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ISSN (on-line): 1806-3756

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Editorial

APO-vareniclina e citisina poderiam ser soluções para a escassez de vareniclina no Brasil?

Could APO-varenicline and cytisine be solutions for the shortage of varenicline in Brazil?

Paulo César Rodrigues Pinto Corrêa1, José Miguel Chatkin2

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230185

 
A presença de N-nitrosaminas em produtos farmacêuticos ganhou notoriedade em 2018, quando as agências reguladoras European Medicine Agency e U.S. Food and Drug Administration (FDA) tomaram conhecimento da presença de N-nitrosodimetilamina em antagonistas de receptores de angiotensina II (conhecidos como pertencentes à classe das “sartanas”).(1) Depois disso, houve um recolhimento concomitante dessas drogas nos Estados Unidos, países europeus, Austrália e Nova Zelândia.
 
Em 9 de junho de 2021, a Pfizer Brasil anunciou que seu tartarato de vareniclina, comercializado no Brasil como Champix®, em todas as suas formas, seria retirado do mercado temporariamente.(2) Nenhuma menção a à presença de nitrosamina foi feita. Em 16 de julho de 2021, a Pfizer USA emitiu um recall voluntário de doze lotes de vareniclina distribuídos nos Estados Unidos e Porto Rico entre junho de 2019 e junho de 2021 devido à presença de uma nitrosamina.(3) Nos meses seguintes, tanto a Pfizer EUA quanto a Pfizer Europa recolheram voluntariamente outros lotes de vareniclina, também devido a quantidades elevadas de N-nitroso-vareniclina (NNV), e subsequentemente anunciaram a interrupção da produção e distribuição da droga globalmente.(4)
 
Houve uma redução significativa do uso de vareniclina pela limitação da entrega do medicamento nas farmácias e sua consequente retirada de todo o mercado mundial. Segundo Lang et al.,(5) durante o período de restrição nos EUA (entre janeiro de 2021 e junho de 2022), não se detectou aumento na prescrição/consumo de qualquer forma de terapia de reposição de nicotina (TRN) ou de bupropiona de liberação prolongada. Os autores enfatizaram que um número considerável de fumantes provavelmente teriam desistido do tratamento de cessação do tabagismo. Aquele estudo não considerou o consumo dos referidos medicamentos sem prescrição médica (compras de TRN de venda livre), uma vez que o estudo se limitou apenas àqueles medicamentos com seguro comercial.(5)
 
Em agosto de 2021, a FDA divulgou sua análise laboratorial de produtos de vareniclina disponíveis nos EUA, informando níveis de NNV acima do limite de ingestão aceitável pela FDA em algumas amostras.(6) No mesmo documento, a Agência descreveu os métodos analíticos a serem utilizados em testes de laboratórios.(6) Poucos meses depois, em novembro de 2021, a FDA publicou uma atualização sobre as estratégias de mitigação de risco, incentivando os fabricantes a explorar abordagens para atenuar ou prevenir a formação de impurezas.(7) Após a detecção de NNV, diferentes abordagens para controlar as impurezas poderiam ter sido utilizadas. Limites baseados em segurança, como exposição diária permitida, ingestão aceitável, limiar de referência toxicológica e limites de exposição menor que a vida toda eram possibilidades.(8)
 
Os cientistas da FDA afirmaram que a NNV pode aumentar o risco de câncer se a exposição estiver acima do limite aceitável de ingestão e durante um período prolongado.(6) No entanto, não é esperado que uma pessoa que tome um medicamento contendo NNV no limite de ingestão aceitável ou abaixo dele todos os dias durante 70 anos tenha um risco aumentado de câncer. A FDA concluiu que consumir até 37 ng de NNV/dia, o limite de ingestão aceitável, era razoavelmente seguro para humanos.(6) A Agência também avaliou o risco de exposição a NNV em níveis de até 185 ng por dia e encontrou um risco adicional de câncer mínimo quando comparado com uma vida inteira de exposição ao NNV.(6)
 
Essas movimentações e constatações de agências internacionais repercutiram na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e na Pfizer Brasil, fabricante internacional desse medicamento.
 
Em 6 de julho de 2021, a ANVISA emitiu o Guia 50 versão 1 para ajudar os “patrocinadores de vareniclina” a investigar mais profundamente e lidar com a questão da contaminação de vareniclina com impurezas de nitrosaminas. Posteriormente, a ANVISA lançou uma consulta pública sobre o assunto para avaliar os riscos do uso do medicamento e como controlar as nitrosaminas potencialmente cancerígenas para uso humano.(9) Em 4 de maio de 2022, a ANVISA lançou a segunda versão do Guia 50/2022(10) e publicou a Resolução da Diretoria Colegiada n. 677/2022 sobre o controle de nitrosaminas em limites de ingestão aceitáveis.(11) A nova versão do guia entrou em vigor imediatamente e a Resolução estabeleceu que as empresas farmacêuticas deveriam desenvolver uma matriz de risco definindo claramente a sequência de avaliação dos produtos em seu portfólio, contemplando as categorias de risco como “muito alto”, “alto”, “médio”, “baixo” e “muito baixo”.(11)
 
As empresas farmacêuticas deveriam cumprir os requisitos estabelecidos nessa Resolução para a avaliação de risco de produtos classificados como de risco “muito alto” até 1º de março de 2023: esse foi o prazo final para a Pfizer Brasil e seu medicamento vareniclina. Uma revisão sobre o desenvolvimento dos métodos analíticos para a determinação de impurezas de nitrosamina e N-nitroso em produtos farmacêuticos foi publicada recentemente.(12)
 
O cenário de cessação do tabagismo no Brasil já é preocupante há algum tempo. Além da contínua escassez de vareniclina desde 2020,(13) há escassez de TRN em todas as suas formas em vários estabelecimentos do Sistema Único de Saúde (SUS). Infelizmente, ainda não há datas de reabastecimento. Até onde sabemos, o Ministério da Saúde brasileiro ainda não cogitou a importação de APO-vareniclina, o produto genérico de tartarato de vareniclina aprovado por agências internacionais como um genérico equivalente aos comprimidos de Champix®.
 
Uma alternativa à vareniclina da Pfizer são os comprimidos de tartarato de vareniclina genéricos produzidos pela PAR Pharmaceutical (Woodcliff Lake, NJ, EUA), já aprovados pela FDA.(6) Além disso, há também os comprimidos de APO-vareniclina® (Apotex Corp, Toronto, Canadá), que estão disponíveis na América do Norte e na Austrália. Ambos os produtos genéricos contêm níveis de impureza NNV abaixo da ingestão aceitável e poderiam/deveriam ser importados para permitir que os fumantes brasileiros sejam motivados a abandonar o vício com mais facilidade.
 
Outra possibilidade seria a citisina, um alcaloide que se liga com alta afinidade aos receptores nicotínicos de acetilcolina alfa4-beta2, o mesmo mecanismo de ação da vareniclina. A citisina tem sido utilizada em vários países da Europa Oriental desde a década de 1960 como uma alternativa de baixo custo na cessação do tabagismo. Agora está disponível sem necessidade de receita como uma droga útil para parar de fumar em 18 países europeus, incluindo Itália, Polônia e Portugal.(14)
 
Em 2014, Walker et al.(15) relataram que, quando combinada com apoio comportamental breve, a citisina foi superior à TRN em ajudar os fumantes a parar de fumar, mas foi associada a uma maior frequência de eventos adversos autorrelatados. Os eventos adversos mais comuns foram sintomas gastrointestinais, incluindo inchaço abdominal, gastrite e constipação. Mais recentemente, Walker et al.(14) realizaram outro estudo para determinar se a citisina era pelo menos tão eficaz quanto à vareniclina no apoio à abstinência tabágica por ≥ 6 meses em populações indígenas da Nova Zelândia. Os fumantes receberam uma prescrição de 12 semanas de citisina ou vareniclina, além de apoio comportamental de cessação de baixa intensidade do médico prescritor e de serviços comunitários para parar de fumar ou de um assistente de pesquisa. As taxas de abstinência continuada por 6 meses após a data de cessação foram de 12,1% em usuários de citisina vs. 7,9% em usuários de vareniclina (diferença de risco, 4,29%; risco relativo = 1,55).(15) No acompanhamento de 12 meses do último estudo, a taxa de cessação do tabagismo foi de 32,1% no braço de intervenção e de 7,3% no braço de controle).(14) A OR ajustada para abstinência continuada foi de 7,2 (IC95%: 4,6-11,2).(14) Eventos adversos autorrelatados ao longo de 6 meses ocorreram significativamente com mais frequência no grupo vareniclina (vareniclina: 509 eventos em 138 participantes vs. citisina: 313 eventos em 111 participantes), com razão de taxa de incidência de 0,56. Os eventos adversos comuns foram náusea, dor de cabeça e dificuldade para dormir. Os autores concluíram que a citisina, um medicamento de custo muito baixo, é segura e pelo menos tão eficaz quanto à vareniclina no apoio à cessação do tabagismo.(14)
 
Courtney et al.(16) não conseguiram demonstrar a não inferioridade da citisina em relação à vareniclina na cessação do tabagismo. Deve-se considerar, no entanto, que os autores adotaram o esquema de tratamento padrão de 25 dias para citisina, que estabeleceu como data de cessação o 5º dia após o início da medicação. Ao final do primeiro mês (momento em que o tratamento com citisina foi encerrado), a abstinência autorrelatada na semana anterior foi de 42,5% e de 32,3% com o uso de citisina e vareniclina, respectivamente. (16) Outro ponto importante a respeito desse ensaio clínico foi que o apoio comportamental foi quase nulo: os participantes foram apenas encaminhados para receber auxílio para parar de fumar por telefone.(16) Assim, valeria a pena testar um período de tratamento mais longo com citisina e com apoio comportamental apropriado em estudos futuros.
 
Houve algum investimento privado em pesquisa sobre a citisina após a comercialização e a obtenção de patente dos sais succinato de citisina(16) e mesilato de citisina(17) como novos medicamentos. Um regime de dosagem simplificado de citisina (1,5 mg e 3 mg três vezes ao dia) com dois esquemas de administração (titulação comercial vs. simplificada três vezes ao dia) dentro de um período de tratamento de 25 dias foi testado em um ensaio de fase 2b multicêntrico, duplo-cego, randomizado e placebo-controlado realizado nos EUA.(18) Os pacientes receberam 12 sessões de apoio comportamental por um membro qualificado da equipe, além de literatura de apoio e recursos on-line. A dose/esquema de 3 mg três vezes ao dia (sem titulação) (18) foi selecionada para avaliação adicional em um programa de fase 3 que foi projetado para avaliar a eficácia e segurança da dose de 3 mg três vezes ao dia quando comparada com placebo, assim como esquemas de tratamento mais longos (como sugerido por Courtney et al.(16)) para reduzir possíveis recaídas. Ambos os estudos foram concluídos; a data de conclusão do segundo estudo foi em 21 de março de 2023.(19) Seus resultados ainda não foram publicados. Achieve Life Sciences pretende desenvolver e comercializar a citisina (também conhecida como citisiniclina) nos EUA e, posteriormente, atingir outros mercados, como Europa Ocidental, Japão e América Latina.(20)
 
Houve algumas interações entre as agências reguladoras e a indústria para abordar como a NNV deve ser controlada, mas a FDA ainda não mudou sua orientação de atualização de 2020. Um banco de dados de “nitritos em excipientes” foi desenvolvido pela indústria para facilitar a avaliação de risco de medicamentos,(21,22) mas ainda há lacunas no conhecimento sobre novas nitrosaminas e mais pesquisas são necessárias para abordar as impurezas de nitrosaminas. Livrar-se da NNV é uma tarefa hercúlea: vários fatores estão envolvidos, incluindo a estrutura química da vareniclina, processos de fabricação, armazenamento e/ou condições de embalagem.
 
A vareniclina da Pfizer, o medicamento mais eficaz para a cessação do tabagismo, está indisponível no Brasil desde 2020 e não estará disponível em um futuro próximo (se é que algum dia estará novamente). No entanto, existem produtos genéricos de tartarato de vareniclina no mercado global que estão disponíveis há algum tempo em muitos países. A Lei nº 12.401 criou a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, definindo os critérios e prazos para incorporação de tecnologias no SUS.(23) A comissão é responsável por assessorar o Ministério da Saúde do Brasil sobre a incorporação ou desinvestimento de tecnologias em saúde no SUS e no desenvolvimento de diretrizes clínicas.(23) É chegado o momento de a Comissão iniciar o processo de incorporação da APO-vareniclina no SUS.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
Os autores contribuíram de forma equânime na realização deste trabalho.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
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2.            Pfizer Brasil [homepage on the Internet]. São Paulo: Pfizer; c2023 [updated 2021 June 9; cited 2023 May 1]. Comunicado Champix ® (tartarato de vareniclina). Available from: https://www.pfizer.com.br/noticias/ultimas-noticias/informacoes-comerciais/comunicado-champix-tartarato-de-vareniclina
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