Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
5827
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Padrões de sibilância respiratória do nascimento até o início da adolescência: coorte de Pelotas (RS) Brasil, 1993-2004

Wheezing phenotypes from birth to adolescence: a cohort study in Pelotas, Brazil, 1993-2004

Adriana Muiño, Ana Maria Baptista Menezes, Felipe Fossati Reichert, Rodrigo Pereira Duquia, Moema Chatkin

ABSTRACT

Objective: To study the prevalence of wheezing patterns and their associations with independent variables. Methods: Cohort study of live births in 1993 in Pelotas, Brazil. A systematic subsample (20%) of the original cohort was evaluated at 6 months, 12 months and 4 years. At 10-12 years, 87.5% of the original cohort was contacted. Wheezing was categorized: transient, wheezing at 4 years but not at 10-12; persistent, wheezing at all evaluations; late-onset, wheezing at 10-12 years. Independent variables were analyzed: gender; skin color; family income; smoking/asthma during pregnancy; breastfeeding; respiratory infection/diarrhea (during the 1st year); family members with asthma/ allergy (at 4 years and at 10-12); physician-diagnosed rhinitis/eczema (at 10-12 years). Results: The subsample comprised 897 adolescents. Wheezing patterns were expressed as prevalence (95% CI): transient, 43.9% (40.7-47.2); persistent, 6.4% (4.8-8.0); and late-onset, 3.3% (2.2-4.5). The transient pattern was more common in children from low-income families, children breastfed for less time, children with a history of respiratory infections (during the 1st year) and children with asthma in the family (at 4 years). The persistent pattern was almost twice as common in males, in children whose mothers had asthma during pregnancy, in children with respiratory infections (during the 1st year) and in children with asthma in the family (at 4 and 10-12 years). The late-onset pattern was more prevalent among those with asthma in the family (at 10-12 years) and those diagnosed with rhinitis (at 10-12 years), being less prevalent among those reporting respiratory infections (during the 1st year) and those diagnosed with eczema (at 10-12 years). Conclusions: Knowledge of the associations of wheezing patterns allows us to adopt preventive and therapeutic measures.

Keywords: Respiratory sounds; Asthma; Epidemiology; Hypersensitivity.

RESUMO

Objetivo: Estudar a prevalência dos padrões de sibilância respiratória e suas associações com variáveis independentes. Métodos: Coorte de nascidos vivos, 1993, Pelotas (RS); subamostra sistemática de 20% da coorte original acompanhada aos 6 e 12 meses e 4 anos; aos 10-12 anos localizou-se 87,5% da coorte original. Definição dos padrões: transitório: chiado até 4 anos e ausência de chiado aos 10-12 anos; persistente: chiado em todos acompanhamentos; início tardio: chiado aos 10-12 anos. Variáveis independentes: gênero; cor da pele; renda familiar; fumo/asma na gravidez; amamentação; infecção respiratória/diarréia (1º ano); alergia e asma na família (4 e 10-12 anos); diagnóstico médico de rinite/eczema (10-12 anos). Resultados: O total da subamostra foi de 897 adolescentes. Prevalência (IC95%) dos padrões de sibilância: transitório 43,9% (40,7-47,2);persistente 6,4% (4,8-8,0); de início tardio 3,3% (2,2-4,5). O transitório foi mais freqüente em crianças de famílias de baixa renda, com menor duração da amamentação, relato de infecções respiratórias (1º ano) e história familiar de asma (4 anos); o persistente foi quase duas vezes mais freqüente em meninos, em filhos de mulheres com asma na gravidez, com infecções respiratórias (1º ano) e história familiar de asma (4 e 10-12 anos); de início tardio mostrou maior prevalência naqueles com asma na família (10-12 anos) e diagnóstico médico de rinite (10-12 anos); menor prevalência em quem relatou infecções respiratórias (1º ano) e diagnóstico médico de eczema (10-12 anos). Conclusões: O conhecimento das associações dos padrões sibilantes permite a adoção de medidas preventivas e terapêuticas.

Palavras-chave: Sons respiratórios; Asma; Epidemiologia; Hipersensibilidade.

Introdução

O termo "fenótipos de asma" refere-se a manifestações clínicas, predominantemente sibilantes, podendo expressar-se como padrões de sibilância respiratória. Vários fenótipos têm sido estudados na literatura(1); neste artigo, serão analisados aqueles inicialmente propostos por um autor,(2) apesar de existirem outros fenótipos.(3-7)

A importância dos padrões de sibilância baseia-se no fato de que seus fatores determinantes e, principalmente, fatores prognósticos, são distintos, o que pode acarretar diferentes implicações terapêuticas.(8,9)

A sibilância respiratória é um dos sintomas geralmente presentes na asma, embora se saiba que nem toda sibilância seja sinônimo dessa doença. É possível que os diferentes padrões de sibilância correspondam a diferentes subtipos clínicos de asma, não havendo consenso quanto a corresponderem a uma mesma doença ou serem manifestações semelhantes de distintas doenças.(9)

Segundo a hipótese dos determinantes precoces da saúde e doença, de outro autor,(10) algumas doenças da idade adulta iniciam-se na vida intra-uterina, o que também é válido para doenças do pulmão. É possível que a programação intra-útero acrescida de influências ambientais precoces possa determinar mudanças permanentes na estrutura e função dos pulmões, além de alterações no desenvolvimento do sistema imune, levando a doenças como a asma ou a sintomas de sibilância.(10)

O objetivo deste estudo é avaliar a prevalência de determinados padrões de sibilância respiratória nas crianças nascidas em 1993, na cidade de Pelotas (RS) Brasil, acompanhadas até os 10-12 anos de idade, como também a distribuição destes padrões conforme características sócio-demográficas, gestacionais, infecciosas, diagnóstico médico de rinite e eczema, bem como antecedentes familiares de asma e alergia.

Métodos

Pelotas é uma cidade localizada ao sul do Brasil, com 320.000 habitantes, onde 99% dos nascimentos ocorrem nos hospitais da cidade.(11) Todos os 5.304 nascimentos dos cinco hospitais da cidade foram acompanhados no ano de 1993.(12-14) Aplicou-se um questionário padronizado a todas as mães, logo após o parto, com questões acerca de características demográficas, socioeconômicas, reprodutivas, comportamentais e de morbidades.

A metodologia detalhada da coorte foi publicada na Revista de Saúde Pública, em 2006.(13) Por ocasião das visitas médicas aos 6 e 12 meses de idade, estudou-se uma subamostra sistemática de 20% da coorte original acrescida de todas as crianças nascidas com baixo peso (<2.500 gramas). Aos 4 anos, tentou-se localizar a mesma subamostra das 1.373 crianças visitadas no último acompanhamento, aos 12 meses, tendo sido encontradas 1.273 crianças. Para que não houvesse sobre-representação de baixo peso na subamostra, decidiu-se sortear 20% das crianças de baixo peso ao nascer excluindo assim o excesso de baixo peso, resultando 981 crianças.

Em 2004, procurou-se localizar todos os participantes da coorte de 1993, atingindo-se um percentual de 87,5% (4.452 adolescentes). Das 981 crianças da subamostra aos 4 anos, foram localizados e entrevistados, em 2004, um total de 897 adolescentes (Figura 1).



A pergunta referente ao chiado no peito nos últimos 12 meses permitiu a construção dos diferentes padrões de chiado, já que foi a pergunta utilizada em todos os acompanhamentos da coorte. O estudo multicêntrico International Study of Asthma and Allergies in Childhood também mediu a prevalência de asma ou chiado em diversos locais do mundo através desta pergunta.(15)

As definições dos padrões de sibilância respiratória analisados neste estudo foram:

 nunca chiaram: ausência de chiado no peito em todos os acompanhamentos até 10-12 anos

 transitório: chiado no peito até os 4 anos e ausência de chiado aos 10-12 anos;

 padrão persistente: chiado no peito em todos os acompanhamentos (no primeiro ano, aos 4 e 10-12 anos de idade)

 início tardio: chiado no peito relatado pela primeira vez aos 10-12 anos de idade;

 padrão irregular: chiado no peito sem seguir os padrões anteriormente descritos.

As demais variáveis investigadas foram:

 biológicas: gênero; cor da pele referida pela entrevistadora, determinada aos 4 anos (branca ou não branca)

 socioeconômica: renda familiar, em salários mínimos, ao nascimento (≤3 e >3)

 gestacionais: tabagismo e história de asma na gravidez

 amamentação aos 12 meses categorizada conforme a duração em meses (>9; 4-8,9; 1-3,9; <1)

 insuficiência respiratória aguda (IRA) aos 6 e/ou 12 meses (presença de um ou mais itens: tosse; canseira; falta de ar; catarro; ronqueira; nariz entupido, na última semana)

 diarréia aos 6 e/ou 12 meses (presença de diarréia nas duas últimas semanas)

 história familiar de asma, chiado no peito, bronquite e alergia (pai ou mãe) alguma vez na vida (determinada aos 4 e 10-12 anos)

 diagnóstico médico de rinite alérgica e alergia de pele/eczema alguma vez na vida (determinados aos 10-12 anos).

Mediu-se a prevalência dos diferentes padrões de sibilância com os respectivos intervalos de confiança (IC95%) e, através do teste exato de Fisher e do de tendência linear, analisaram-se as associações dos padrões de sibilância conforme as variáveis independentes. Para o padrão transitório, não foram analisadas as associações com as variáveis determinadas aos 10-12 anos de idade, em virtude da própria definição desse padrão, ou seja, presença de chiado até os 4 anos, mas ausência do mesmo aos 10-12 anos de idade. Não foram testadas associações com o padrão irregular em face da heterogeneidade deste grupo de adolescentes. Todos os testes foram realizados no programa STATA, versão 9.0.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina e os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

As características do total da amostra (n = 897) e daqueles que nunca sibilaram (n = 379) estão descritas na Tabela 1. Observa-se percentual semelhante de meninos e meninas na amostra total, sendo a maioria deles de cor branca (76,5%). Em relação à situação socioeconômica, cerca de 60% das famílias possuíam renda igual ou menor do que três salários mínimos. Ao redor de um terço das mães fumaram durante a gravidez e 16,3% relataram asma durante a gestação. Mais da metade das crianças não completou 4 meses de amamentação e cerca de um terço relatou, aos 6 ou aos 12 meses, presença de tosse, acompanhada ou não de outros sintomas respiratórios, na semana prévia à entrevista. Episódios de diarréia, no período de 15 dias anteriores às visitas dos 6 e/ou 12 meses, foram referidos por 85% da amostra. Houve um percentual maior de relato de alergia na família aos 4 do que aos 12 anos, apesar de a pergunta referir-se ao período de alguma vez na vida. Para história de asma na família-investigada da mesma forma que a alergia-também se encontrou maior prevalência aos 4 do que aos 12 anos, embora essa diferença tenha sido menor do que para a alergia na família. Durante o último acompanhamento, foi investigado diagnóstico médico de rinite e eczema na adolescência, que mostrou percentuais de 17,5 e 32,2%, respectivamente.

Quanto aos adolescentes que nunca sibilaram na vida (Tabela 1), observou-se associação estatisticamente significativa e positiva com os do gênero feminino, os de maior renda familiar ao nascimento, aqueles cujas mães eram não-fumantes, aqueles cujas mães não relataram asma na gravidez e aqueles amamentados por mais de 4 meses. Ausência de IRAs, de asma na família (aos 4 e 10-12 anos) e de diagnóstico médico de rinite (12 anos) também estiveram significativamente associados com quem nunca apresentou chiado.



A Figura 2 mostra as prevalências dos padrões de sibilância respiratória e seus respectivos IC95% para o total da subamostra. Observa-se que cerca de 40% dos participantes da coorte nunca relataram chiado no peito. Um percentual semelhante relatou chiado em algum dos acompanhamentos até os 4 anos de vida, sem que relatasse chiado no acompanhamento dos 10-12 anos, caracterizando o padrão transitório (n = 394). História de chiado no peito em todos os acompanhamentos da coorte-padrão ­persistente-foi relatada por 6,4% dos participantes (n = 57). Um número menor de adolescentes (n = 30) relatou aparecimento de chiado no peito aos 10-12 anos, correspondendo ao padrão de início tardio (3,3%). Um quarto grupo (n = 37) apresentou um padrão irregular de sibilância durante a vida (4,1%), ou seja, chiado no início da vida, interrupção do mesmo aos 4 anos e seu posterior aparecimento; chiado apenas no início da vida; ausência de chiado no primeiro e último acompanhamento, com presença de chiado aos 4 anos.



Na Tabela 2, está descrita a freqüência dos padrões de sibilância respiratória, conforme as variáveis demográficas, socioeconômicas, gestacionais e do primeiro ano de vida. Apesar da maior prevalência de todos os padrões de sibilância no gênero masculino, a significância estatística foi apenas para o padrão persistente (p = 0,04). A renda familiar ao nascimento não mostrou diferença significativa para o padrão persistente e de início tardio, enquanto para o padrão transitório observou-se maior prevalência na categoria de menor renda (p = 0,003). O relato de asma na gravidez mostrou-se associado significativamente com o padrão persistente. As crianças amamentadas por menos tempo apresentaram associação significativa com o padrão transitório. A presença de IRAs esteve diretamente associada com o padrão transitório e persistente e inversamente associada com o padrão de início tardio (valor p no limiar da significância estatística). As demais variáveis da Tabela 2 não mostraram associações estatisticamente significativas.




Quanto aos antecedentes de asma e alergia, observou-se (Tabela 3) que a história de asma na família determinada aos 4 anos associou-se significativamente com o padrão transitório e persistente, sem mostrar associação com o padrão de início tardio; a asma na família determinada aos 10-12 anos mostrou-se associada significativamente com os padrões persistente e de início tardio. O diagnóstico médico de rinite (10-12 anos) esteve associado positivamente com o padrão de início tardio, sendo que diagnóstico médico de eczema (10-12 anos) mostrou associação inversa com o padrão de início tardio. As demais variáveis da Tabela 3 não mostraram associação significativa com os diferentes padrões de sibilância.



Discussão

O delineamento longitudinal do presente estudo, com seus vários acompanhamentos em diferentes idades, permitiu avaliar a prevalência dos padrões de sibilância respiratória do nascimento até a adolescência. Um dos importantes vieses que podem ocorrer em uma coorte-as perdas de seguimento-foi contornado nesta pesquisa através de numerosas estratégias de busca, atingindo-se um alto percentual de acompanhamento após 11 anos de seguimento (87,5%).

As definições dos padrões de sibilância basearam-se em outros estudos da literatura,(2-4) tendo sido necessárias, às vezes, adaptações conforme as datas das visitas dos acompanhamentos desta coorte. Não há padronização nem consenso na literatura quanto aos pontos de corte, em termos de faixa etária, para as definições dos padrões de sibilância respiratória. A maioria dos estudos define como padrão sibilante transitório aquele que ocorre apenas nos primeiros anos de vida (usualmente até os 4 anos). Já o padrão persistente ocorre quando, nos diversos acompanhamentos até a adolescência, o chiado está sempre presente. O padrão de aparecimento tardio depende das idades de acompanhamento, mas se refere a quem não apresentava sibilância nos primeiros anos de vida e passou a apresentá-la posteriormente. Há ainda um grupo de pessoas que sibilam e deixam de sibilar de forma diferente destes padrões mencionados, considerados como portadores de um padrão irregular no presente estudo. E virtude da grande heterogeneidade deste grupo, optou-se por não analisar associações do mesmo conforme as diferentes exposições, já que qualquer resultado encontrado não teria consistência com um padrão específico de sibilância.

As prevalências dos padrões de sibilância encontradas neste estudo variaram desde 43,9%, para o padrão transitório, até 3,3%, para o padrão de início tardio. A comparabilidade destes resultados com a literatura é difícil, pois nem todos os estudos utilizaram os mesmos pontos de corte. Entretanto, serão aqui mencionadas as principais coortes que avaliaram padrões de sibilância respiratória com as definições similares às aqui utilizadas, sendo seus principais achados comparados aos nossos.

É importante salientar que todos os estudos discutidos a seguir foram realizados fora do Brasil. Em um estudo de coorte em Tucson, EUA,(2) 826 crianças foram acompanhadas ao nascimento, aos 3 e 6 anos de vida, sendo encontrados 49% de sibilância alguma vez na vida, 20% de sibilância transitória (definida como sibilância até os 3 anos de vida), 14% de sibilância persistente (definida como sibilância aos 3 e 6 anos) e 15% de sibilância de início tardio (definida como sibilância iniciada aos 6 anos). Já na Inglaterra,(4) um estudo de coorte (n = 1.034), com acompanhamentos ao 1, 2, 4 e 10º ano de idade, detectou prevalências de sibilância transitória de 32,5% (definida como sibilância até os 4 anos, sem sibilância aos 10 anos), persistente de 12,1% (sibilância aos 4 e aos 10 anos) e de início tardio de 8% (início da sibilância aos 5 anos com persistência da sibilância aos 10 anos). No German Multicentre Allergy Study,(3) em 2003, foram acompanhadas crianças ao nascer, aos 3 e 7 anos, com taxa de acompanhamento aos 7 anos de 71,5% (n = 939). As prevalências de sibilância encontradas pelo autor foram: 22,8% de padrão transitório (ou seja, aqueles que sibilaram até os 3 anos e pararam de sibilar aos 7 anos), 4,4% de padrão persistente (sibilância aos 3 e 7 anos) e 4,8% de padrão de início tardio (sibilância iniciada aos 7 anos), dados semelhantes aos nossos achados.

Como pode ser observado pelos estudos anteriores, o padrão de sibilância transitória é o de maior prevalência e os demais padrões apresentam menores prevalências.

Acredita-se que os diferentes padrões de sibilância têm suas particularidades e que, dependendo da idade estudada, podem ser detectadas diferentes prevalências.

O padrão sibilante transitório mostrou-se mais prevalente em famílias de menor renda, com reduzida duração do aleitamento, com ocorrência de infecções respiratórias no primeiro ano de vida e com antecedentes de asma na família aos 4 anos. A literatura mostra que este padrão de sibilância é de bom prognóstico, tendo, freqüentemente, como fator de proteção, a amamentação por períodos maiores.(7) Um dos mecanismos sugeridos para a sibilância transitória é a associação entre infecções virais e menor calibre da via aérea ao nascer. É possível que a associação encontrada com infecções respiratórias no primeiro ano seja decorrente da baixa renda e da falta da amamentação, o que faria com que estas crianças apresentassem sibilância apenas nos primeiros anos de vida. A literatura é controversa em relação à associação deste padrão com asma ou alergia na família.(2,7,9) Em um estudo de coorte italiano,(7) por exemplo, foi detectado um risco 90% maior para sibilância transitória naqueles com mães que relatavam história de asma, embora este risco tenha sido maior para o padrão de sibilância persistente (OR = 3,27). No presente estudo, apesar de o padrão transitório ser mais prevalente em quem relatou asma na família (determinada aos 4 anos), o mesmo não foi observado para alergia na família (determinada no mesmo acompanhamento dos 4 anos).

O padrão de sibilância persistente geralmente se associa com altos níveis de atopia e hiper-reatividade brônquica, sendo que os principais fatores de risco encontrados na literatura para este tipo de padrão são pertencer gênero masculino, provavelmente pelo menor calibre da via aérea em relação ao gênero feminino(8) e apresentar história familiar de asma e atopia, nos pais.(4,9) Em nosso estudo, pertencer ao sexo masculino correspondeu a maior risco para o padrão persistente e ter mães que apresentaram asma na gravidez correspondeu a 2,5 vezes maior freqüência deste tipo de padrão, o que também corrobora o achado da história de asma na família. O padrão persistente também foi mais freqüente em quem relatou asma na família determinada aos 4 e aos 10-12 anos.

Quanto às infecções no início da vida, permanece a discussão na literatura quanto a seu possível fator de risco ou protetor para sibilância respiratória persistente ou de início tardio. Infecções por bactérias ou por parasitas no início da vida podem proteger o aparecimento de asma posteriormente, o que está de acordo com a hipótese da higiene.(16-18) No presente estudo, observou-se que o padrão persistente foi mais prevalente em quem relatou a presença de infecções respiratórias no primeiro ano de vida, o que não foi demonstrado em relação à diarréia. Quanto ao padrão tardio, assim como vem sendo mostrado na literatura, sua prevalência foi menor naqueles que relataram infecções respiratórias precoces (apesar de um valor p limítrofe de 0,05).(16-18) A associação positiva com diagnóstico médico de eczema e inversa com diagnóstico médico de rinite não é explicada por outros estudos.

Existem algumas considerações (ou desvantagens) a ter-se em conta ao analisar os achados deste estudo. Uma delas diz respeito ao fato de que todas as crianças estudadas na coorte de Pelotas eram provenientes da zona urbana; é possível que o contato com determinadas substâncias ou alergênios da zona rural seja diferente do da zona urbana. A classificação dos distintos grupos ou padrões sibilantes baseou-se exclusivamente em dados de questionário, não se tendo, portanto, outras medidas, como testes de atopia, dosagem de imunoglobuinas (IgE), testes de função pulmonar e de hiper-reatividade brônquica.

As informações sobre infecções respiratórias altas e diarréia foram relatadas pela mãe, sem que tenham sido validadas por outras fontes, e se referiam apenas a um curto período antes da entrevista, para evitar viés de recordatório. Portanto, estas variáveis não refletem toda a história de infecções durante o primeiro ano de vida.

O conhecimento dos padrões de sibilância respiratória tem importantes implicações para o paciente. Sabendo-se que o prognóstico do padrão persistente é pior e que estes indivíduos poderão ter déficit de função pulmonar ao longo da vida, a terapia com corticóide inalado, por exemplo, poderá ser um importante item do tratamento deste grupo de pacientes. O fato de que adolescentes com duração maior de amamentação tiveram menor prevalência de sibilância transitória tem implicações preventivas, embora alguns autores tenham relatado ser a amamentação fator de risco para sibilância tardia.(19) Outra medida preventiva importante é a redução ou cessação do tabagismo na gravidez pois, apesar de não ter atingido a significância estatística, observou-se que os padrões persistente e de início tardio foram mais freqüentes em filhos de mães fumantes na gravidez.

Os achados deste estudo são os primeiros na literatura brasileira sobre padrões de sibilância respiratória, em uma coorte do nascimento até a adolescência. A alta prevalência de sibilância - 58% das crianças nascidas em 1993 apresentaram chiado alguma vez na vida até o início da ­adolescência - mostra a relevância desta manifestação clínica. Sabe-se que muitos destes adolescentes não continuarão apresentando chiado; entretanto, alguns deles não somente continuarão sibilando como poderão ter função pulmonar diminuída no futuro.

Referências


1. Heaton T, Rowe J, Turner S, Aalberse RC, de Klerk N, Suriyaarachchi D, et al. An immunoepidemiological approach to asthma: identification of in-vitro T-cell response patterns associated with different wheezing phenotypes in children. Lancet. 2005;365(9454):142-9.

2. Martinez FD, Wright AL, Taussig LM, Holberg CJ, Halonen M, Morgan WJ. Asthma and wheezing in the first six years of life. The Group Health Medical Associates. N Engl J Med. 1995;332(3):133-8.

3. Lau S, Illi S, Sommerfeld C, Niggemann B, Völkel K, Madloch C, et al. Transient early wheeze is not associated with impaired lung function in 7-yr-old children. Eur Respir J. 2003;21(5):834-41.

4. Kurukulaaratchy RJ, Fenn MH, Waterhouse LM, Matthews SM, Holgate ST, Arshad SH. Characterization of wheezing phenotypes in the first 10 years of life. Clin Exp Allergy. 2003;33(5):573-8.

5. Lewis S, Richards D, Bynner J, Butler N, Britton J. Prospective study of risk factors for early and persistent wheezing in childhood. Eur Respir J. 1995;8(3):349-56.

6. London SJ, James Gauderman W, Avol E, Rappaport EB, Peters JM. Family history and the risk of early-onset persistent, early-onset transient, and late-onset asthma. Epidemiology. 2001;12(5):577-83.

7. Rusconi F, Galassi C, Corbo GM, Forastiere F, Biggeri A, Ciccone G, et al. Risk factors for early, persistent, and late-onset wheezing in young children. SIDRIA Collaborative Group. Am J Respir Crit Care Med. 1999;160(5 Pt 1): 1617-22.

8. Silverman M. Asthma and wheezing in young children. N Engl J Med. 1995;332(3):181-2.

9. Bel EH. Clinical phenotypes of asthma. Curr Opin Pulm Med. 2004;10(1):44-50.

10. Shaheen S, Barker DJ. Early lung growth and chronic airflow obstruction. Thorax. 1994;49(6):533-6.

11. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. [cited 2007 mar]. Available from: http//www.ibge.gov.br/

12. Victora CG, Barros FC, Halpern R, Menezes AM, Horta BL, Tomasi E, et al. [Longitudinal study of the mother and child population in an urban region of southern Brazil, 1993: methodological aspects and preliminary results][Article in Portuguese]. Rev Saude Publica. 1996;30(1):34-45.

13. Victora CG, Araújo CL, Menezes AM, Hallal PC, Vieira Mde F, Neutzling MB, et al. Methodological aspects of the 1993 Pelotas (Brazil) Birth Cohort Study. Rev Saude Publica. 2006;40(1):39-46. Erratum in: Rev Saude Publica. 2006;40(2):364.

14. Barros FC, Victora CG, Barros AJ, Santos IS, Albernaz E, Matijasevich A, et al. The challenge of reducing neonatal mortality in middle-income countries: findings from three Brazilian birth cohorts in 1982, 1993, and 2004. Lancet. 2005;365(9462):847-54.

15. Worldwide variation in prevalence of symptoms of asthma, allergic rhinoconjunctivitis, and atopic eczema: ISAAC. The International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) Steering Committee. Lancet. 1998;351 (9111):1225-32.

16. Strachan DP. Family size, infection and atopy: the first decade of the "hygiene hypothesis". Thorax. 2000;55 Suppl 1:S2-10.

17. Openshaw PJ, Hewitt C. Protective and harmful effects of viral infections in childhood on wheezing disorders and asthma. Am J Respir Crit Care Med. 2000;162(2 Pt 2):S40-3.

18. Liu AH, Murphy JR. Hygiene hypothesis: fact or fiction? J Allergy Clin Immunol. 2003;111(3):471-8.

19. da Costa Lima R, Victora CG, Menezes AM, Barros FC. Do risk factors for childhood infections and malnutrition protect against asthma? A study of Brazilian male adolescents. Am J Public Health. 2003;93(11):1858-64.

____________________________________________________________________________________________________________________
Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas - UFPel - Pelotas (RS) Brasil.
1. Médica Pneumologista. Hospital Maciel, Montevideo, Uruguai.
2. Professora Titular de Pneumologia. Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas - UFPel - Pelotas (RS) Brasil.
3. Aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas - UFPel - Pelotas (RS) Brasil.
4. Coordenadora do Curso de Medicina da Escola de Saúde da Universidade Católica de Pelotas - UCPel - Pelotas (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Ana Maria Baptista Menezes. Av. Domingos de Almeida, 1146/casa 25, Barrio Areal, CEP 96085-470, Pelotas, RS, Brasil.
Tel 55 53 3271-2442. E-mail: anamene@terra.com.br
Apoio Financeiro: Estas análises foram financiadas pela Wellcome Trust Initiative for Major Awards for Latin America on Health Consequences of Population Change. Fases anteriores da coorte de 1993 foram financiadas pela União Européia, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo Ministério da Saúde e pelo Programa Nacional para Centros de Excelência.
Recebido para publicação em 18/4/2007. Aprovado, após revisão, em 30/8/2007.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia