ABSTRACT
Objective: To determine the prevalence of emotional and behavioral disorders in adolescents with asthma and to compare it with that of
adolescents without asthma. Methods: A transversal study using the Strengths and Difficulties Questionnaire, administered to adolescents
with or without asthma, ranging from 14 to 16 years of age and randomly selected from schools in the city of Belo Horizonte, Brazil.
Results: The prevalence of emotional and behavioral disorders in adolescents with and without asthma was 20.4% (95% CI: 14.5-27.8%) and
9.0% (95% CI: 6.1-12.8%), respectively. Among adolescents with asthma, 56.6% (95% CI: 48.3-64.5%) presented normal scores, and 23.0%
(95% CI 16.8-30.7%) presented borderline scores. Among adolescents without asthma, 75.0% (95% CI: 69.7-79.6%) presented normal scores,
and 16.0% (95% CI: 12.2-20.7%) presented borderline scores. The median total score on the questionnaire was 14 and 12 among subjects
with and without asthma, respectively (p < 0.01). In the final logistic regression model, adjusted for socioeconomic variables, the association
between emotional/behavioral disorders and the following variables remained significant: being female (OR = 1.98; 95% CI: 1.10-3.56;
p = 0.02) and having asthma (OR = 2.66; 95% CI: 1.52-4.64; p = 0.001). Conclusions: The prevalence of emotional and behavioral disorders
is higher in adolescents with asthma than in those without asthma, underscoring the need for a holistic, interdisciplinary approach.
Keywords:
Asthma; Epidemiology; Prevalence; Adolescent; Psychology; Behavioral symptoms.
RESUMO
Objetivo: Determinar a prevalência de transtornos emocionais e comportamentais em adolescentes com asma e compará-la com a prevalência
em adolescentes sem asma. Métodos: Estudo transversal através de um questionário de transtornos psicológicos ( Strengths and
Difficulties Questionnaire) aplicado a adolescentes de 14 a 16 anos, com e sem asma, selecionados aleatoriamente em escolas municipais
de Belo Horizonte (MG) Brasil. Resultados: A prevalência de transtornos emocionais e comportamentais em adolescentes com e sem asma
foi 20,4% (IC95%: 14,5-27,8%) e 9% (IC95%: 6,1-12,8%), respectivamente. Entre os adolescentes com asma, 56,6% (IC95%: 48,3-64,5%)
apresentavam escores dentro da faixa de normalidade e 23% (IC95%: 16,8-30,7%), valores limítrofes. Entre os que não tinham asma, 75%
(IC95%: 69,7-79,6%) apresentavam escores normais e 16% (IC95%: 12,2-20,7%), limítrofes. A mediana no escore total do questionário foi
14 nos portadores de asma e 12 nos sem asma (p < 0,01). Na análise multivariada (regressão logística), controlado para variáveis socioeconômicas,
permaneceram significativas as associações entre transtornos emocionais e comportamentais e as seguintes variáveis: sexo feminino
(OR = 1,98; IC95%: 1,10-3,56, p = 0,02), e ter asma (OR = 2,66; IC95%: 1,52-4,64, p = 0,001). Conclusões: A prevalência de transtornos
emocionais e comportamentais em adolescentes portadores de asma é significativamente maior do que naqueles que não tem asma, reforçando
a necessidade de uma abordagem interdisciplinar e sistêmica.
Palavras-chave:
Asma; Epidemiologia; Prevalência; Adolescente; Psicologia; Sintomas comportamentais.
IntroduçãoA adolescência é compreendida como um período de transformação, sendo comuns variações do humor e do estado de ânimo. Nesse contexto, a asma pode ser responsável por absenteísmo escolar, distúrbios do sono, limitação para exercícios físicos e interferências nas relações familiares e sociais. Na adolescência, período de construção da identidade pessoal e social, ter asma pode significar ser diferente quando o que mais se deseja é ser igual ao grupo, causando considerável sofrimento emocional.(1,2)
Há várias décadas, a relação entre asma e fatores emocionais tem sido estudada. Em 1892, Osler escreveu que havia um forte elemento neurótico na maioria dos casos de asma.(3) Nos anos 40, dois autores, orientados pela teoria psicanalítica freudiana, propunham que a sintomatologia asmática seria a representação simbólica de conflitos inconscientes.(4) Na década de 70, numerosos trabalhos da medicina psicossomática reforçavam o papel de fatores psíquicos como desencadeantes de crises. Postulou-se que as mães de crianças asmáticas teriam dificuldades em se colocar entre o bebê e o excesso de estimulação interna e externa.(5) Vários questionamentos sobre a metodologia utilizada nesses trabalhos foram feitos e, muitas vezes, os resultados não se confirmaram. As alterações na relação mãe-filho poderiam estar presentes em algumas situações, mas não eram generalizáveis.(2)
Várias pesquisas mostraram também a relevância de fatores psicológicos interferindo no manejo da asma. Ansiedade, depressão, negação da doença e presença de conflitos familiares têm sido associados à menor adesão ao tratamento e maior morbimortalidade.(6)
A maioria dos estudos sobre a associação de transtornos emocionais e comportamentais (TECs) e asma realizados em crianças e adolescentes com asma mostra que eles têm maior prevalência de transtornos emocionais do que a população geral.(7-15) Grande parte destes estudos foi realizada em clínicas especializadas ou hospitais, incluindo apenas pacientes com asma persistente moderada e grave, com amostras reduzidas e seleção por conveniência.(8-10,12) Alguns inquéritos de base populacional foram conduzidos, mas os critérios não uniformes quanto à definição de asma dificultam a comparação dos resultados.(7,11,13,14)
Na revisão de literatura, não foram encontrados estudos abordando a associação entre asma e TECs, utilizando como critério de definição de asma o questionário padronizado e validado do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC).(16)
Nosso objetivo foi avaliar a prevalência de TECs em adolescentes com asma e compará-la com a de um grupo sem asma, utilizando-se como critério de definição de asma o questionário do ISAAC. Avaliamos também os fatores de risco associados à presença de TECs nos adolescentes estudados.
MétodosFoi realizado um inquérito epidemiológico de base populacional, em que um questionário sobre TECs foi aplicado a adolescentes com e sem asma.
A população estudada compreendeu adolescentes estudantes de escolas públicas que haviam participado do inquérito epidemiológico sobre prevalência de asma (ISAAC) realizado em Belo Horizonte em 2002. Um total de 3.088 estudantes de 14 escolas municipais, selecionadas aleatoriamente, participaram do ISAAC (Figura 1). Eles foram divididos em dois grupos: com asma (n = 551) e sem asma (n = 2.537). Foi determinado como critério de exclusão a existência de comorbidades clínicas que pudessem interferir na interpretação dos resultados.
Ter ou não asma foi definido de acordo com a resposta, positiva ou negativa, à pergunta do questionário ISAAC que se refere ao relato de sibilância recente ("Nos últimos 12 meses, você teve sibilos (chiado no peito)?"). O questionário ISAAC é composto por oito questões sobre sintomas relacionados à asma. No Brasil, a tradução e a validação foram realizadas por Solé et al.(17) O relato de sibilância nos últimos 12 meses é considerado como o sintoma mais adequado para a estimativa da prevalência de asma, pois apresenta o melhor índice de Youden (sensibilidade + especificidade − 1) e a melhor reprodutibilidade.(16) Autores compararam o relato de sibilância recente no ISAAC com o diagnóstico clínico feito por pneumologista em 361 crianças.(18)
Encontraram sensibilidade igual a 85% (IC95%: 73-93%) e especificidade, 81% (IC95%: 76-86%).
Foram calculadas duas amostras independentes pelo programa Epi Info 2000, versão 3.3.2, para prevalência de TECs em adolescentes com e sem asma,(12,19) considerando a prevalência esperada em torno de 20% e 10%, respectivamente (IC95% e precisão de ±5%). Os estudantes com asma participantes do ISAAC foram numerados consecutivamente, sendo sorteados 180 a partir de listagem numérica aleatória gerada no programa Epi Info 2000 versão 3.3.2. O mesmo foi feito com os sem asma (n = 350).
A avaliação quanto à presença de TECs foi feita por meio do Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ, Questionário sobre Capacidades e Dificuldades). O SDQ contém 25 itens que se agrupam em 5 escalas (hiperatividade, sintomas emocionais, problemas de conduta, problemas de relacionamento e comportamento pró-social) contendo 5 itens cada.
Cada item pode ser respondido como "falso", "mais ou menos verdadeiro" ou "verdadeiro". A pontuação para cada escala é a soma das pontuações dos 5 itens, variando de 0 a 10. As pontuações nas quatro primeiras escalas são somadas para gerarem uma pontuação total de dificuldades, que varia entre 0 e 40. A pontuação total maior ou igual a 20 é considerada alterada; entre 16 a 19, limítrofe; e menor ou igual a 15, normal. A escala sobre comportamento pró-social é analisada separadamente e escores mais altos significam maior freqüência de comportamentos pró-sociais.
O questionário SDQ é relativamente recente (1997), mas foi comparado com questionários tradicionais (Rutter, 1967 e Achenbach, 1991) mostrando-se equivalente e com algumas vantagens. A principal é a melhor aceitação por parte dos respondedores, por ser mais curto e ter o foco também em capacidades e não apenas em dificuldades.(20-23) A versão para auto-preenchimento (idade entre 11-16 anos) foi validada quanto à capacidade de distinguir entre adolescentes de uma clínica de saúde mental e da comunidade. A análise Receiver Operating Characteristic (ROC) mostrou uma área abaixo da curva igual a 0,82 (IC95%: 0,76-0,88), o que significa boa capacidade em distinguir as duas populações.(21) A consistência interna também foi adequada (coeficiente alfa de Cronbach = 0,82).(21) Em outro estudo, foi avaliada a confiabilidade em reteste após um mês do primeiro teste, mostrando correlação intraclasse igual a 0,85.(23)
Quanto à validação cultural, aplicou-se em um estudo o questionário SDQ em 898 crianças e adolescentes brasileiros entre 7 e 14 anos.(24) Foi realizada avaliação psiquiátrica, sendo identificado distúrbio psiquiátrico em 23 das 41 crianças com escores alterados e em 6 das 40 com escores na faixa normal (p < 0,001), sugerindo que o SDQ é um instrumento adequado para a triagem de transtornos psicológicos no nosso meio.
O protocolo da pesquisa continha também questões sobre características demográficas, socioeconômicas, escolaridade materna e paterna e sobre o local onde consulta quando está doente. A estrutura familiar foi dividida em nuclear, quando o pai e a mãe residiam na mesma casa com o adolescente, ou não-nuclear, quando um ou ambos estavam ausentes. Considerou-se ocupação do chefe da família como estável, quando havia renda mensal regular.
A coleta de dados foi realizada nas escolas durante as aulas entre março e julho de 2003. A autora principal esteve presente durante todos os momentos da coleta de dados. Os estudantes sorteados eram convidados a comparecer em uma sala separada especialmente para a pesquisa, em grupos de 15, para que se sentissem mais à vontade. Era solicitado que as respostas fossem sinceras, reforçando-se que não existiam respostas certas ou erradas. Todos os questionários foram respondidos pelos próprios adolescentes. Para evitar a dispersão dos alunos e respostas em branco, as perguntas eram lidas pela autora, evitando-se entonação que pudesse conferir algum julgamento e influenciar na resposta. O tempo para aplicação foi de aproximadamente 15 min.
O programa estatístico para análise de dados foi o Epi Info 2000 versão 3.3.2. Foram calculadas e comparadas as prevalências de TECs em adolescentes com e sem asma. Foram comparadas também médias e medianas do escore SDQ total e para cada uma das escalas. Foram utilizados os testes estatísticos de análise de variância, para comparar médias, e de Kruskal-Wallis, para comparar medianas. As medianas foram comparadas quando as variâncias não eram homogêneas (teste de Bartlett). Foi considerado como nível de significância estatística p ≤ 0,05.
Foi realizada análise univariada para se avaliar os fatores de risco associados à presença de TECs, calculando-se o OR e seu IC95%. Numa segunda etapa, procedeu-se à análise multivariada (regressão logística) incluindo as variáveis que apresentaram p ≤ 0,25 na análise univariada.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG e pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte. Após autorização da diretoria da escola, os termos de consentimento foram assinados pelos adolescentes e um de seus pais. A autora principal voltou às escolas ao final da pesquisa para dar o retorno aos pais e professores.
ResultadosCaracterísticas gerais da populaçãoForam estudados 464 adolescentes, sendo 152 (32,8%) com asma e 312 sem asma (67,2%). As perdas compreenderam 15,5% no grupo com asma e 10,9% no sem asma (p = 0,13), não havendo diferenças significativas entre sexo e idade em relação ao grupo estudado.
As características demográficas e socioeconômicas são apresentadas na Tabela 1, sendo evidente a semelhança quanto às variáveis demográficas entre os dois grupos estudados.
Prevalência de TECs e comparação entre as médias e medianas no escore do SDQA prevalência de TECs foi 20,4% (IC95%: 14,5-27,8%) e 9% (IC95%: 6,1-12,8%), respectivamente, em adolescentes com e sem asma. Entre os adolescentes com asma, 56,6% (IC95%: 48,3‑64,5%) apresentavam escores dentro da faixa de normalidade e 23% (IC95%: 16,8-30,7%), valores limítrofes. Entre os adolescentes sem asma, 75% (IC95%: 69,7-79,6%) apresentavam escores normais e 16% (IC95%: 12,2-20,7%), limítrofes.
A mediana no escore total do SDQ foi 14 nos com asma e 12 nos sem asma (p < 0,01). Na Tabela 2 é apresentado o resultado da comparação entre as médias dos escores das cinco subescalas do SDQ.
Avaliação dos fatores de risco associados à presença de TECsNa Tabela 3 são apresentados os resultados da análise univariada da associação entre TECs e variáveis demográficas e asma. Os TECs foram mais freqüentes em adolescentes com asma (p < 0,01), no sexo feminino (p = 0,04) e naqueles cujo chefe de família tinha uma ocupação instável (p = 0,04).
Na regressão logística, considerou-se ter ou não TECs como variável resposta de interesse e como variáveis intervenientes aquelas que apresentaram p ≤ 0,25 na análise univariada. No modelo final, permaneceram significativas as associações entre TECs e as variáveis sexo e asma. O sexo feminino apresentou OR de 1,98 (IC95%: 1,10-3,56, p = 0,02), e ter asma, OR de 2,66 (IC95%: 1,52‑4,64, p = 0,001).
DiscussãoEm um inquérito epidemiológico com 4.228 adolescentes ingleses de 11 a 15 anos,(23) utilizando o SDQ, encontrou-se prevalência de TECs igual a 5,2%, valor inferior ao encontrado no presente estudo, na população não-asmática (9%). Essa diferença pode estar relacionada às piores condições socioeconômicas dos adolescentes brasileiros, aumentando a prevalência de TECs, ou a diferenças culturais na forma de interpretar e expressar emoções e comportamentos.
Estudos sobre prevalência de TECs em crianças e adolescentes brasileiras são escassos. A prevalência encontrada no presente estudo (9%) situa-se em valores intermediários aos relatados em outros dois estudos (13% de casos leves e 10%, moderados; 5,6% de queixas referidas à saúde mental).(19,25) A prevalência de TECs em um outro estudo variou entre 12% (zona urbana) e 22% (favela), aplicando-se o questionário SDQ aos pais, professores e adolescentes.(24) O uso de múltiplos informantes pode aumentar a sensibilidade do SDQ.(21) Como no presente trabalho usou-se apenas o relato dos próprios adolescentes, é possível que haja uma subestimativa do problema. Por outro lado, relatou-se que a correlação entre as respostas dos adolescentes e as de pais e professores, em se tratando de TECs, geralmente é baixa.(26) Apesar da possibilidade de viés inerente ao processo de auto-avaliação, os adolescentes seriam os informantes mais adequados para dizer sobre emoções e comportamentos vivenciados tanto em casa quanto na escola, como abordado pelo questionário utilizado.
O uso de questionários para a detecção de transtornos psicológicos apresenta limitações, uma delas seria a definição de "caso". Apresentar sintomas de TECs não implica necessariamente que haja alguma patologia a ser tratada.(27) O ideal seria a confirmação do diagnóstico por meio de entrevista psiquiátrica estruturada, como os modelos da Classificação Internacional de Doenças (CID) ou de Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), o que, por questões operacionais, não foi realizado.
Apesar das limitações expostas, o presente estudo mostra que adolescentes com ou sem asma são diferentes quanto à presença de TECs. As diferenças nas prevalências e nas médias e medianas dos escores total e das escalas, nas duas populações, confirmam essa observação. Na regressão logística, controlando-se as variáveis demográficas, confirmou-se que o indivíduo com asma tem maior chance de apresentar TECs. A seleção aleatória dos participantes conferiu homogeneidade aos grupos e reforça a comparabilidade das duas populações.
Essa observação concorda com a maioria dos estudos sobre a associação entre TECs e asma. Apesar das diferentes metodologias utilizadas, a grande maioria dos trabalhos encontrou maior prevalência de transtornos psicológicos em crianças e adolescentes com asma quando comparados à população geral.(7-15) A opção por utilizar o questionário ISAAC como critério de definição de asma foi feita considerando que ele foi aplicado em mais de 700.000 crianças e adolescentes de 56 países em inquéritos epidemiológicos sobre asma, o que pode vir a facilitar futuras comparações.(16) Sendo um critério mais sensível, possibilitou a inclusão não apenas de casos mais graves, onde há maior consenso sobre a relevância de fatores de risco psicossociais, mas também de formas leves, em que o tema é menos estudado e mais controverso.(15)
A prevalência de TECs em crianças e adolescentes com asma é muito variável, com valores entre 16 e 50%, englobando o valor encontrado no presente estudo (20,4%).(16,20,21) Em um estudo de base populacional,(7) relatou-se que crianças e adolescentes com asma, entre 5 e 17 anos, e que tinham limitação para atividades físicas apresentavam risco elevado de presença de distúrbios emocionais e comportamentais (OR = 2,96; IC95%: 1,22-7,17), resultado semelhante ao encontrado neste trabalho (OR = 2,66; IC95%: 1,52-4,64). Um estudo com 1.528 crianças (4-9 anos) selecionadas em serviços de urgência ou ambulatórios e que relatavam ter asma foi conduzido.(11) Trinta e cinco por cento apresentavam escores no Child Behavior Checklist (CBCL) maiores ou iguais a 63, considerado o ponto de corte para identificar casos com gravidade clínica. Considerando a boa correlação entre o CBCL e o SDQ, esse valor (35%) situa-se acima do encontrado neste trabalho (20,4%), o que pode ser parcialmente explicado pelas diferenças quanto aos critérios de seleção e de definição de asma, incluindo provavelmente casos de asma de maior gravidade.
As desordens afetivas são os distúrbios psiquiátricos mais prevalentes na população geral e nos indivíduos com asma, concordando com os resultados apresentados, onde a diferença mais significativa foi observada na escala de problemas emocionais.(12,13) As médias na escala de relacionamento com os pares não diferem entre adolescentes com e sem asma e, na escala de comportamento pró-social, foram melhores naqueles com asma, sugerindo que estes adolescentes, apesar da maior prevalência de transtornos emocionais, conseguem se relacionar bem com os outros.
A diferença observada quanto à maior prevalência de TECs em meninas está de acordo com outros estudos.(19,25) Relatou-se ainda que a identidade social feminina favoreceria as meninas no sentido de sentirem-se mais livres para falar de seus problemas e sentimentos.(28) É possível que a diferença quanto ao gênero seja devida a uma negação de problemas emocionais e comportamentais por parte dos adolescentes do sexo masculino. Em um estudo, relatou-se que problemas de comportamento são mais freqüentes em meninos.(26) Problemas de conduta, como mentir ou roubar, podem ter sido omitidos com maior freqüência pelos respondedores no nosso estudo.
Diferentemente de um outro estudo,(24) onde a classe social foi um dos fatores de risco associados a TECs, não encontramos associação entre as variáveis socioeconômicas e a presença de TECs. É possível que se alunos de escolas públicas e privadas fossem comparados, os resultados fossem diferentes.
A associação entre asma e TECs pode ser devida ainda a um fator de confusão não pesquisado. Em um estudo, observou-se, numa coorte de 21 anos, que a associação entre asma e desordens afetivas observada em adultos jovens foi explicada por fatores de confusão relacionados a adversidades enfrentadas na infância (dificuldades econômicas, conflitos familiares e maus-tratos).(13)
Em se tratando de estudo transversal, não é possível estabelecer uma relação de causa ou conseqüência entre asma e TECs. Poucos estudos de coorte foram realizados e os resultados são divergentes.(13,29,30) Em 1991, conduziu-se um estudo prospectivo para comparar os filhos de 150 grávidas asmáticas.(29) Observou-se uma associação significativa entre insegurança materna avaliada no início do estudo e o aparecimento de asma aos dois anos. Por outro lado, em outro estudo de coorte com 100 crianças com alto risco de desenvolver asma (ambos os pais com asma), relatou-se que a disfunção familiar não foi um preditor do desenvolvimento de asma, mas sim que a doença respiratória promoveu essa disfunção.(30)
Transtornos emocionais podem constituir um de vários fatores desencadeantes ou agravantes da doença. Entretanto, os dados da literatura suportam mais a hipótese de que a asma levaria a transtornos emocionais por ser uma doença crônica. Em especial na adolescência, as limitações às atividades físicas, o constrangimento gerado pelos sintomas ou pela necessidade de uso regular de medicações, os efeitos colaterais destas e a ansiedade provocada pela dificuldade respiratória, entre outros, tornam a asma um potencial fator de risco para a saúde mental dos indivíduos.
O estudo aponta para o fato de que adolescentes com asma têm mais sintomas de TECs do que os adolescentes em geral. Durante o atendimento desses adolescentes, o profissional de saúde deve estar atento à relevância dos fatores emocionais e, se necessário, encaminhá-los para um especialista. Considerando-se que os TECs são subdiagnosticados, a triagem com um questionário simples e de fácil aplicação como o SDQ pode ser de grande auxílio. Há muito ainda o que se estudar sobre a interação entre asma e saúde mental. O presente trabalho reforça a necessidade de uma abordagem sistêmica (biopsicossocial), multi- e interdisciplinar do adolescente com asma. A avaliação da associação entre gravidade da asma, qualidade de vida e TECs é um desdobramento importante desse estudo a ser realizado.
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Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil.
1. Professora Adjunta Doutora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG) Brasil.
2. Professora Convidada Doutora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG) Brasil.
3. Professor Titular Doutor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG) Brasil.
4. Professora da Faculdade de Medicina da Universidade Alfenas (UNIFENAS), Belo Horizonte (MG) Brasil.
Endereço para correspondência: Cristina Gonçalves Alvim. Avenida Alfredo Balena, 190, 4o andar, Departamento de Pediatria, Bairro Santa Efigênia, CEP 30130-100, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Tel 55 31 3248-9772. Email: cgalvim@terra.com.br
Recebido para publicação em 3/4/2007. Aprovado, após revisão, em 17/7/2007.