A DPOC é uma condição heterogênea, progressiva e potencialmente grave. Sua complexidade e impacto na qualidade de vida dos pacientes demandam abordagens multidisciplinares e estratégias de manejo eficazes. Frequentemente vemos publicados e validados para a língua portuguesa questionários e escores de risco que se propõem a quantificar diversos aspectos da DPOC.
A diversidade de questionários disponíveis para a DPOC reflete a complexidade da doença e a necessidade de abordar suas diferentes facetas: desde questionários que abordam sintomas (como a escala modified Medical Research Council,(1) assim como o escore COPD Assessment Test,(2) hoje incorporados na classificação da doença pelo documento da GOLD),(3) os que abordam atividades de vida diária,(4,5) os que são recomendados para avaliar o impacto da doença e o estado de saúde do paciente,(6,7) até questionários que investigam a qualidade de vida.(8,9) Escores de risco também são diversos na DPOC: existem escores para rastreamento,(10) assim como para predizer o risco de se desenvolver DPOC(11) e de mortalidade ou complicações na exacerbação aguda da DPOC (EA-DPOC). A variedade de instrumentos disponíveis é enorme, e uma rápida pesquisa bibliográfica mostra o quanto da ciência voltada para a DPOC consiste na elaboração, tradução e adaptação de questionários.
Isso não é por acaso. A elaboração e validação de questionários têm se mostrado uma oportunidade valiosa para o ensino de metodologia de pesquisa e para a formação de alunos de pós-graduação. O desenvolvimento dessas ferramentas exige entendimento da doença, bem como competências em estatística e psicometria. Assim, o processo de criação de questionários não apenas contribui para o avanço da pesquisa na área, mas também enriquece a formação acadêmica e científica de futuros pesquisadores.(12)
No entanto, é importante ressaltar que a DPOC é uma doença multifacetada, com diversas dimensões a serem consideradas durante a avaliação clínica. Sintomas respiratórios, comorbidades, aderência ao tratamento e uso adequado de dispositivos inalatórios são apenas algumas das áreas críticas que requerem atenção durante uma consulta. Muitos questionários disponíveis são extensos e complexos, o que pode dificultar o seu uso na prática clínica real. Numa avaliação de um paciente com EA-DPOC é impraticável o uso de vários escores ou mesmo de apenas um de longa aplicação.
Nesse sentido, ao desenvolver um questionário ou um escore de risco para uso na DPOC, os pesquisadores devem ter em mente a sua aplicabilidade em um cenário clínico. É fundamental que essas ferramentas sejam projetadas de forma a fornecer informações relevantes para apoiar a tomada de decisões médicas como hospitalização, necessidade de ventilação não invasiva ou de monitorização em terapia intensiva.
Os dados coletados por meio dos questionários devem ser capazes de agregar valor à conduta médica no monitoramento da evolução da doença e na avaliação da eficácia do tratamento. Mais do que isso, devem ser objetivos, de fácil entendimento e aplicação e de fácil consulta dos resultados.(12)
Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, um estudo teve como objetivo avaliar o desempenho de quatro diferentes escores de risco na previsão de desfechos durante e após hospitalização por EA-DPOC.(13) Esse estudo retrospectivo incluiu 119 pacientes admitidos com EA-DPOC, e diversos desfechos foram avaliados. Os escores National Early Warning Score (NEWS88-92% e NEWS2) mostraram-se úteis para certos desfechos como hospitalização prolongada e uso de ventilação não invasiva, mas não foram tão eficazes quanto os escores Dyspnea, Eosinopenia, Consolidation, Acidemia, and atrial Fibrillation (DECAF e DECAF modificado) na previsão de mortalidade. O uso do NEWS88-92% levou a uma redução de 8,9% na indicação de avaliação médica urgente em relação ao questionário NEWS2. Apesar do fato que o estudo foi unicêntrico e com um número pequeno de indivíduos para uma conclusão definitiva, ele apontou para a superioridade do NEWS88-92% nesse contexto.(13)
Não surpreende, no entanto, que o estudo tenha demonstrado que cada questionário teve melhor desempenho na avaliação do resultado específico para o qual fora projetado. Os escores NEWS são utilizados para reconhecer o risco de deterioração clínica durante a internação. Já os escores DECAF são utilizados para estimar a mortalidade em EA-DPOC. Essa descoberta está alinhada com o conhecimento existente na área e reforça a importância do uso de ferramentas apropriadas para fins específicos.
Em resumo, questionários e escores de risco têm um papel crucial na pesquisa e no manejo clínico da DPOC. No entanto, sua utilização eficaz requer um equilíbrio entre a abordagem abrangente da doença e a praticidade na aplicação desses no dia a dia. Ao continuar desenvolvendo e aprimorando essas ferramentas, os pesquisadores e profissionais de saúde devem concentrar-se em contribuir significativamente para o avanço no tratamento e na qualidade de vida dos pacientes com DPOC, e não apenas utilizá-las como projetos para a formação acadêmica de novos pesquisadores.
REFERÊNCIAS
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