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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Incidência relativa de doenças pulmonares intersticiais no Brasil

Relative incidence of interstitial lung diseases in Brazil

Simone Lobo Krupok Matias1, Carlos Alberto de Castro Pereira1, Maria Raquel Soares1, Flávia Castro Velasco Fernandes2, Maria Auxiliadora Carmo Moreira2, Fernanda Maciel de Aguiar Baptista3, Tarciane Aline Prata4, Gediel Cordeiro Junior4, Eliane Viana Mancuzo5

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230232

ABSTRACT

Objective: To assess the relative frequency of incident cases of interstitial lung diseases (ILDs) in Brazil. Methods: This was a retrospective survey of new cases of ILD in six referral centers between January of 2013 and January of 2020. The diagnosis of ILD followed the criteria suggested by international bodies or was made through multidisciplinary discussion (MDD). The condition was characterized as unclassifiable ILD when there was no specific final diagnosis following MDD or when there was disagreement between clinical, radiological, or histological data. Results: The sample comprised 1,406 patients (mean age = 61 ± 14 years), and 764 (54%) were female. Of the 747 cases exposed to hypersensitivity pneumonitis (HP)-related antigens, 327 (44%) had a final diagnosis of HP. A family history of ILD was reported in 8% of cases. HRCT findings were indicative of fibrosis in 74% of cases, including honeycombing, in 21%. Relevant autoantibodies were detected in 33% of cases. Transbronchial biopsy was performed in 23% of patients, and surgical lung biopsy, in 17%. The final diagnoses were: connective tissue disease-associated ILD (in 27%), HP (in 23%), idiopathic pulmonary fibrosis (in 14%), unclassifiable ILD (in 10%), and sarcoidosis (in 6%). Diagnoses varied significantly among centers (?2 = 312.4; p < 0.001). Conclusions: Our findings show that connective tissue disease-associated ILD is the most common ILD in Brazil, followed by HP. These results highlight the need for close collaboration between pulmonologists and rheumatologists, the importance of detailed questioning of patients in regard with potential exposure to antigens, and the need for public health campaigns to stress the importance of avoiding such exposure.

Keywords: Lung diseases, interstitial/epidemiology; Alveolitis, extrinsic allergic/epidemiology; Connective tissue diseases/epidemiology, Sarcoidosis/epidemiology; Idiopathic pulmonary fibrosis/epidemiology

RESUMO

Objetivo: Avaliar a frequência relativa de casos incidentes de doenças pulmonares intersticiais (DPI) no Brasil. Métodos: Levantamento retrospectivo de casos novos de DPI em seis centros de referência entre janeiro de 2013 e janeiro de 2020. O diagnóstico de DPI seguiu os critérios sugeridos por órgãos internacionais ou foi feito por meio de discussão multidisciplinar (DMD). A condição foi caracterizada como DPI não classificável quando não houve um diagnóstico final específico após a DMD ou houve discordância entre dados clínicos, radiológicos ou histológicos. Resultados: A amostra foi composta por 1.406 pacientes (média de idade = 61 ± 14 anos), sendo 764 (54%) do sexo feminino. Dos 747 casos expostos a antígenos para pneumonite de hipersensibilidade (PH), 327 (44%) tiveram diagnóstico final de PH. Houve relato de história familiar de DPI em 8% dos casos. Os achados de TCAR foram indicativos de fibrose em 74% dos casos, incluindo faveolamento, em 21%. Autoanticorpos relevantes foram detectados em 33% dos casos. Biópsia transbrônquica foi realizada em 23% dos pacientes, e biópsia pulmonar cirúrgica, em 17%. Os diagnósticos finais foram: DPI associada à doença do tecido conjuntivo (em 27%), PH (em 23%), fibrose pulmonar idiopática (em 14%), DPI não classificável (em 10%) e sarcoidose (em 6%). Os diagnósticos variaram significativamente entre os centros (χ2 = 312,4; p < 0,001). Conclusões: Nossos achados mostram que DPI associada à doença do tecido conjuntivo é a DPI mais comum no Brasil, seguida pela PH. Esses resultados destacam a necessidade de uma estreita colaboração entre pneumologistas e reumatologistas, a importância de fazer perguntas detalhadas aos pacientes a respeito da potencial exposição a antígenos e a necessidade de campanhas de saúde pública destinadas a enfatizar a importância de evitar essa exposição.

Palavras-chave: Doenças pulmonares intersticiais/epidemiologia; Alveolite alérgica extrínseca/epidemiologia; Doenças do tecido conjuntivo/epidemiologia; Sarcoidose/epidemiologia; Fibrose pulmonar idiopática/epidemiologia.

INTRODUÇÃO
 
As doenças pulmonares intersticiais (DPI) são um grupo heterogêneo de condições que envolvem difusamente os pulmões. Estudos de vários países mostram que a frequência dos diferentes tipos de DPI varia amplamente. (1-13) No Brasil, a pneumonite de hipersensibilidade (PH) é uma DPI comum.(14)
 
Uma melhor compreensão da epidemiologia das DPI permitiria a identificação de possíveis fatores de risco e de alvos relacionados à prevenção e intervenção. Além disso, pode ajudar o sistema de saúde a tomar decisões sobre a alocação de recursos as quais são de particular importância dadas as limitadas opções de tratamento e o surgimento de terapias que muitas vezes são caras.(15)
 
O diagnóstico preciso das DPI ainda é um desafio. Os critérios diagnósticos para as diferentes doenças que compõem as DPI são revisados e atualizados periodicamente, o que dificulta os estudos epidemiológicos. (16,17) Duas abordagens estão disponíveis na prática clínica para o diagnóstico das DPI: diagnóstico baseado em critérios clínicos rigorosos, o que faz com que não seja classificado como uma DPI específica em muitos casos; ou diagnóstico baseado no julgamento clínico, o que resulta em menos doenças não classificáveis. Em muitos casos, há necessidade de uma discussão multidisciplinar (DMD) envolvendo dados clínicos, radiológicos e patológicos.(18)
 
O presente estudo avaliou a frequência relativa de DPI no Brasil por meio de registros de casos incidentes em estudo multicêntrico e comparou os achados com aqueles observados em outros países.
 
MÉTODOS
 
Pacientes do estudo
 
Trata-se de um estudo retrospectivo envolvendo seis centros de referência em DPI no Brasil (a Universidade Federal de São Paulo e a Clínica de Pneumologia CACP, ambas localizadas na cidade de São Paulo; a Universidade Federal de Minas Gerais e o Hospital Julia Kubistchek, ambos localizados na cidade de Belo Horizonte; a Universidade Federal de Goiás, localizada na cidade de Goiânia; e o Hospital São Rafael, localizado na cidade de Salvador). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, instituição coordenadora da pesquisa (Protocolo n. 5.316.467), e pelos comitês de cada centro. Os casos incidentes foram identificados consecutivamente entre 1º de janeiro de 2013 e 31 de janeiro de 2020, a partir dos prontuários de pacientes com diagnóstico de DPI, por meio de uma ficha de avaliação padronizada (vide material suplementar: Quadro S1).
 
Critérios de inclusão
 
Todos os centros participantes tinham que ser capazes de realizar uma DMD formal envolvendo um pneumologista com experiência em DPI, um radiologista torácico e um patologista pulmonar, bem como ser capazes de realizar procedimentos complementares, incluindo biópsia pulmonar cirúrgica (BPC), se necessário. Não há registro de centros de referência em DPI na Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Reunimos alguns centros há anos, com o objetivo comum de desenvolver estudos de pesquisa. Esses grupos padronizaram a avaliação (Quadros S1 e S2) e participaram de reuniões periódicas com DMD. No presente estudo, a pneumonia intersticial com características autoimunes (IPAF, do inglês interstitial pneumonia with autoimmune features) foi incluída no grupo das doenças do tecido conjuntivo (DTC).(19)
 
O comitê central e os centros locais reavaliaram casos indefinidos ou casos com mais de um diagnóstico possível em uma DMD. Vários fatores foram considerados no diagnóstico inicial: presença (ou não) de DTC ou autoanticorpos relevantes, achados sistêmicos indicativos de doenças específicas e laudos de biópsia de qualquer local. Anticorpos antinucleares (ANA, do inglês antinuclear antibodies), fator reumatoide, anti-Ro, anti-LA e anti-Jo1 foram os anticorpos mais pesquisados. História familiar positiva foi caracterizada por pelo menos dois casos de DPI entre parentes de primeiro grau, incluindo o caso índice.(20) Como a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma condição comum associada a diversas DPI, a DPI foi atribuída à DRGE somente quando a pHmetria estava alterada em pacientes com fibrose bronquiolocêntrica na BPC ou TCAR na ausência de exposição ambiental a antígenos orgânicos ou DTC.
 
Foram registradas a distribuição e predominância dos achados e padrões tomográficos, bem como idade, sexo e história de exposição ambiental. Fibrose identificada por TCAR foi caracterizada por alterações reticulares com bronquiectasias ou bronquiolectasias de tração, com ou sem faveolamento. Pneumopatia induzida por medicamentos foi caracterizada pelo uso de medicamentos com potencial de causar danos aos pulmões precedendo a DPI, biópsia compatível ou melhora com a suspensão dos medicamentos suspeitos.
 
As DTC foram caracterizadas de acordo com critérios recentes.(21) Os critérios sugeridos pela declaração conjunta da American Thoracic Society (ATS), European Respiratory Society (ERS) e World Association of Sarcoidosis and other Granulomatous Disorders foram aplicados para o diagnóstico de sarcoidose.(22)
 
O diagnóstico de PH fibrótica foi baseado em critérios sugeridos pela diretriz CHEST.(23) Eliminação de antígenos, seguida por melhora perceptível da DPI, foi considerada um critério para apoiar o diagnóstico de PH.(24) PH sem exposição a antígenos só foi considerada se a BPC ou uma biópsia pulmonar transbrônquica apresentasse achados típicos na análise. Os diagnósticos de FPI foram aqueles sugeridos por uma diretriz oficial de prática clínica de 2018.(17) Em casos com faveolamento ou reticulação na TCAR e exposição a antígeno conhecido, pacientes ≥ 60 anos e < 60 anos, respectivamente, foram considerados portadores de FPI e PH fibrótica, mas outros achados também foram considerados, como padrão em mosaico na TCAR, linfócitos elevados no LBA e resultados de biópsia. Na ausência desses achados, foi feito o diagnóstico de DPI não classificável.
 
O diagnóstico clínico de DPI não classificável foi caracterizado por dados insuficientes para um diagnóstico final específico após DMD detalhada, perda de seguimento, contraindicações ou recusa dos pacientes para realização de BPC ou discordância entre dados clínicos, radiológicos e histológicos.
 
Critérios de exclusão
 
Foram excluídos do estudo pacientes com DPI secundárias a doenças neoplásicas, infecções ou cardiopatias, casos sem resultados de TCAR disponíveis durante a avaliação a partir do diagnóstico (± 6 meses), casos com qualidade inadequada de imagem e casos sem dados clínicos ou funcionais para revisão ou sem DMD.
 
Análise estatística
 
Utilizou-se uma fórmula de proporção para calcular o tamanho da amostra.(24) Partindo do pressuposto de que 20% dos indivíduos da população apresentam o fator de interesse, o estudo exigiria um tamanho amostral de 246 participantes para estimar a proporção esperada com precisão absoluta de 5% e confiança de 95%.(25)
 
As variáveis categóricas foram expressas como frequências absolutas e relativas com intervalos de confiança de 95%. O teste do qui-quadrado foi utilizado para comparar a frequência das variáveis categóricas entre os grupos.
 
RESULTADOS
 
Os diagnósticos finais mais comuns (> 1%) são apresentados na Figura 1. O diagnóstico mais comum foi DPI associada à DTC (DPI-DTC; 26,8%; IC95%: 24,5-29,2), seguido por PH (23,2%; IC95%: 21,0-26,6), FPI (14,1%; IC95%: 12,0-16,0), DPI não classificável (10,2%; IC95%: 9,0-12,0); e sarcoidose (6,3%; IC95%: 5,1-8,0). A DPI-DTC mais comum foi esclerose sistêmica (31,2%), seguida por artrite reumatoide (17,6%), IPAF (14,7%), síndrome de Sjögren (10,9%), miosite autoimune (9,9%) e outras (15,7%). As características dos principais grupos de DPI são descritas no material suplementar (Tabela S1), assim como a distribuição de acordo com o centro de origem (Tabela S2) e de acordo com as principais DPI (Tabela S3).
 

 
As características gerais dos 1.406 pacientes que compuseram a amostra são descritas na Tabela 1. Houve discreto predomínio do sexo feminino (54%). A presença de exposição a antígenos orgânicos foi comum; 747 casos tiveram potencial exposição a antígenos para PH, mas apenas 327 (44%) deles tiveram diagnóstico final de PH. Os principais tipos de exposição a antígenos orgânicos foram a antígenos aviários e mofo (Figura 2). Cinco pacientes que não relataram exposição a antígenos conhecidos foram diagnosticados com PH com base em achados típicos de TCAR e na fibrose bronquiolocêntrica identificada por BPC, e outros 5, apenas com base em achados de BPC. As principais exposições a antígenos inorgânicos foram à sílica, em 58 (4,6%); a metais, em 13 (1,0%); e ao amianto, em 10 (0,8%).  Dos expostos à sílica, 53% tiveram diagnóstico final de silicose. Dos 1.293 pacientes questionados sobre sintomas de DRGE, 49% relataram a presença de pelo menos um. O diagnóstico final de fibrose por microaspiração foi feito em 15 casos, dos quais 10 apresentavam fibrose bronquiolocêntrica identificada por BPC.

 


 



 
Uso de medicamentos ou radiação foi observado em 253 casos, mas o diagnóstico final de pneumopatia induzida por medicamentos foi feito em apenas 36 (14,2%) desses casos — em 7 de 51 pacientes tratados com amiodarona (13,7%), em 2 de 52 (3,8%) tratados com metotrexato e em 2 de 77 (2,5%) tratados com estatinas. Radiação foi a causa em 5 casos, e nitrofurantoína, em 3. Outras causas estavam presentes em 17 casos.
 
Autoanticorpos positivos foram observados em 398 dos 1.219 casos pesquisados para autoanticorpos (32,6%) isoladamente em 23,2%, e em combinação em 9,6% (Tabela S4). ANA em título de 1:≥ 320 foram observados em 31,4%, 8,7% e 4,4% dos pacientes com DTC, PH e FPI, respectivamente. Anticorpos anti-Ro, anticorpos antissintetase (incluindo Jo-1) e anticorpos anti-Scl 70 estavam presentes em 66 (5,4%), 27 (2,1%) e 42 (3,4%) dos casos, respectivamente.
 
História familiar de DPI foi avaliada em 1.112 pacientes e estava presente em 8% dos casos. Outros familiares com DPI estavam presentes em 41 dos 160 casos de FPI (26,6%), em 42 dos 308 casos de PH (13,6%), em 13 dos 85 casos de DPI não classificável (15,3%) e em 10 de 306 (3,3%) dos casos de DTC (c2 = 87,1; p < 0,001).
 
Tabagismo prévio ou atual foi relatado por 66,5% dos pacientes com FPI, por 54,5% daqueles com DPI não classificável e por 44,1%, 36,8% e 32,9% daqueles com PH, DPI-DTC e sarcoidose, respectivamente (c2 = 126,3; p < 0,001).
 
Achados de TCAR indicativos de fibrose foram encontrados em 1.036 pacientes (73,7%) e consolidação ou padrão em vidro fosco sem fibrose em 212 (20,3%), faveolamento em 301 (21,4%) e padrão em mosaico em 209 (14,9%).
 
Biópsia transbrônquica foi realizada em 323 pacientes (22,9%), sendo o diagnóstico final ou compatível alcançado em 106 desses casos: sarcoidose, em 23; PH, em 33; DPI-DTC, em 13; silicose, em 11, e outros diagnósticos, em 26. BPC foi realizada em 241 (17,1%) dos pacientes, sendo os resultados inconclusivos em 10 (4,1%), incluindo 1 com achados de pulmão terminal apenas. Dos 231 casos restantes submetidos a BPC, 58 (25,1%) apresentavam fibrose bronquiolocêntrica, 52 (22,5%) apresentavam pneumonia intersticial usual, 41 (17,8%) apresentavam PH clássica, 18 (7,8%) apresentavam lesão alveolar difusa e 10 (4,3%) apresentavam bronquiolite. Das 52 biópsias de outros locais, 36 foram compatíveis com sarcoidose, 11 foram compatíveis com DPI-DTC, 2 com vasculite e 3 com outras doenças. A distribuição dos tipos de biópsia pulmonar por centro é descrita na Tabela S5, assim como o rendimento diagnóstico da biópsia transbrônquica na Tabela S6 e os diagnósticos finais por BPC na Tabela S7.
 
DPI não classificável foi o diagnóstico final em 10,2% de todos os casos. A média de idade foi de 67,8 anos, 67,4% eram fumantes ou ex-fumantes e exposição ambiental para PH estava presente em 68,4% dos casos, assim como autoanticorpos relevantes em 13,8% e história familiar de DPI em 15,3%. Com relação aos achados de TCAR, doença fibrótica estava presente em 90,9%, com faveolamento em 20,3%. Os principais motivos para o diagnóstico de DPI não classificável foram dados incompletos (em 55 casos), perda de seguimento (em 37 casos) e contraindicações para a realização de BPC (em 35 casos). Em 2 casos, a BPC foi inconclusiva em 1 e não classificável no outro.
 
Houve diferença estatisticamente significativa nos diagnósticos finais entre os centros (χ2 = 312,37; p < 0,001), com a proporção de casos de DPI-DTC variando de 15,0% a 38,2%, a de PH variando de 13,2 a 36,5%, a de FPI variando de 6,4% a 22,3%, a de DPI não classificável variando de 3,1% a 18,9% e a de sarcoidose variando de 0,0% a 9,4%.
 
A distribuição das DPI de acordo com estudos de vários países e com o presente estudo são apresentadas na Figura 3. No Novo México e no registro da Austrália,(6,12) a FPI foi o tipo mais comum de DPI, com 31,2% e 34% dos casos, respectivamente. Em Flandres e na maioria dos estudos,(4,5,7,8,10,11,13) a FPI (variação: 18,2-38,6%) e a sarcoidose (variação: 14,9-38,3%) foram as DPI mais comuns. Em estudos realizados na China(3,9) e na Arábia Saudita,(2) a FPI e a DPI-DTC foram as DPI mais comuns. Apenas o registro indiano(1) mostrou que a PH foi a principal DPI (47,3%), seguida pela DPI-DTC (13,9%).
 

 
DISCUSSÃO
 
No presente levantamento de 1.406 casos em seis centros de referência no Brasil, as DPI mais diagnosticadas, em ordem decrescente, foram DPI-DTC, PH, FPI, DPI não classificável e sarcoidose.
 
FPI e sarcoidose são as DPI mais comuns, mas a frequência dos diagnósticos das diversas DPI varia amplamente.(1-13) Vários fatores podem explicar essas diferenças. Um desses fatores são os critérios diagnósticos utilizados para FPI, já que esses critérios mudaram nos últimos anos.(16,17) A presença de achados autoimunes associados à presença de DPI sem critérios diagnósticos definitivos para DTC foi denominada IPAF em 2015.(19) Hoje se reconhece que existem várias condições dentro desse grupo, incluindo síndrome do anticorpo antissintetase, esclerodermia sine scleroderma e outras. No presente estudo, a IPAF foi incluída no grupo de DTC clássicas.
 
Em um estudo unicêntrico realizado na Arábia Saudita, as DPI mais comuns foram DPI-DTC (34,8%), seguida por FPI (23,3%), sarcoidose (20%) e PH (6,3%).(2) Os casos de IPAF foram incluídos no grupo de DTC. Dois estudos realizados na China constataram que FPI foi o diagnóstico mais comum, seguido de perto por DPI-DTC.(3,9)
 
Na literatura, a frequência de PH varia de 1,5% a 47,3%, mas, em 9 de 13 estudos,(1-13) essa proporção ficou abaixo de 10%. Uma proporção impressionante de 47,3% foi observada em um estudo prospectivo de registro realizado na Índia, que incluiu mais de 1.000 pacientes.(1) A exposição a mofo proveniente do uso de climatizadores ou aparelhos de ar condicionado sujos ou mofo presente na casa, além da exposição a aves, foram os tipos de exposição mais comuns.(1)
 
Um estudo seminal da Espanha mostrou, em um estudo de caso-coorte, que, em uma amostra de 46 pacientes com FPI, diagnosticada de acordo com as diretrizes de 2011 da ATS/ERS/Japanese Respiratory Society (JRS)/Asociación Latinoamericana de Tórax (ALAT), 20 (43%; IC95%: 29-58%) tiveram diagnóstico subsequente de PH crônica.(26) Em um estudo multicêntrico, a concordância diagnóstica entre as equipes de DMD no diagnóstico de FPI foi boa, mas foi ruim no de PH.(27) Isso foi atribuído, pelo menos em parte, à falta de diretrizes para o diagnóstico de PH. Em 2020 e 2021, a ATS/JRS/ALAT e a revista Chest publicaram diretrizes para o diagnóstico de PH, com algumas diferenças nos critérios diagnósticos.(23,28)
 
Em nosso estudo, antígenos de mofos, aves e travesseiros de penas foram as causas mais comuns de PH. O Brasil é um país de dimensões continentais com questões particulares. As condições climáticas variam muito, e regiões com alta umidade do ar (regiões florestais e costeiras e cidades com chuvas frequentes) aumentam a exposição a mofo.(29) As condições socioeconômicas também variam muito. Muitas pessoas vivem em habitações precárias com espaços internos úmidos. No Brasil, existem cerca de 41,3 milhões de aves em cativeiro.(30)
 
Na literatura, vários estudos mostram uma grande proporção de casos diagnosticados como PH sem exposição aparente a antígenos.(31) Por outro lado, em nosso estudo, 53% do número total de pacientes com DPI apresentaram potencial exposição a antígenos para PH. No entanto, o número de pacientes com diagnóstico final de PH nesse grupo foi de apenas 44%. Em nosso levantamento, apenas 10 (3%) dos casos de PH foram diagnosticados sem exposição aparente a antígenos.
 
A DPI não classificável compreende um grupo heterogêneo de doenças.(32) No presente estudo, a incidência de DPI não classificável foi de 10,2%. Uma meta-análise de 22 estudos relatou que a prevalência de DPI não classificável foi de 11,9% (IC95%: 8,5-15,6), com uma prevalência mais baixa em centros que relataram o uso de DMD formal (9,5% vs. 14,5%). (32) Em nosso estudo, 15,3% dos casos de DPI não classificável eram casos de DPI familiar. Em muitos casos de DPI familiar, podem-se identificar achados atípicos na TCAR e em peças histológicas, dificultando o diagnóstico.(33,34) A incidência de sarcoidose foi de 6,3% no presente estudo. Em comparação com estudos de prevalência, espera-se uma proporção menor em virtude do melhor prognóstico da sarcoidose.(35) Além disso, a incidência e a prevalência da sarcoidose variam entre regiões e até mesmo dentro dos países.(35) No Brasil, a epidemiologia da sarcoidose é amplamente desconhecida.
 
Neste estudo, a DPI foi atribuída a medicamentos ou radiação em 2,6% dos casos. Embora estatinas e metotrexato tenham sido utilizados por muitos pacientes, menos de 5% dos casos de DPI foram considerados causados por esses medicamentos. A relação entre o metotrexato e o pulmão parece ser dupla. O metotrexato pode induzir pneumonite granulomatosa subaguda imprevisível, mas parece não estar associado a maior risco de DPI fibrótica crônica na artrite reumatoide e talvez até reduza esse risco. (36) Os sintomas de DRGE foram muito comuns nos pacientes com DPI, mas em apenas 15 casos DRGE foi o diagnóstico final atribuído à microaspiração. Em 10 casos, fibrose bronquiolocêntrica foi caracterizada por BPC.
 
Dado que a DPI pode complicar o curso de qualquer DTC e que a DPI pode preceder os sinais de DTC, e esses sinais podem ser sutis, DTC de base deve ser excluída em todas as DPI, mesmo que a suspeita clínica seja baixa ou ausente. Deve-se realizar o rastreamento de autoanticorpos em pacientes com DPI com diagnóstico incerto após avaliação clínica cuidadosa. Embora autoanticorpos possam ser encontrados em outras condições além da DTC, ANA e fator reumatoide em níveis significativos podem ser observados na PH, e ANA também pode ser observada em pacientes com FPI. (37,38) Recentemente, tem sido dada maior importância ao painel dos autoanticorpos relacionados à miosite autoimune que são frequentemente associados à DPI. No entanto, no momento da coleta de dados, esse painel estava pouco disponível.(39)
 
Os estudos de registro têm pontos fortes e limitações. A principal vantagem é que dados de um grande número de casos estão disponíveis, tornando possível estimar a incidência das doenças com uma estreita margem de erro, especialmente quando critérios bem definidos são aplicados ao diagnóstico e revisados por um comitê central, como foi o caso do presente estudo; no entanto, cabe destacar algumas limitações. Em primeiro lugar, os dados foram coletados em um cenário de “vida real”, sendo que estavam incompletos em vários pacientes. Em segundo lugar, os pacientes foram tratados em centros de referência em DPI, o que pode ter resultado em viés de seleção. A variação nas proporções referentes a entidades individuais entre os centros merece estudos futuros.
 
Em conclusão, nesta casuística nacional, os tipos de DPI mais comuns foram, em ordem decrescente, DPI-DTC, PH, FPI e sarcoidose. Em 10% dos casos, a doença não foi classificável. Esses resultados destacam a necessidade de uma estreita colaboração entre pneumologistas e reumatologistas, a necessidade de fazer perguntas detalhadas aos pacientes a respeito de potenciais exposições que podem resultar em PH, a importância de campanhas de saúde pública para conscientizar as pessoas sobre os perigos dessas exposições e a necessidade de regulamentos mais rígidos no local de trabalho para proteger os funcionários de exposições ambientais. Compreender a epidemiologia das DPI no Brasil permite que o sistema de saúde tome decisões bem embasadas sobre a melhor forma de alocar recursos para atender às necessidades locais, que são de particular importância na era das terapias emergentes para DPI, que muitas vezes têm custos elevados.(40)
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
SLKM e CACP: conceituação; curadoria de dados; análise formal; investigação; administração do projeto; redação, revisão e edição do manuscrito. MRS e EVM: análise formal (apoio); revisão e edição do manuscrito. FCVF, MACM, FMAB, TAP e GCJ: coleta de dados. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
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