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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Situação vacinal e desfechos em pacientes com COVID-19 em estado crítico

Vaccination status and outcomes in critical COVID-19 patients

Pedro Nogueira Costa1, João Oliveira Pereira1, Aurea Higon Cañigral2, Elena Martinez Quintana2, Juan Miguel Sanchez-Nieto2, Pablo Bayoumy Delis2, Ana Renedo Villarroya2, Laura Lopez Gomez2, Nuria Alonso Fernandez2, Andrés Carrillo Alcaraz2

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230116

ABSTRACT

Objective: To analyze the clinical characteristics and outcomes of patients with COVID-19-related acute respiratory failure on the basis of their vaccination status at the time of ICU admission. Methods: We conducted a retrospective observational study using a prospective database of patients admitted to the ICU of a university hospital in the city of Murcia, in Spain, between January 1, 2021 and September 1, 2022. Clinical, analytical, and sociodemographic data were collected and analyzed on the basis of patient vaccination status. We adjusted for confounding variables using propensity score matching and calculated adjusted ORs and 95% CIs. Results: A total of 276 patients were included in the study. Of those, 8.3% were fully vaccinated, 12% were partially vaccinated, and 79.7% were unvaccinated. Although fully vaccinated patients had more comorbidities, partially vaccinated patients had higher disease severity. The proportion of patients with severe acute respiratory failure was higher in the unvaccinated group, followed by the partially vaccinated group. No significant differences were found among the different groups regarding complications, duration of ventilatory support, or length of ICU/hospital stay. In the sample selected by propensity score matching, the number of patients with severe complications and the in-hospital mortality rate were higher in unvaccinated patients, but the differences were not significant. Conclusions: This study failed to show a significant improvement in outcomes in critically ill COVID-19 patients vaccinated against SARS-CoV-2. However, the CIs were wide and the mortality point estimates favored patients who received at least one dose of COVID-19 vaccine.

Keywords: COVID-19; Vaccination; Critical care.

RESUMO

Objetivo: Analisar as características clínicas e desfechos de pacientes com insuficiência respiratória aguda por COVID-19 com base na situação vacinal no momento da admissão na UTI. Métodos: Estudo observacional retrospectivo com um banco de dados prospectivo de pacientes admitidos na UTI de um hospital universitário em Múrcia, na Espanha, entre 1º de janeiro de 2021 e 1º de setembro de 2022. Dados clínicos, analíticos e sociodemográficos foram coletados e analisados com base na situação vacinal dos pacientes. Por meio de pareamento por escore de propensão, foram realizados ajustes de modo a levar em conta as variáveis de confusão. Além disso, foram calculadas as OR ajustadas e IC95%. Resultados: Foram incluídos no estudo 276 pacientes. Destes, 8,3% apresentavam vacinação completa, 12% apresentavam vacinação incompleta e 79,7% não haviam sido vacinados. Embora os pacientes com vacinação completa apresentassem mais comorbidades, os com vacinação incompleta apresentavam doença mais grave. A proporção de pacientes com insuficiência respiratória aguda grave foi maior nos não vacinados, seguidos daqueles com vacinação incompleta. Não foram observadas diferenças significativas entre os diferentes grupos quanto a complicações, tempo de suporte ventilatório ou tempo de internação na UTI/hospital. Na amostra selecionada pelo pareamento por escore de propensão, o número de pacientes com complicações graves e a taxa de mortalidade hospitalar foram maiores em pacientes não vacinados, mas as diferenças não foram significativas. Conclusões: Este estudo não conseguiu demonstrar uma melhoria significativa dos desfechos em pacientes com COVID-19 em estado crítico e vacinados contra o SARS-CoV-2. No entanto, os IC foram amplos e as estimativas pontuais de mortalidade favoreceram os pacientes que receberam pelo menos uma dose de vacina contra a COVID-19.

Palavras-chave: COVID-19; Vacinação; Cuidados críticos.

INTRODUÇÃO
 
Desde o início da pandemia de COVID-19, sucessivas ondas epidêmicas foram controladas principalmente por medidas de isolamento social e pela adoção generalizada de precauções de barreira para prevenir a transmissão do SARS-CoV-2.(1) No fim de 2020, diferentes vacinas foram introduzidas com o objetivo de prevenir a transmissão e diminuir a gravidade da doença.(2,3) A gravidade da doença pode ser avaliada pela extensão da pneumonia na TC de tórax,(4,5) pela necessidade de internação hospitalar e/ou na UTI, pela necessidade de suporte respiratório e pela mortalidade.(6-11) Várias meta-análises mostram que existe relação entre vacinação e diminuição da gravidade da doença, mas as evidências a respeito do efeito da vacinação na transmissão viral são menos robustas. (9-11) As vacinas de RNA mensageiro têm sido as mais administradas em todo o mundo e, apesar de sua eficácia imperfeita na prevenção da transmissão viral, têm sido associadas à redução da hospitalização, admissão na UTI e mortalidade, embora os mecanismos subjacentes ainda não tenham sido totalmente compreendidos.(12)
 
É menos claro o papel da vacinação prévia em pacientes com COVID-19 em estado crítico e com necessidade de internação na UTI ou com SDRA. Vários estudos analisaram os desfechos de pacientes internados na UTI com base na situação vacinal, mas os resultados são conflitantes.(13-16) Em um estudo multicêntrico realizado na Grécia com 256 pacientes com SDRA, a mortalidade foi menor em indivíduos com vacinação completa.(14) Em um estudo realizado em uma UTI na Espanha, a vacinação completa relacionou-se com menos complicações e menor mortalidade, embora as diferenças não tenham sido significativas.(13) Por outro lado, não se observou nenhuma diferença de mortalidade entre pacientes vacinados e não vacinados em estudos multicêntricos realizados na Itália(15) e na Austrália.(16) Todos os estudos supracitados foram realizados entre junho de 2021 e fevereiro de 2022, quando as variantes predominantes do SARS-CoV-2 eram a Delta e depois a Ômicron. A comparação dos resultados dos estudos é dificultada pelas diferentes classificações da situação vacinal e pela exclusão de pacientes com vacinação incompleta em alguns estudos.(15)
 
O objetivo deste estudo foi analisar as características clínicas e desfechos de pacientes com insuficiência respiratória aguda (IRA) decorrente de COVID-19 com base na situação vacinal no momento da admissão na UTI.
 
MÉTODOS
 
Trata-se de um estudo observacional retrospectivo com um banco de dados prospectivo de pacientes admitidos na UTI de um hospital universitário em Múrcia, na Espanha. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição.
 
Pacientes
 
Nosso estudo incluiu todos os pacientes com idade ≥ 18 anos admitidos consecutivamente na UTI entre 1º de janeiro de 2021 e 1º de setembro de 2022 por IRA decorrente de COVID-19. Os critérios diagnósticos foram a confirmação microbiológica de COVID-19, isto é, resultado positivo no teste de RT-PCR (REALQUALITY RQ-2019-nCoV; AB ANALITICA s.r.l., Pádua, Itália ou QuantiTect Probe RT-PCR Kit; QIAGEN, Hilden, Alemanha), e a presença de infiltrados pulmonares em exame de imagem.
 
O suporte respiratório inicial foi adaptado ao estado clínico do paciente. A oxigenoterapia com cânula nasal de alto fluxo foi usada preferencialmente em pacientes com FR < 25 ciclos/min e relação PaO2/FiO2 = 150-200 mmHg. Nos casos de hipoxemia grave (PaO2/FiO2 < 150 mmHg), a abordagem de escolha foi a ventilação não invasiva com pressão positiva, principalmente CPAP. A ventilação não invasiva (VNI) foi fornecida pelos ventiladores VISION® e V60® (Philips Respironics, Murrysville, PA, EUA). A CPAP foi iniciada com pressão de 10 cmH2O e, se necessário, aumentada progressivamente até que chegasse a 15 cmH2O. Nos casos em que se selecionou a BiPAP, a expiratory positive airway pressure (EPAP, pressão positiva expiratória nas vias aéreas) inicial também foi de 10-15 cmH2O, sem que a pressão positiva inspiratória nas vias aéreas excedesse a EPAP em mais de 5 cmH2O. A máscara oronasal foi a interface de escolha no início do suporte ventilatório. A intubação endotraqueal e a ventilação mecânica invasiva foram as principais intervenções usadas para prevenir a parada cardiorrespiratória iminente. Independentemente do suporte respiratório, o objetivo era manter uma SpO2 de 92-96% nos casos de IRA hipoxêmica e uma SpO2 de 88-92% nos casos de IRA hipercápnica. Nos pacientes submetidos a VNI, administrou-se fentanil rotineiramente para aumentar a tolerabilidade. No entanto, houve casos em que foi necessário mudar para outro medicamento ou complementá-lo com sedativos ou neurolépticos, particularmente em casos de intolerância persistente ou delírio. Ventilação protetora e pronação periódica foram usadas em pacientes submetidos a intubação endotraqueal e ventilação mecânica invasiva.
 
Variáveis do estudo e análise estatística
 
Dados clínicos e analíticos foram coletados no momento da admissão e durante a hospitalização. Variáveis sociodemográficas, clínicas (isto é, sinais e sintomas relatados pelo próprio paciente) e analíticas foram analisadas. O estado clínico e a gravidade da doença foram determinados pela pontuação obtida no Simplified Acute Physiology Score II no momento da admissão(17) e pela pontuação diária no SOFA.(18) A carga de comorbidades foi avaliada pelo Índice de Comorbidade de Charlson.(19)
 
As ondas de COVID-19 foram as seguintes: 1ª onda, de 3 de novembro de 2020 a 23 de abril de 2020; 2ª onda, de 13 de agosto de 2020 a 8 de dezembro de 2020; 3ª onda, de 23 de dezembro de 2020 a 24 de março de 2021; 4ª onda, de 6 de abril de 2021 a 26 de maio de 2021; 5ª onda, de 9 de julho de 2021 a 29 de outubro de 2021 e 6ª onda, de 9 de novembro de 2021 a 23 de março de 2022. Após a 6ª onda, houve apenas casos esporádicos de COVID-19.
 
As principais variáveis referentes aos pacientes estão minuciosamente descritas na Tabela S1 do material suplementar. Os desfechos primários do estudo foram a mortalidade hospitalar e as complicações decorrentes da COVID-19 e do suporte respiratório usado. Foram analisadas as seguintes complicações: hiperglicemia (≥ duas medidas consecutivas de glicemia ≥ 180 mg/dL e necessidade de insulina); sangramento grave (queda ≥ 2 g/L do nível de hemoglobina); lesão renal aguda (aumento ≥ 1,5 vezes dos níveis de creatinina em relação ao valor basal acompanhado de oligúria); agitação/delírio hiperativo (perturbação aguda e flutuante da consciência e das funções cognitivas acompanhada de hiperatividade muscular com necessidade de medicação para controle); fraqueza muscular adquirida na UTI (eletromiografia mostrando polineuropatia ou miopatia da doença crítica); doença tromboembólica (um ou mais episódios de trombose venosa profunda ou embolia pulmonar); fibrilação atrial (não presente no momento da admissão); acidente vascular cerebral (déficit neurológico sustentado causado por doença cerebral isquêmica ou hemorrágica); barotrauma (presença de ar na cavidade pleural ou mediastino durante o suporte respiratório) e infecção hospitalar (infecção da corrente sanguínea relacionada ao cateter, pneumonia nosocomial ou infecção do trato urinário).
 
Os pacientes foram categorizados com base na situação vacinal no momento da infecção pelo SARS-CoV-2, da seguinte forma: a) vacinação completa: pacientes que receberam a(s) dose(s) necessária(s) de vacina, inclusive a(s) dose(s) de reforço (caso tenha(m) sido aprovada(s) pelas autoridades de saúde), e que apresentaram COVID-19 entre 14 dias e 5 meses depois da última dose; b) vacinação incompleta: pacientes que não receberam todas as doses recomendadas de vacina, inclusive a(s) dose(s) de reforço, se aprovada(s), ou que apresentaram COVID-19 menos de 14 dias ou mais de 5 meses depois da última dose; c) sem vacinação: pacientes que não receberam nenhuma vacina contra a COVID-19. A situação vacinal e o tipo de vacina administrada (caso tivesse sido administrada) foram determinados por meio de um banco de dados disponível on-line na comunidade autônoma de Múrcia, na Espanha.
 
Foram feitos três tipos de comparações. Primeiro, todos os três grupos de pacientes foram comparados com base na situação vacinal (vacinação completa, vacinação incompleta ou sem vacinação). Segundo, os pacientes com vacinação incompleta e os não vacinados foram agrupados e comparados com os pacientes com vacinação completa. Finalmente, os pacientes com vacinação completa e aqueles com vacinação incompleta também foram agrupados e comparados com aqueles sem vacinação.
 
As variáveis quantitativas são apresentadas em forma de média ± desvio padrão ou mediana (intervalo interquartil), ao passo que as variáveis qualitativas são apresentadas em forma de frequências absolutas e relativas. As comparações entre as variáveis qualitativas foram realizadas por meio do teste do qui-quadrado de Pearson ou do teste exato de Fisher. Para comparações entre variáveis quantitativas e qualitativas com duas categorias, foi empregado o teste t de Student ou o teste de Mann-Whitney. Nos casos em que uma variável qualitativa possuía três ou mais categorias, as comparações foram feitas por meio de ANOVA ou do teste de Kruskal-Wallis. A análise em que pacientes não vacinados foram comparados àqueles que receberam pelo menos uma dose de vacina foi realizada por meio de pareamento por escore de propensão (pareamento na razão de 1:1, sem reposição); o pareamento dentro da distância máxima tolerada (caliper) foi definido pelo escore de propensão. As variáveis usadas para o pareamento estavam presentes antes do início da COVID-19 e foram selecionadas para avaliar melhor a relação entre a situação vacinal e o prognóstico. As variáveis incluíram idade, sexo, obesidade, onda da pandemia de COVID-19 (agrupando os pacientes internados durante as ondas 3 e 4 e os internados durante as ondas 5, 6 e posteriormente), o Índice de Comorbidade de Charlson e o estado de imunossupressão. A distância máxima tolerada (caliper) de 0,1 do desvio padrão do logit do escore de propensão foi usada para o processo de pareamento. Para avaliar a eficácia do pareamento por escore de propensão em minimizar diferenças entre pacientes com e sem vacinação, foram calculadas as diferenças médias padronizadas para cada variável antes e depois do pareamento. Diferenças médias padronizadas < 10% foram consideradas indicativas de pareamento por escore de propensão bem-sucedido e de equilíbrio entre os dois grupos. As comparações entre os grupos pós-pareamento foram realizadas por meio do teste t de Student para dados pareados, do teste de Wilcoxon ou do teste de McNemar. Foram calculadas as OR ajustadas e IC95%.
 
Todas as análises estatísticas foram realizadas por meio do programa IBM SPSS Statistics, versão 25 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). Todos os testes foram bicaudais, e o nível de significância adotado foi de p ≤ 0,05.
 
RESULTADOS
 
Entre o início da pandemia de COVID-19 e setembro de 2022, 465 pacientes com resultado positivo de RT-PCR para SARS-CoV-2 foram admitidos na UTI. Destes, 189 foram excluídos do estudo. O fluxograma da seleção dos pacientes é apresentado na Figura S1. Foram incluídos no estudo 276 pacientes. Destes, 204 (73,9%) eram do sexo masculino, com média de idade de 58,8 ± 13,8 anos. Dos 276 pacientes incluídos no estudo, 23 (8,3%) receberam vacinação completa e 33 (12%) receberam vacinação incompleta, ao passo que 220 (79,7%) não receberam vacinação. Dos 33 pacientes com vacinação incompleta, 12 não receberam nenhum reforço que deveriam receber, 2 apresentaram COVID-19 duas semanas depois de receberem a segunda dose da vacina e 19 apresentaram a doença mais de 5 meses depois da última dose. O tipo de vacina e o número de doses recebidas nos grupos vacinados estão descritos na Tabela 1.


 
Características sociodemográficas, clínicas e background dos pacientes
 
Como se pode observar na Tabela 2, a idade foi a única característica sociodemográfica que diferiu nos três grupos de pacientes (p = 0,009). Embora os pacientes com vacinação completa tenham apresentado mais comorbidades, avaliadas pelo Índice de Comorbidade de Charlson (p < 0,001), a gravidade da doença foi maior no grupo com vacinação incompleta, seguido dos grupos com vacinação completa e sem vacinação (p < 0,001). A dispneia no momento do diagnóstico foi menos comum no grupo com vacinação completa (p = 0,009). Esses resultados se mantiveram quando os pacientes vacinados (completa ou parcialmente) foram comparados aos não vacinados, à exceção da dispneia, que não diferiu significativamente nos dois grupos.


 
O suporte respiratório de primeira linha e posterior não diferiu em nenhum dos grupos. No entanto, os níveis séricos de dímero D e LDH foram significativamente mais elevados no grupo não vacinado, ao contrário dos níveis de proteína C reativa, que foram mais elevados nos pacientes vacinados, completa ou parcialmente (Tabela 3). Embora nem a FR nem a relação PaO2/FiO2 tenham diferido nas comparações realizadas, a proporção de pacientes com IRA mais grave (PaO2/FiO2 < 100) foi maior nos não vacinados, seguidos dos parcialmente vacinados (p = 0,045). Não houve diferença entre os grupos quanto a nenhuma das variáveis relacionadas às pressões respiratórias/ventilatórias, EPAP/CPAP, PEEP, pressão de platô ou pressão de distensão.



 
Desfechos
 
Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos quanto a complicações, duração do suporte ventilatório ou tempo de internação na UTI/hospital (Tabela 4). Embora a taxa de mortalidade hospitalar tenha sido maior no grupo com vacinação incompleta (24,2%) do que nos grupos sem vacinação e com vacinação completa (20,5% e 17,4%, respectivamente), a diferença não foi significativa (p = 0,813). Não houve diferenças significativas nos desfechos do estudo entre os pacientes com vacinação completa e aqueles com vacinação incompleta ou sem vacinação, tampouco entre os pacientes com vacinação completa ou incompleta e aqueles sem vacinação.



 
Após o ajuste, o grupo de pacientes com pelo menos uma dose de vacina e o grupo de pacientes não vacinados apresentaram uma distribuição mais equilibrada de variáveis (Tabela 5). Embora o número de pacientes com complicações graves (OR = 1,49; IC95%: 0,68-3,26), VNI malsucedida (OR = 1,56; IC95%: 0,68-3,59) e mortalidade hospitalar (OR = 1,59; IC95%: 0,68-3,71) tenha sido maior no grupo sem vacinação, nenhum desses desfechos alcançou significância estatística. Não foram observadas diferenças significativas entre os dois grupos de estudo quanto às complicações analisadas no presente estudo (Tabela 6).




 

 
DISCUSSÃO
 
Neste estudo, não observamos nenhuma relação entre a situação vacinal e os desfechos em pacientes em estado crítico internados na UTI por IRA decorrente de COVID-19.
 
Desde o início da pandemia de COVID-19, um imenso esforço tem sido feito para elaborar estratégias para conter a infecção pelo SARS-CoV-2. A elaboração de vacinas e a sua disponibilização à população foi uma das prioridades. As vacinas apresentam alta eficácia na prevenção de doença grave, resultando em menores taxas de hospitalização, internação na UTI, necessidade de ventilação mecânica e, em última análise, mortalidade.(7-11) Esses achados foram observados em diferentes contextos geográficos.(20-24) No entanto, em pacientes admitidos na UTI em estado crítico em virtude da COVID-19, os desfechos e sua relação com a situação vacinal são controversos.
 
Em um estudo pequeno realizado em 2021, Morales et al. mostraram que não houve diferenças significativas entre pacientes com vacinação completa, incompleta ou sem vacinação quanto ao tempo de internação ou à mortalidade.(13) Grapsa et al. analisaram pacientes com SDRA causada por COVID-19 e a necessidade de ventilação mecânica invasiva e observaram menor mortalidade em pacientes com vacinação completa do que em controles não vacinados ou parcialmente vacinados.(14) Graselli et al. mostraram que embora a vacinação tenha diminuído o risco de internação na UTI, a situação vacinal não se relacionou com a mortalidade hospitalar ou na UTI em pacientes admitidos na UTI.(15) Finalmente, em um estudo multicêntrico com pacientes admitidos na UTI, Otto et al. mostraram que pacientes vacinados tiveram menos dias de ventilação mecânica invasiva, internação na UTI e internação hospitalar. (16) Embora a mortalidade bruta tenha sido maior em pacientes vacinados, a mortalidade ajustada pela análise multivariada não mostrou nenhuma relação entre a situação vacinal e a mortalidade hospitalar ou na UTI.
 
Como em estudos anteriores, no presente estudo os pacientes vacinados eram mais velhos e apresentavam mais comorbidades,(13-16) provavelmente porque indivíduos mais velhos e com comorbidades sejam o principal alvo das campanhas de vacinação. No grupo sem vacinação, observamos maior proporção de pacientes com IRA grave (PaO2/FiO2 < 100 mmHg) no momento da admissão na UTI, bem como níveis aumentados de LDH e dímero D, parâmetros relacionados com pior prognóstico clínico.(25) No entanto, os níveis de proteína C reativa, um parâmetro relacionado com o processo inflamatório, foram maiores nos pacientes vacinados, especialmente naqueles com vacinação completa. Não obstante, os principais resultados referentes a complicações da COVID-19, tempo de internação na UTI/hospital e mortalidade não apresentaram relação com a situação vacinal. Foram contabilizadas as variações da prevalência de diferentes variantes do SARS-CoV-2 durante o período do estudo, o que poderia ter modificado os resultados da vacinação ao ajustar a variável “onda da pandemia de COVID-19” (agrupando os pacientes internados durante as ondas 3 e 4 e os internados durante as ondas 5, 6 e posteriormente) na análise pareada.
 
Embora estudos anteriores tenham usado diferentes definições de pacientes com vacinação incompleta, usamos a definição sugerida pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, a qual também foi usada no supracitado estudo multicêntrico realizado na Grécia.(14) Essa definição leva em conta o recebimento ou não da dose de reforço, conforme recomendação das autoridades de saúde. A fim de avaliar o impacto potencial da vacinação nos desfechos clínicos em pacientes em estado crítico, fizemos comparações dividindo os pacientes em três grupos com base em sua situação vacinal. O objetivo dessas comparações foi avaliar quaisquer diferenças ou associações entre a situação vacinal e os desfechos clínicos. Em virtude das dúvidas a respeito do papel da vacinação incompleta nos desfechos dos pacientes, realizamos análises adicionais agrupando pacientes parcialmente vacinados e pacientes não vacinados e comparando pacientes não vacinados àqueles que receberam pelo menos uma dose de vacina. Nenhuma dessas análises, incluindo a análise de pareamento por escore de propensão comparando pacientes não vacinados a pacientes que receberam pelo menos uma dose de vacina, mostrou um melhor prognóstico em pacientes com vacinação completa ou incompleta. Múltiplos fatores podem contribuir para o fato de a vacinação não proteger contra a COVID-19 crítica, incluindo a idade, o tipo de vacina, a variante do vírus e a imunossupressão.(26) Além disso, outros fatores desconhecidos podem contribuir para a falta de eficácia da vacina em pacientes vacinados com COVID-19 grave. Apesar desses achados, na ausência de uma diferença estatisticamente significativa, é importante observar que as proporções de pacientes com complicações graves, VNI malsucedida e mortalidade hospitalar foram maiores em pacientes não vacinados do que naqueles que receberam pelo menos uma dose de vacina na amostra pareada pelo escore de propensão. A presença de uma OR de 1,93 para mortalidade hospitalar é relevante mesmo na ausência de significância estatística e poderia fornecer mais evidências a favor da vacinação sistemática contra a COVID-19, não só porque a vacinação pode reduzir o risco de infecção e doença grave, mas também porque os desfechos podem ser piores em pacientes não vacinados que estejam em estado crítico.
 
Nosso estudo tem várias limitações. Primeiro, embora a amostra tenha sido grande (276 pacientes em estado crítico), os grupos de pacientes com vacinação completa e incompleta foram relativamente pequenos. É possível que isso tenha tido impacto na significância estatística das diferenças entre os grupos. Segundo, por se tratar de um estudo unicêntrico cujo protocolo de trabalho baseou-se principalmente no tratamento da IRA com VNI, é possível que os resultados estejam mais relacionados com o manejo dos pacientes do que com a situação vacinal. Finalmente, analisamos todos os pacientes internados desde o início da vacinação, independentemente da variante predominante. A variante Delta predominou durante os primeiros meses após o início da vacinação, e a variante Ômicron predominou a partir de setembro de 2021. No entanto, estudos de correlação realizados na Europa mostraram que, embora não tenha melhorado significativamente a taxa de infecção nos primeiros quatro meses de 2022, a vacinação teve impacto nos sistemas de saúde, nas hospitalizações, nas internações na UTI e na mortalidade.(27) Esse benefício diminuiu no último mês de 2022, um achado que é consistente com observações anteriores e indica que, embora uma dose de reforço restaure temporariamente os níveis de anticorpos e aumente a imunidade mediada por células, a proteção contra diferentes desfechos da infecção pela variante Ômicron começa a diminuir 3-4 meses depois da administração.(27)
 
Está bem demonstrado que as vacinas previnem hospitalização, doença grave e morte por COVID-19.(28) O que não está tão claro é como pacientes vacinados ou parcialmente vacinados se saem em comparação com pacientes não vacinados em casos de IRA por COVID-19. Este estudo não conseguiu demonstrar uma melhoria significativa dos desfechos em pacientes com COVID-19 em estado crítico e vacinados contra o SARS-CoV-2. No entanto, os IC foram amplos e as estimativas pontuais de mortalidade favoreceram os pacientes que receberam pelo menos uma dose da vacina contra a COVID-19. São necessários mais e maiores estudos para determinar a conexão entre a situação vacinal e o prognóstico da COVID-19 crítica, bem como para emparelhar fatores relacionados ao paciente, tipo de vacina e variante do vírus com seus efeitos nesses pacientes.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
Pedro Nogueira Costa planejou o estudo, interpretou os dados e escreveu o artigo. Os demais autores participaram da coleta e interpretação dos dados e revisaram a versão final do artigo.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
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