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ISSN (on-line): 1806-3756

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Editorial

Imunomodulação adjuvante na pneumonia adquirida na comunidade grave

Adjunctive immunomodulation in severe community-acquired pneumonia

James Bradley1, Shriya Khurana1, Rodrigo Cavallazzi1

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230248

 
A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é comum, afeta desproporcionalmente pessoas economicamente desfavorecidas e é uma das principais causas de morte no mundo. Pacientes com PAC podem apresentar um amplo espectro de gravidade. A maioria dos pacientes não requer hospitalização e geralmente passam bem. Em pacientes hospitalizados, no entanto, esse cenário é diferente. No Brasil, ocorreram 392.169 internações por pneumonia em indivíduos ≥ 15 anos em hospitais acompanhados pelo Sistema Único de Saúde em 2022. (1) Desses, 64.704 foram a óbito hospitalar, resultando em uma taxa de mortalidade de 16,5 %.(1) As taxas de mortalidade tornam-se ainda mais assustadoras quando se foca nos pacientes que necessitam de cuidados em UTI, que representam aproximadamente 20% dos pacientes hospitalizados com PAC. Um estudo realizado em Louisville, EUA, mostrou que pacientes adultos com PAC que necessitam de cuidados em UTI têm taxas de mortalidade em 30 dias e em 1 ano de 27% e 47%, respectivamente.(2)
 
Diferentes caminhos de pesquisa estão sendo desenvolvidos para combater a mortalidade excessivamente alta de pacientes com PAC grave. Isso inclui novos testes de diagnóstico, desenvolvimento e teste de antimicrobianos, novos medicamentos contra patógenos (por exemplo, anticorpos monoclonais), vias clínicas e pesquisas fundamentais sobre a patogênese da doença. O reconhecimento de que muitos pacientes com PAC desenvolvem inflamação contínua e falência de órgãos, apesar de serem capazes de erradicar o patógeno causador no início da infecção, despertou o interesse na resposta do hospedeiro e na imunomodulação.(3)
 
A resposta imune do hospedeiro à PAC envolve uma interação complexa entre respostas imunes inatas e adaptativas, receptores de reconhecimento de padrões, inflamassomas, epitélio das vias aéreas e macrófagos alveolares.(4) Essa resposta imune pode se tornar desregulada em alguns pacientes, resultando em falência de órgãos, complicações cardiovasculares, piora da hipóxia e morte. Os glicocorticoides sistêmicos foram testados como terapia adjuvante para imunomodular a resposta do hospedeiro e melhorar os resultados em pacientes com PAC. Curiosamente, foi estabelecido o papel benéfico dos glicocorticoides sistêmicos no tratamento de etiologias específicas da PAC, como infecção grave por COVID-19 e Pneumocystis jirovecii.(5,6)
 
E se os glicocorticoides sistêmicos também mostrassem um benefício na mortalidade como terapia adjuvante para pacientes com PAC grave de qualquer etiologia? Isso seria um avanço dado que os glicocorticoides sistêmicos são baratos e a PAC (e a PAC grave) é comum. Recentemente, dois grandes ensaios clínicos randomizados tentaram abordar essa questão, mas superficialmente, pois não forneceram resultados uniformes.(7,8) No estudo de Dequin et al. (estudo CAPE COD),(7) que incluiu 795 pacientes, os dados mostram que o uso precoce de hidrocortisona reduziu a taxa de mortalidade em 28 dias (6,2%; IC95%: 3,9-8,6 no grupo hidrocortisona vs. 11,9%; IC95%: 8,7-15,1 no grupo placebo; p = 0,006), reduziu a necessidade de intubação endotraqueal e reduziu o número de pacientes que necessitam de vasopressores, sem diferença na incidência de infecções hospitalares. Por outro lado, no estudo de Meduri et al. (estudo ESCAPe),(8) que incluiu 584 pacientes, não houve diferença na taxa de mortalidade em 60 dias em pacientes com PAC grave tratados com metilprednisolona (16% no grupo metilprednisolona vs. 18% no grupo placebo; OR = 0,89; IC95%: 0,58-1,38; p = 0,61).
 
Embora ambos os estudos tenham sido multicêntricos, duplo-cegos, randomizados e contendo um braço placebo, existem diferenças importantes nos critérios de inclusão e exclusão desses que são dignas de nota. Para serem elegíveis para o estudo CAPE COD,(7) os pacientes deveriam ser admitidos em uma UTI ou unidade de cuidados intermediários e satisfazer um dos seguintes critérios: pontuação no Pneumonia Severity Index (Índice de Gravidade da Pneumonia) > 130, início de ventilação mecânica ou relação Pao2:Fio2 < 300 em máscara do tipo no rebreather ou cânula nasal de alto fluxo. Subsequentemente, os pacientes no braço hidrocortisona receberam glicocorticoides em até 24 h após preencherem um dos critérios de gravidade mencionados anteriormente. Havia vários critérios de exclusão (incluindo presença de choque séptico, influenza e pneumonia por aspiração), o que resultou na exclusão de aproximadamente 86% dos pacientes que foram rastreados.(7) Isso pode ter afetado negativamente a generalização do estudo. Em contraste, os pacientes do estudo ESCAPe(8) foram diagnosticados com PAC grave com base em um critério maior ou três critérios menores da American Thoracic Society/Infectious Disease Society of America para pneumonia grave e foram incluídos dentro de 72-96 h após a admissão hospitalar. Esses pacientes eram predominantemente do sexo masculino, uma vez que o estudo foi conduzido dentro da Veteran’s Health Administration.
 
A relação Pao2:FIo2 basal foi de 137-143 em pacientes no estudo CAPE COD(7) e de 181-188 no estudo ESCAPe. (8) Em ambos os estudos, a distribuição de pacientes em cada classe do Índice de Gravidade da Pneumonia foi aproximadamente semelhante. Uma diferença crítica foi o tempo desde a apresentação do paciente até a administração de glicocorticoides. O tempo médio da admissão hospitalar até o início do tratamento do estudo foi de 40 h no estudo ESCAPe.(8) O tempo médio da admissão hospitalar até a admissão na UTI foi de 5,5 h e da admissão na UTI até o início do tratamento do estudo foi de 15,3 h no estudo CAPE COD.(7) É, portanto, evidente que os glicocorticoides foram iniciados mais cedo no estudo CAPE COD.(7) Essa diferença é importante, pois o tratamento precoce tem maior probabilidade de modular a resposta inflamatória do hospedeiro e, consequentemente, levar a melhores resultados. Uma analogia extrema a isso é a resposta observada com o uso precoce de dexametasona na meningite bacteriana, que demonstrou diminuir os níveis de citocinas inflamatórias no líquido cefalorraquidiano e reduzir o edema cerebral.(9)
 
No geral, apesar de algum grau de incerteza, acreditamos que é mais provável que haja benefício no uso de glicocorticoides sistêmicos para o tratamento da PAC grave (Figura 1). O benefício na mortalidade pode ser mais evidente quando os glicocorticoides sistêmicos são iniciados mais cedo no curso da infecção. Os médicos devem estar cientes das características clínicas, como hipóxia, a qual pode ser um indicador de melhor resposta aos glicocorticoides sistêmicos, e a hidrocortisona deve ser o glicocorticoide sistêmico de escolha na ausência de dados comparativos entre as diferentes formulações de glicocorticoides.
 

 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
Os autores contribuíram igualmente para este trabalho.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Departamento de Informática do SUS - DATASUS [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; c2023 [cited 2023 Jul 23]. Morbidade Hospitalar do SUS. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/niuf.def
2.            Cavallazzi R, Furmanek S, Arnold FW, Beavin LA, Wunderink RG, Niederman MS, et al. The Burden of Community-Acquired Pneumonia Requiring Admission to ICU in the United States. Chest. 2020;158(3):1008-1016. https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.03.051
3.            Corrales-Medina VF, Musher DM. Immunomodulatory agents in the treatment of community-acquired pneumonia: a systematic review. J Infect. 2011;63(3):187-199. https://doi.org/10.1016/j.jinf.2011.06.009
4.            Kumar V. Pulmonary Innate Immune Response Determines the Outcome of Inflammation During Pneumonia and Sepsis-Associated Acute Lung Injury. Front Immunol. 2020;11:1722. https://doi.org/10.3389/fimmu.2020.01722
5.            RECOVERY Collaborative Group; Horby P, Lim WS, Emberson JR, Mafham M, Bell JL, et al. Dexamethasone in Hospitalized Patients with Covid-19. N Engl J Med. 2021;384(8):693-704. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2021436
6.            Bozzette SA, Sattler FR, Chiu J, Wu AW, Gluckstein D, Kemper C, et al. A controlled trial of early adjunctive treatment with corticosteroids for Pneumocystis carinii pneumonia in the acquired immunodeficiency syndrome. California Collaborative Treatment Group. N Engl J Med. 1990;323(21):1451-1457. https://doi.org/10.1056/NEJM199011223232104
7.            Dequin PF, Meziani F, Quenot JP, Kamel T, Ricard JD, Badie J, et al. Hydrocortisone in Severe Community-Acquired Pneumonia. N Engl J Med. 2023;388(21):1931-1941. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2215145
8.            Meduri GU, Shih MC, Bridges L, Martin TJ, El-Solh A, Seam N, et al. Low-dose methylprednisolone treatment in critically ill patients with severe community-acquired pneumonia. Intensive Care Med. 2022;48(8):1009-1023. https://doi.org/10.1007/s00134-022-06684-3
9.            Fritz D, Brouwer MC, van de Beek D. Dexamethasone and long-term survival in bacte-rial meningitis. Neurology. 2012 Nov 27;79(22):2177-9. https://doi.org/10.1212/WNL.0b013e31827595f7

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