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ISSN (on-line): 1806-3756

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Editorial

Examinando a incidência de subtipos de doenças pulmonares intersticiais na América do Sul

Examining the incidence of interstitial lung disease subtypes in South America

Kirsten Nesset1, Martin Kolb1

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20240028

A doença pulmonar intersticial (DPI) compreende um grupo heterogêneo de mais de 250 doenças que podem ser amplamente categorizadas como secundárias à doença do tecido conjuntivo (DTC-DPI), doença pulmonar parenquimatosa granulomatosa (pneumonite de hipersensibilidade [PH] e sarcoidose), pneumoconiose ocupacional, doença pulmonar induzida por medicamentos, fibrose pulmonar familiar ou pneumonias intersticiais idiopáticas. O último grupo inclui a fibrose pulmonar idiopática (FPI), que é o tipo prototípico de fibrose progressiva que pode levar à insuficiência respiratória e morte dentro de 4-5 anos. Num pequeno subconjunto de casos, nenhum diagnóstico unificador pode ser confirmado, e esses são frequentemente referidos como DPI não classificável. Embora muitos dos estudos epidemiológicos anteriores tenham se concentrado principalmente na FPI, a variabilidade regional na prevalência e incidência de DPI é historicamente menos bem compreendida. Este número do Jornal Brasileiro de Pneumologia apresenta a primeira literatura em língua inglesa(1) sobre a incidência de DPI na América do Sul, uma importante contribuição para a nossa compreensão global dessas doenças.
 
Grande parte da nossa compreensão atual da variabilidade da epidemiologia global da DPI foi recentemente resumida numa revisão que foi capaz de comentar sobre a incidência e prevalência das várias subclassificações de DPI na América do Norte, Europa, Ásia, Oriente Médio e Austrália, mas não a América do Sul. Na América do Norte e na Europa, a FPI e a sarcoidose foram as doenças mais prevalentes, enquanto na Ásia foi observada uma frequência relativa mais elevada de PH (10,7-47,3% na Índia, 12,3% no Paquistão). A maior variabilidade ocorreu com o diagnóstico de DTC-DPI, que variou de 7,5% na Bélgica a aproximadamente um terço dos casos no Canadá e na Arábia Saudita.(2)
 
Até hoje, houve uma lacuna notável na literatura em relação à incidência de DPI na América do Sul, e postulou-se que a falta de acesso à TC anteriormente, assim como a de avaliação patológica/radiológica, especializada tem sido um fator contribuinte.(3) No entanto, graças aos dados de registro disponíveis em seis centros de referência nacionais no Brasil, esse não é mais o caso. Usando uma revisão retrospectiva da incidência de casos de DPI desses dados ao longo de seis anos, os autores conseguiram descrever pela primeira vez a frequência relativa dos diferentes subtipos de DPI no Brasil. Enquanto outros estudos incluíram populações pequenas ou unicêntricas, esse estudo(1) é fortalecido pelo grande tamanho da amostra multicêntrica com mais de 1.000 pacientes, pela avaliação de casos atípicos por discussão multidisciplinar especializada e por uma alta proporção de casos com dados histopatológicos disponíveis. A população estudada apresentou discreto predomínio do sexo feminino com maioria de DPI fibrótica (73,7%). A DPI mais comumente diagnosticada foi DTC-DPI (26,8%), seguida de PH (23,2%) e FPI (14,1%). Estas descobertas destacam diferenças importantes na população com DPI na América do Sul; em particular, o aumento da incidência de DTC-DPI e PH é mais semelhante aos estudos recentes da Índia e da Arábia Saudita em comparação com os da Europa e América do Norte.(4,5)
 
Tem sido difícil concluir se as diferenças nas frequências relatadas de DPI representam uma verdadeira variabilidade étnica ou geográfica. Os estudos que utilizam dados de registros são sempre afetados por vieses de seleção e encaminhamento, e houve diferenças significativas na classificação das doenças (refletindo critérios diagnósticos inconsistentes ou em alteração) e nas metodologias entre os estudos. Um exemplo nesse estudo(1) é o fato de que os autores optaram por incluir DPI com características autoimunes (IPCA) com DTC-DPI, resultando em 14,7% do total de casos e contribuindo para a prevalência geral relativamente grande de DTC-DPI observada. Outro estudo que incluiu IPCA nessa categoria foi o da Arábia Saudita, que relatou um aumento semelhante na incidência de 34,8%.(5) Como apenas uma pequena porcentagem de pacientes com IPCA progride para um diagnóstico de DTC-DPI e o manejo não é padronizado,(6) a sua inclusão na CTD-ILD confirmada é discutível. No entanto, os autores justificaram-no para enfatizar que a colaboração estreita com a Reumatologia deve ser encorajada, uma vez que sua contribuição pode melhorar a especificidade do diagnóstico nessa coorte significativa de pacientes.
 
Semelhante ao CTD-ILD, a incidência de PH secundária à exposição a mofo e aves/penas aumentou no Brasil, o que foi atribuído às condições de residências com espaços internos úmidos e a um maior número de aves em cativeiro mantidas próximas a humanos na região. Noutras regiões com maior frequência de PH, como a Índia, levanta-se a hipótese de que o bolor proveniente de aparelhos de ar condicionado também possa estar implicado.(4) Ao identificar regiões com aumento de PH e seus antígenos mais prevalentes, estamos mais perto de sermos capazes de desenvolver questionários específicos regionalmente que podem ser validados e usados de forma confiável para identificar exposições relevantes, algo que já foi recomendado na literatura.(7)
 
Em resumo, estabelecer a incidência de DPI no Brasil é uma contribuição importante para a nossa compreensão global desse subconjunto de doenças e pode ser usado tanto local como internacionalmente para informar e influenciar a prática clínica e as políticas de saúde pública. Esforços futuros para definir diferenças regionais dos subtipos de DPI beneficiariam a padronização de critérios de diagnóstico e de metodologia de estudos para reduzir a heterogeneidade e elucidar melhor os potenciais fatores de risco étnicos, geográficos e ambientais para a DPI.
 
REFERÊNCIAS
 



  1. Matias SLK, Pereira CAC, Soares MR, Fernandes FCV, Moreira MAC, Baptista FMA, et al. Relative incidence of interstitial lung diseases in Brazil. J Bras Pneumol. 2024;50(1):e20230232.

  2. Kaul B, Cottin V, Collard HR, Valenzuela C. Variability in Global Prevalence of Interstitial Lung Disease. Front Med (Lausanne). 2021;8:751181. https://doi.org/10.3389/fmed.2021.751181

  3. Richeldi L, Rubin AS, Avdeev S, Udwadia ZF, Xu ZJ. Idiopathic pulmonary fibrosis in BRIC countries: the cases of Brazil, Russia, India, and China [published correction appears in BMC Med. 2021 Sep 5;19(1):220]. BMC Med. 2015;13:237. https://doi.org/10.1186/s12916-015-0495-0

  4. Singh S, Collins BF, Sharma BB, Joshi JM, Talwar D, Katiyar, et al. Interstitial Lung Disease in India. Results of a Prospective Registry. Am J Respir Crit Care Med. 2017;195(6):801-813. https://doi.org/10.1164/rccm.201607-1484OC

  5. Alhamad EH. Interstitial lung diseases in Saudi Arabia: A single-center study. Ann Thorac Med. 2013;8(1):33-37. https://doi.org/10.4103/1817-1737.105717

  6. Mackintosh JA, Wells AU, Cottin V, Nicholson AG, Renzoni EA. Interstitial pneumonia with autoimmune features: challenges and controversies. Eur Respir Rev. 2021;30(162):210177. https://doi.org/10.1183/16000617.0177-2021

  7. Johannson KA, Barnes H, Bellanger AP, Dalphin JC, Fernández Pérez ER, Flaherty KR, et al. Exposure Assessment Tools for Hypersensitivity Pneumonitis. An Official American Thoracic Society Workshop Report. Ann Am Thorac Soc. 2020;17(12):1501-1509. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.202008-942ST



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