a leitura dos artigos na íntegra, foram excluídos da revisão os estudos com vieses metodológicos, sem correlação direta com o tópico de interesse ou sem dados brutos.
 
Análise estatística
 
Para a meta-análise e o cálculo do risco de viés, usamos os seguintes programas: Review Manager, versão 5.4 (RevMan 5; Cochrane Collaboration, Oxford, Reino Unido); Microsoft Excel; MedCalc (MedCalc Software Ltd, Oostende, Bélgica). Foram realizadas análises estatísticas fixas e aleatórias; os estudos foram considerados homogêneos. O IC95% foi calculado para cada estudo individualmente e, em seguida, para todos os estudos selecionados. A média e o desvio padrão de cada estudo foram identificados, e o nível de significância adotado foi de p ≤ 0,05. O coeficiente I2 foi calculado para avaliar a heterogeneidade dos estudos incluídos. Quando I2 foi maior que 50%, optamos por usar um modelo de efeitos aleatórios para parear os resultados; quando I2 foi menor que 50%, criamos um modelo de efeitos fixos. O risco de viés de publicação foi avaliado por meio da observação de assimetria no gráfico de funil.
 
RESULTADOS
 
Seleção dos estudos
 
Identificamos 879 estudos envolvendo o uso de máscaras faciais; entretanto, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão (Quadro 1), restaram apenas 20 estudos. Outros 10 estudos foram excluídos depois de lidos na íntegra, em virtude da presença de vieses metodológicos, da ausência de correlação direta com o tópico de interesse ou da ausência de dados brutos. Dos 10 estudos restantes, apenas 8 apresentavam os dados brutos antes e depois da intervenção para a análise estatística e, portanto, puderam ser incluídos na meta-análise. Os estudos analisados envolveram 306 voluntários na faixa etária de 7 a 64 anos, 68,95% dos quais eram do sexo masculino. A Figura 1 mostra o fluxograma do processo de seleção de estudos.

 

 

Intervenções e achados
 
Dos 10 estudos incluídos na revisão sistemática, 8 avaliaram a PA, 9 avaliaram a FC, 5 avaliaram a FR e 5 avaliaram a SpO2. A maioria dos ensaios clínicos mostrou que não houve alterações significativas nas variáveis estudadas após o uso de máscaras N95/PFF2 durante exercícios aeróbicos de baixa ou alta intensidade em indivíduos saudáveis, e esses achados foram corroborados por 2 estudos cujo objetivo foi avaliar todas as variáveis clínicas analisadas nesta revisão ou a maioria delas.
 
Em geral, as intervenções foram de curta duração, variando de 3 min a 12 h no mesmo dia, e os participantes foram instruídos a abster-se do consumo de cafeína em todos os estudos; os grupos controle e experimental foram avaliados em dias diferentes.(6,16-19) As intervenções variaram muito de estudo para estudo, e alguns usaram diferentes dispositivos e métodos para medir as variáveis estudadas. As intervenções incluíram caminhada,(5,20) caminhada em esteira,(18,19) exercício intervalado de média a alta intensidade em cicloergômetro(6,12,16,21) e subir e descer escadas.(22)
 
Meta-análise
 
Apenas 8 dos 10 estudos incluídos nesta revisão forneceram dados suficientes para analisar PA, FC, FR e SpO2 em intervenções aeróbicas com e sem máscaras N95/PFF2.(6,12,16,18,19,21-23) Portanto, apenas esses 8 estudos foram incluídos em nossa meta-análise, num total de 166 voluntários. A diferença média padronizada variou de −0,32 a 0,17 para PA, de −0,27 a 0,13 para SpO2, de −0,10 a 0,27 para FC e de −0,16 a 0,28 para FR com um modelo de efeitos fixos e sem alterações estatisticamente significativas em nenhuma das variáveis. As Figuras 2-5 mostram a análise dos dados referentes a cada um dos estudos incluídos.
 
A Figura 6 apresenta uma síntese dos resultados, um teste geral de heterogeneidade e as diferenças entre os subgrupos. Os resultados à esquerda indicam valores favoráveis quanto à influência das máscaras N95/PFF2 nas variáveis estudadas em comparação com não usar máscara. O teste de heterogeneidade aplicado na análise mostrou que não houve heterogeneidade significativa entre os estudos; portanto, foram usados modelos de efeitos fixos. Todos os estudos investigaram os efeitos do uso de máscaras N95/PFF2 em algumas das variáveis analisadas por meio da comparação de valores obtidos com e sem o uso de máscara.
 
PA
 
Como se pode observar na Figura 2, o uso de máscaras N95/PFF2 durante o exercício aeróbico não teve efeito significativo na PA em nenhum dos estudos analisados, como evidencia o losango cruzando a linha vertical de efeito nulo, sendo que o losango representa a síntese de intervalos de confiança e riscos relativos.

 

 

SpO2
 
Como se pode observar na Figura 3, o uso de máscaras N95/PFF2 durante o exercício aeróbico não teve efeito significativo na SpO2, como evidencia o losango cruzando a linha vertical de efeito nulo. Embora Mapelli et al.(21) tenham mostrado que o uso de máscaras N95/PFF2 teve um efeito significativo na SpO2, seus achados não afetaram o resultado geral, pois a amostra do estudo era pequena.

 

 

FC
 
Como se pode observar na Figura 4, o uso de máscaras N95 durante o exercício aeróbico não teve efeito significativo na FC em nenhum dos estudos analisados, como evidencia o losango cruzando a linha vertical de efeito nulo.

 

 

FR
 
Como se pode observar na Figura 5, o uso de máscaras N95/PFF2 durante o exercício aeróbico não teve efeito significativo na FR em nenhum dos estudos analisados, como evidencia o losango cruzando a linha vertical de efeito nulo.
 

 

 
Como se pode observar na Figura 6, uma síntese dos valores coletados antes e depois das intervenções para todas as variáveis nos estudos selecionados para a presente meta-análise mostrou que o uso de máscaras N95/PFF2 durante o exercício aeróbico não teve efeito significativo nas variáveis estudadas, como evidencia a associação de intervalos de confiança e riscos relativos com o losango cruzando a linha vertical de efeito nulo nos gráficos de floresta.
 

 

 
O Quadro 2 apresenta um resumo dos estudos selecionados para esta revisão sistemática, incluindo o tamanho das amostras, a idade dos pacientes, o tipo de análise, as intervenções realizadas, PA sistólica, FC, FR, SpO2 e percepção de esforço. Consideramos que valores de p < 0,05 denotaram alteração significativa nas variáveis analisadas.

 








 

 
Viés de publicação
 
Um gráfico de funil foi usado para avaliar o risco de viés de publicação (Figura 6). É evidente a distribuição simétrica das variáveis FC, FR e PA, ao passo que nos estudos que analisaram a variável SpO2, fica evidente a assimetria.
 
DISCUSSÃO
 
Este estudo mostrou que o uso de máscaras N95/PFF2 durante o exercício aeróbico em indivíduos saudáveis é seguro e não alterou significativamente nenhuma das variáveis estudadas. As intervenções variaram de estudo para estudo, incluindo exercícios aeróbicos de diferentes intensidades, ajudando-nos a avaliar o comportamento de variáveis cardiorrespiratórias durante a caminhada e o treinamento intervalado de alta intensidade. Os achados do presente estudo mostram que as pessoas podem treinar usando máscara e se proteger de infecções das vias aéreas, sem efeitos negativos nas respostas fisiológicas e perceptivas ao exercício.
 
Os efeitos do uso de máscaras N95/PFF2 durante o exercício aeróbico leve a moderado apresentaram resultados categóricos no que tange a alterações de PA, FC e SpO2 em parâmetros máximos e submáximos; é possível afirmar que essas variáveis não foram significativamente afetadas pelas respectivas intervenções.(6,12,17-22) Podemos afirmar que PA, FC e SpO2 não sofrem alterações clinicamente significativas com o uso de máscaras N95/PFF2.
 
Segundo Harber et al.,(14) observa-se um aumento do trabalho cardiorrespiratório em indivíduos com DPOC ou asma. Isso pode ocorrer em virtude da diminuição dos níveis de oxigênio circulante e/ou da acidose sanguínea causada por inspiração insuficiente ou doença respiratória. O estudo em questão foi realizado em três dias diferentes, e os grupos de indivíduos com doenças respiratórias realizaram atividades físicas de intensidade leve a moderada com média de 8-10 min de duração cada. As variáveis estudadas foram volume corrente, ventilação minuto, taxa de fluxo inspiratório, taxa de fluxo expiratório, tempo inspiratório, tempo expiratório, FR, média do tempo total do ciclo respiratório e o ciclo de trabalho (duty cycle), que representou a proporção do ciclo respiratório total durante a qual foi feito o esforço inspiratório.
 
A diminuição da quantidade de oxigênio é detectada principalmente pelos quimiorreceptores centrais no corpo carotídeo. Esses quimiorreceptores induzem a suprarregulação respiratória pela ação dos nervos vago e glossofaríngeo no grupo respiratório ventral. Embora isso seja verdadeiro, ocorre em situações que afetam significativamente a quantidade de oxigênio disponível.
 
Alterações nas variáveis discutidas nesta revisão podem ser mais comumente observadas em indivíduos com doenças cardíacas e pulmonares preexistentes. (5,13 15) Portanto, com base nos estudos cujo objetivo foi investigar a PA, não se pode afirmar que máscaras N95/PFF2 causam alterações significativas. (6,12,16,17,20-23) Isso também vale para os estudos que avaliaram SpO2 e FC.(6,12,16-22)
 
Dos 5 estudos que avaliaram alterações na FR,(6,12,18,19,21) apenas 1 mostrou redução significativa da FR.(12) A resistência respiratória foi analisada como variável secundária, e os 2 estudos que a analisaram apresentaram resultados conflitantes; 1 mostrou alterações significativas, e o outro, não.(6,16) Esses resultados podem ser explicados pela redução do VO2máx, diminuição da ventilação inspiratória e formação de um núcleo reinalatório de pressão negativa em alguns casos.(8,12,24,25) Embora não tenham sido incluídos nesta revisão (porque não preencheram os critérios de inclusão), vários estudos clínicos nos quais foi analisada a resistência respiratória mostraram alterações significativas.(1,23,24) No entanto, ensaios clínicos bem estruturados com amostras maiores e uma variedade de intervenções são necessários para confirmar isso.
 
Embora alguns dos estudos que avaliaram a FR e a resistência respiratória tenham mostrado alterações significativas em ambas, esses achados não são suficientes para confirmar que o uso de máscaras N95/PFF2 causa alterações significativas nessas variáveis. A resistência respiratória, que foi medida de modo não invasivo por meio de cânula nasal e testes metabólicos, mostrou-se aumentada em um dos dois estudos em que foi avaliada.(12,16) Com intervenções diferentes e amostras pequenas, a resistência respiratória é uma variável a respeito da qual não há consenso quanto às alterações causadas pelo uso de máscaras N95/PFF2.
 
Alguns estudos mostraram que a resistência respiratória aumenta com o uso de máscaras N95 durante exercícios aeróbicos de intensidade leve a moderada.(1,12,24) Embora o número de estudos tenha aumentado, faltam estudos experimentais e longitudinais bem delineados que avaliem as alterações fisiológicas causadas pelo uso de máscaras. Os estudos que avaliaram a resistência respiratória incluídos nesta revisão confirmam que o uso de máscaras N95/PFF2 durante exercícios aeróbicos leves a intensos influencia significativamente essa variável.(6,16) A resistência respiratória tem sido alvo de estudos grandes, especialmente em virtude da pandemia de COVID-19; portanto, a redução do VO2máx, a diminuição da ventilação inspiratória e a formação de um núcleo reinalatório de pressão negativa permanecem sob investigação.(8,12,24-26)
 
Resultados conflitantes também foram observados nos seis estudos que avaliaram a percepção de esforço na escala de Borg.(6,16,19-22) Três dos estudos mostraram alterações cada vez mais significativas,(21-23) ao passo que os outros três mostraram que não houve alterações significativas.(6,16,19) São necessários mais estudos clínicos para preencher essa lacuna, porque as diferenças entre os estudos quanto às intervenções, características dos pacientes e intensidade do exercício não nos permitiram analisar a correlação entre alterações na percepção de esforço e as amostras dos estudos.
 
As evidências construídas na década de 1990 sugerem que o estímulo gasoso restritivo aos quimiorreceptores de oxigênio causado pelo núcleo respiratório das máscaras faciais resulta em diminuição do oxigênio disponível, desencadeando estímulo simpático e aumentando a FC e FR por meio da ativação do grupo respiratório ventral pela ação dos nervos vago e glossofaríngeo na regulação positiva desses quimiorreceptores.(27,28) No entanto, tem sido questionada a hipótese de que as máscaras faciais sejam capazes de causar alterações no sistema cardiorrespiratório, especialmente em virtude de seu uso generalizado durante a atual pandemia de COVID-19, que demonstrou que essa hipótese é inconsistente com os resultados de estudos a esse respeito.
 
Dos 5 estudos que avaliaram a FR, apenas 1 mostrou uma alteração significativa que contribuiu para a diminuição da FR, uma achado que pode ser atribuído ao pequeno tamanho da amostra (N = 12). Não se pode confirmar a variação entre a intensidade do estímulo cardiorrespiratório e a explosão (burst), nem as alterações relacionadas ao uso de máscaras. Ensaios clínicos com intervenções diferentes e amostras maiores são necessários para que se possa chegar a uma conclusão definitiva.(1,2,6,12-14,16,17,26-28) Rebmann et al.(20) também avaliaram essas variáveis; entretanto, as avaliações foram realizadas com os participantes usando máscara N95 ou máscara N95 e máscara cirúrgica, sem alterações consideráveis. Por outro lado, Fikenzer et al.(12) observaram uma diminuição da FR. No estudo em questão,(12) que é um dos cinco que analisaram a variabilidade da FR, a intervenção consistiu em exercício incremental realizado em cicloergômetro a uma velocidade de 60-70 rpm, com aumento de 50 W na carga (com rampa) a cada 3 min até a exaustão voluntária. Isso reforça a suposição de que a variabilidade e intensidade do exercício aeróbico desempenham um papel altamente relevante nas alterações clínicas. Em estudos recentes,(5,13,14) foram investigados indivíduos que apresentavam DPOC de gravidade variável e que usaram máscaras faciais; observou-se que o uso de máscaras causa alterações significativas em alguns dos parâmetros fisiológicos supracitados, especialmente em parâmetros respiratórios, e quanto mais grave a doença, mais significativas as alterações. Portanto, as condições clínicas e a intensidade do exercício aeróbico têm forte relevância clínica.
 
Não houve alterações significativas na FC, PA e SpO2 em indivíduos na faixa etária de 7 a 64 anos com máscaras N95/PFF2 em comparação com aqueles sem máscara.(6,7,12,16-18,21,22) Dos 10 estudos incluídos nesta revisão, 8 incluíram a PA nas variáveis estudadas, e nenhuma das intervenções resultou em alterações significativas na PA.(6,12,17,18-23) Assim, não se pode inferir que a PA mude significativamente durante e após o uso da máscara porque as intervenções aeróbicas foram de intensidade leve a moderada em amostras compostas por 12-50 participantes nos estudos que mostraram ausência de alterações significativas na PA; embora esses estudos juntos tenham analisado um total de 188 indivíduos (um tamanho amostral considerável), são necessários estudos que examinem amostras maiores.
 
Nos 5 estudos que analisaram a SpO2, não foram observadas alterações significativas durante o exercício submáximo (exercício aeróbico de intensidade leve a moderada); um estudo mostrou alteração significativa na SpO2 durante o exercício máximo.(6,18,19,21,22) O tamanho da amostra (um total de 198 voluntários) e as diferenças entre os estudos quanto às intervenções sugerem que máscaras N95 e PFF2 não são capazes de causar alterações na SpO2 durante exercícios aeróbicos de intensidade leve a moderada. Esses resultados podem ser conflitantes em virtude das diferenças entre os estudos quanto à intensidade do exercício.
 
Nove estudos avaliaram a FC com e sem uso de máscaras durante as intervenções, que variaram de exercícios aeróbicos de intensidade leve a moderada,(6,12,15-19,21,24) sem alterações significativas na FC. A FC foi analisada num total de 282 indivíduos. Como os achados a respeito da FC foram os mesmos em todos os 9 estudos, as alterações observadas nos indivíduos que usaram máscaras N95/PFF2 durante o exercício aeróbico parecem não ser significativas. No entanto, é importante ressaltar que alguns dos estudos que não preencheram os critérios necessários para a inclusão nesta revisão mostraram alterações significativas na FC. Essas alterações podem ser atribuídas ao tamanho da amostra, à ausência de randomização e controle (resultando em heterogeneidade e maior viés), ao tipo de máscara usada e ao período de descanso entre os picos das atividades, que foi considerado alto.
 
Uma das limitações do presente estudo é o uso de apenas um banco de dados para a recuperação de artigos. Outra limitação é o fato de que não avaliamos a qualidade das evidências pelo método Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation, que se baseia na análise do risco de viés dos estudos selecionados. Também é importante apontar as limitações dos estudos incluídos nesta revisão: (1) limitações relacionadas ao desenho do estudo (isto é, a dificuldade em avaliar parâmetros fisiológicos em indivíduos que estejam usando máscaras N95/PFF2); (2) diferenças quanto aos métodos dos estudos, incluindo diferenças de tempo de exposição, tipo de exercício aeróbico e intensidade do exercício; (3) amostras pequenas; (4) diferenças entre os estudos quanto às marcas e selos das máscaras; (5) uso ou não de válvula expiratória; (6) análises sem cegamento ou randomização inadequada; (7) período de repouso inadequado e uso da mesma amostra submetida a intervenções diferentes, introduzindo viés sistemático.
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
Este estudo sugere que o uso de máscaras N95/PFF2 durante o exercício aeróbico não tem efeitos significativos nas variáveis analisadas, sendo seu uso seguro para a saúde humana. A resistência respiratória e a percepção de esforço (avaliada por meio da escala de Borg) durante o exercício aeróbico apresentaram resultados conflitantes e inconclusivos. Portanto, são necessários mais ensaios clínicos, com amostras maiores e intervenções diferentes. Finalmente, podemos afirmar que, em casos de doenças preexistentes do sistema cardiorrespiratório, as alterações na FC, FR e SpO2 tendem a ser mais significativas.
 
AGRADECIMENTOS
 
Gostaríamos de agradecer aos dois avaliadores independentes a análise crítica e metodológica do estudo.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
GLSL, TCR, GPLSJ e MTM: concepção e desenho do estudo; análise estatística; redação do manuscrito. GLSL, TCR e GPLSJ: análise e interpretação dos dados. MTM: revisão crítica do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
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