AO EDITOR, Os cigarros eletrônicos ou electronic nicotine delivery systems (ENDS, sistemas eletrônicos de administração de nicotina) e similar systems without nicotine (SSWN, sistemas similares sem nicotina) têm sido alguns dos produtos mais populares nas últimas décadas. Em todo o mundo, a sua comercialização bem-sucedida tem sido especialmente eficaz entre a população com menos de 30 anos de idade.(1) Ainda não se sabe muito sobre como os cigarros eletrônicos podem afetar a saúde humana.(2) Embora vários autores tenham sido abertamente contra os potenciais riscos associados aos produtos químicos contidos em dispositivos ENDS ou SSWN, alguns dos quais são considerados tóxicos e cancerígenos,(3) somente em 2020 é que o código U07.0 da Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID-10) foi utilizado para se referir a doenças associadas ao vaping.(4)
Neste contexto, analisamos os primeiros dados sobre doenças relacionadas ao vaping na população colombiana. Compilamos microdados da Encuesta Nacional sobre Consumo de Sustancias Psicoativas (ENCSP, Pesquisa Nacional de Substâncias Psicoativas) de 2019 e do Sistema de Información de Prestaciones de Salud (RIPS, Sistema de Informação de Prestações de Saúde), incluindo sexo, idade, localização e condição final (vivos ou falecidos) entre janeiro de 2020 e julho de 2022.(5) Os dados de cada base de dados foram analisados separadamente. As associações com o uso de cigarro eletrônico ou vaping foram estimadas usando razões de prevalência (RP) brutas e respectivos IC95%. As RP ajustadas foram obtidas por meio de regressões de Poisson com o software R, versão 4.2.1 (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria). A seleção das variáveis foi baseada em duas revisões sistemáticas da literatura.(6)
Ao analisar os dados da ENCSP, descobrimos que a prevalência do uso de cigarros eletrônicos foi de 4,37% (IC95%: 4,20-4,56). O consumo regular de cigarros eletrônicos no país concentrou-se principalmente em Bogotá, Caldas, Antioquia, Valle del Cauca e Boyacá, que representavam 60,1% dos usuários. Ao estratificar o uso de maconha com o consumo de tabaco, constatou-se que 26,4% (n = 2.635/9.954) dos fumantes com idade igual ou inferior a 45 anos consumiam regularmente maconha. No grupo acima de 45 anos, a proporção de fumantes de cigarro e maconha foi de 10% (n = 680/6.603). Na relação entre a análise do uso de vaping e cigarros, constatou-se que, no grupo com idade menor ou igual a 45 anos, 76,8% (n = 1.535/1.998) dos vapers também eram fumantes. Por sua vez, constatou-se que 95,0% (n = 171/180) das pessoas com mais de 45 anos eram vapers e fumantes de cigarros. Um total de 42,2% (n = 845/1.998) dos vapers com idade menor ou igual a 45 anos consumiam regularmente maconha. Essa proporção caiu para 27,33% (n = 49/180) no grupo acima de 45 anos. Na análise múltipla constatou-se que idade (RP = 0,932; IC95%: 0,928-0,936; p < 0,001), sexo masculino (RP = 1,27; IC95%: 1,16-1,39; p < 0,001), tabagismo (RP = 6,42; IC95%: 5,73-7,20; p < 0,001) e uso de maconha (RP = 2,36; IC95%: 2,15-2,59; p < 0,001) foram variáveis independentes associadas ao risco de vaping (Tabela 1). Foi encontrada uma relação linear entre o nível socioeconômico e o risco de vaping (χ2 = 385,102; p-trends < 0,01).
No banco de dados RIPS, observamos 245 casos de doenças relacionadas ao vaping. A maioria dos casos notificados ocorreu em homens com idade superior a 45 anos (82,8%). Foram notificados 59 óbitos no período avaliado. Novamente, a mortalidade ocorreu principalmente entre homens (p < 0,05) com mais de 60 anos. Os departamentos que relataram mortes por doenças relacionadas ao vaping foram Antioquia (69%) e Boyacá (27%), seguidos por Sucre (1,69%) e Tolima (1,69%). A taxa de gravidade foi de 24,38% (IC95%: 19,40-30,16). Não encontramos associações das variáveis independentes sexo, idade e plano de saúde com mortalidade (p > 0,05).
Lesões pulmonares associadas ao uso de cigarros eletrônicos ou vaping são uma realidade que representa um risco à saúde na Colômbia. Verificou-se que a prevalência de consumo de cigarros eletrônicos foi de 4,37%. Relatórios recentes do Brasil mostraram que 7,3% (IC95%: 6,0-8,9) das pessoas usaram cigarros eletrônicos ou narguilés em algum momento de suas vidas, e adultos jovens têm as maiores taxas de experimentação de cigarros eletrônicos (19,7%; IC95%: 15,1-17,0).(7) No presente estudo, os departamentos com maior consumo de tabaco coincidiram com aqueles com as maiores taxas de casos de doenças relacionadas ao vaping. Além disso, foi possível determinar um risco maior de consumo de cigarro eletrônico em homens com menos de 45 anos que também consumiam regularmente cigarros ou maconha. Esse achado é consistente com os relatados na literatura, que documentou maior consumo na população adulta jovem.(8)
O consumo concomitante de maconha e cigarros eletrônicos relatado nos dados do ENCSP de 2019 é impressionante. Nossos resultados são consistentes com os relatados na literatura.(9) Uma meta-análise com foco na avaliação do uso concomitante de cigarro eletrônico e maconha em adolescentes descobriu que aqueles que relataram uso de cigarro eletrônico tinham uma chance 6,04 vezes maior (OR = 6,04; IC95%: 3,80-9,60) de relatar o uso de maconha do que aqueles que não fumavam.(9) Alguns autores ressaltaram que a estratégia atual de identificar lesões pulmonares associadas aos cigarros eletrônicos tem limitações. O anúncio da inclusão de doenças relacionadas ao vaping na CID-10-CM (Clinical Modification) U07.0 no final de 2019 foi ofuscado pela pandemia de COVID-19, reduzindo o potencial de sua aceitação universal.(10)
Não é novidade que o tabagismo continua a ser um fator de risco significativo para um número considerável de desfechos negativos na saúde. Contudo, o tabagismo está se tornando menos comum, e esses usuários estão migrando para produtos ENDS ou SSWN. Neste sentido, é imperativo que os países latino-americanos desenvolvam um núcleo regulatório que permita caracterizar a oferta de produtos existentes no mercado para determinar o conteúdo de substâncias químicas que possam ter um efeito negativo na saúde humana. A incorporação de sabores e odores, que podem incentivar o uso desses produtos por menores de idade, também deve ser proibida.
Uma interpretação adequada desses achados deve considerar que os dados analisados a partir dos registros de prestação de serviços de saúde podem apresentar limitações. Primeiro, existem aspectos relacionados com a qualidade dos dados, e a falta de divulgação de informações sobre a apresentação clínica das doenças relacionadas ao vaping reduz a possibilidade de sua identificação. Por outro lado, a CID-10 U07.0 relatada no RIPS pode ter vieses e até ter sido usada incorretamente.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES JMR, AJI e JN: concepção/desenho do estudo e redação do manuscrito. YT, JMR e AJI: análise de dados. Todos os autores contribuíram para a edição e revisão do rascunho e aprovaram a versão final do manuscrito.
CONFLITOS DE INTERESSE Nenhum declarado.
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2. Wamamili B, Lawler S, Wallace-Bell M, Gartner C, Sellars D, Grace RC, et al. Cigarette smoking and e-cigarette use among university students in Queensland, Australia and New Zealand: results of two cross-sectional surveys. BMJ Open. 2021;11(2):e041705. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2020-041705
3. Kuwabara Y, Kinjo A, Fujii M, Imamoto A, Osaki Y, Jike M, et al. Heat-not-burn tobacco, electronic cigarettes, and combustible cigarette use among Japanese adolescents: a nationwide population survey 2017. BMC Public Health. 2020;20(1):741. https://doi.org/10.1186/s12889-020-08916-x
4. Kang SY, Lee JA, Cho HJ. Trends in the ease of cigarette purchase among Korean adolescents: evidence from the Korea youth risk behavior web-based survey 2005-2016. BMC Public Health. 2018;18(1):1242. https://doi.org/10.1186/s12889-018-6151-9
5. Hickman E, Jaspers I. Evolving chemical landscape of e-cigarettes, 2021. Tob Control. 2022;31(e1):e1-e2. https://doi.org/10.1136/tobaccocontrol-2021-056808
6. Farsalinos KE, Voudris V, Spyrou A, Poulas K. E-cigarettes emit very high formaldehyde levels only in conditions that are aversive to users: A replication study under verified realistic use conditions. Food Chem Toxicol. 2017;109(Pt 1):90-94. https://doi.org/10.1016/j.fct.2017.08.044
7. Na CJ, Jo SH, Kim KH, Sohn JR, Son YS. The transfer characteristics of heavy metals in electronic cigarette liquid. Environ Res. 2019;174:152-159. https://doi.org/10.1016/j.envres.2019.04.025
8. Organización Panamericana de la Salud(OPS)/Organización Mundial de la Salud Americas [homepage on the Internet]. Washington, DC: OPS [updated 2019 Nov; cited 2022 Aug 11]. Vapeo - Comunicado de la Organización Mundial de la Salud (OMS). Available from: https://www.paho.org/es/relacsis/foro-dr-roberto-becker/vapeo-comunicado-organizacion-mundial-salud-oms
9. Chaparro-Narváez PE, Jiménez-Serna MM, Pio de la Hoz-Restrepo F. Identification of knowledge about the quality of mortality information in Bogotá [Article in Spanish]. Rev Salud Publica (Bogota). 2017;19(6):766-771. https://doi.org/10.15446/rsap.v19n6.35377
10. Kim J, Lee S, Chun J. An International Systematic Review of Prevalence, Risk, and Pro-tective Factors Associated with Young People’s E-Cigarette Use. Int J Environ Res Pu-blic Health. 2022;19(18):11570. https://doi.org/10.3390/ijerph191811570