ABSTRACT
Objective: Behcet's syndrome, or Behcet's disease (BD), is a multisystem pathology, and survival is related to pulmonary involvement.
However, it appears that different treatments correlate with different prognoses. The aim of this study was to evaluate clinical and tomographic
evolution, as well as the survival, of patients with BD-related pulmonary involvement. Methods: A retrospective review of our experience
with pulmonary manifestations in patients with BD treated at our institution between January 1, 1988 and April 30, 2006. The clinical,
radiological, treatment and survival data were obtained from medical charts. Results: We identified 9 patients with BD-related pulmonary
involvement. The mean age was 34 ± 11.5 years, and 7 of the patients were male. The radiological findings were as follows: pulmonary artery
aneurysm (PAA) in 8 patients; pulmonary embolism in 3 (translating to an incidence of 5.11 cases/100 patient-years); alveolar hemorrhage in
one; and pulmonary hypertension in one. The treatment consisted of immunosuppression with prednisone plus chlorambucil (or cyclophosphamide
or mycophenolate mofetil) in all patients, with partial or complete resolution of the PAAs. One patient with a PAA and pulmonary
hypertension also received sildenafil and warfarin, with good clinical and tomographic response (the first report in the English literature). In
our sample, the mean duration of the follow-up period was 6.52 years. The three-year survival rate was 88.8%, as was the five-year survival
rate. Conclusions:
Patients with BD-related pulmonary involvement can present good survival with immunosuppressive therapy, and BD
should be borne in mind as a possible cause of pulmonary hypertension and alveolar hemorrhage.
Keywords:
Behcet Syndrome; Lung diseases, interstitial; Pulmonary circulation; Hypertension, pulmonary; Pulmonary embolism; Alveolar.
RESUMO
Objetivo: A doença de Behçet (DB) representa uma patologia sistêmica, cuja sobrevida se relaciona com a presença de acometimento
pulmonar. Entretanto, sugere-se que pacientes com diferentes tratamentos podem apresentar diferentes prognósticos. O objetivo deste
estudo foi avaliar a evolução clínica e tomográfica, bem como a sobrevida deste pacientes com acometimento pulmonar relacionado à DB
acompanhados em nosso serviço. Métodos: Uma análise retrospectiva de nossa experiência com pacientes com acometimento pulmonar
relaionado a DB acompanhados de 1 de Janeiro de 1988 a 30 de Abril de 2006. Os dados clínicos, radiológicos, terapêuticos e de sobrevida
foram obtidos dos prontuários médicos. Resultados: Foram identificados 9 pacientes, com idade média de 34 ± 11,5 anos, sendo 7 deles do
sexo masculino. Os achados radiológicos foram aneurisma de artéria pulmonar (AAP) em 8 pacientes, embolia pulmonar em 3 (resultando
em uma incidencia de 5,11 casos/100 paciente-anos), hemorragia alveolar em 1 e hipertensão pulmonar em 1 de 9 doentes. O tratamento
consistiu-se de prednisona mais clorambucil (ou ciclofosfamida ou micofenolato de mofetil) em todos os 9 pacientes, com resolução total
ou parcial dos AAP. O paciente com AAP e hipertensão pulmonar também recebeu sildenafil e warfarina, com boa resposta clínica e tomográfica.
A sobrevida de nossos pacientes foi de 88,8% em 3 e 5 anos, com acompanhamento médio de 6,52 anos. Conclusões: Pacientes
com acometimento pulmonar relacionado à DB podem apresentar boa sobrevida com tratamento imunossupressor, e a DB deve ser lembrada
como uma possível causa de hipertensão pulmonar e hemorragia alveolar.
Palavras-chave:
Síndrome de Behçet; Doenças pulmonares intersticiais; Circulação pulmonar; Hipertensão pulmonar; Embolia pulmonar;
IntroduçãoA doença de Behçet, também conhecida como síndrome de Behçet, é uma patologia sistêmica com um grande componente vasculístico. Classicamente, a doença consiste em uma tríade de sintomas recorrentes: lesões na mucosa oral, lesões nas genitais e uveíte.(1)
Apesar da doença de Behçet afetar, em geral, ambos os sexos com a mesma freqüência, a forma mais severa é tipicamente vista em homens, manifestando-se principalmente como aneurisma de artéria pulmonar (AAP).(2) No manejo de acometimento pulmonar relacionado à doença de Behçet neste subgrupo de pacientes, vários tratamentos foram utilizados, tais como: imunossupressão, anticoagulação, cirurgia ou embolização. Entretanto, não existem estudos randomizados e controlados avaliando estas opções de tratamento, e apenas poucas séries de casos foram publicados sobre o tópico.(3-5) Uma análise cumulativa sugeriu boa sobrevivência em doentes que receberam tratamento imunossupressivo.(6)
O objetivo deste trabalho é analisar a evolução clínica e tomográfica, bem como a sobrevida, de pacientes com acometimento pulmonar relacionado à doença de Behçet em nosso centro, os quais receberam tratamento imunossupressivo.
MétodosTodos os pacientes diagnosticados com a doença de Behçet associada a acometimento pulmonar relacionado à doença de Behçet que procuraram nosso serviço entre 1º de janeiro de 1988 e 30 de abril de 2006 foram considerados elegíveis para o trabalho.(1) Nove pacientes foram diagnosticados, e os seguintes dados foram obtidos através dos prontuários médicos: idade, sexo, resultados dos exames médicos, resultados de tomografia computadorizada de tórax, tratamento prescrito e informações do acompanhamento. Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento informado.
Foi feita análise estatística. Os dados estão apresentados como média ± desvio padrão para variáveis contínuas, e como freqüência e porcentagem para variáveis categóricas. O método de Kaplan-Meier foi usado para avaliar a sobrevida em pacientes com acometimento pulmonar relacionado à doença de Behçet.
ResultadosA Tabela 1 traça as características demográficas e clínicas dos 9 pacientes com acometimento pulmonar relacionado à doença de Behçet, com média de idade de 34 ± 11,5 anos. Os achados de tomografia computadorizada mais importantes foram AAP e embolia pulmonar (Tabela 2; Figuras 1 e 2). Outras alterações observadas foram hemorragia alveolar e hipertensão pulmonar. A hemorragia alveolar, confirmada através de lavado broncoalveolar, ocorreu simultaneamente à embolia pulmonar em um paciente (paciente 6); hipertensão pulmonar, confirmada através de ecocardiografia, ocorreu simultaneamente ao AAP em outro paciente (paciente 9). A tomografia computadorizada de acompanhamento mostrou resolução parcial ou completa do AAP, e nenhum novo AAP surgiu.
Todos os pacientes receberam prednisona mais chlorambucil ou prednisona mais micofenolato mofetil por aproximadamente 18 meses (Tabela 1). Um caso é digno de nota: o paciente 6 apresentava, concomitantemente, hemorragia alveolar (com hemoptises, anemia, infiltração pulmonar difusa e hipoxemia), confirmada através de lavado broncoalveolar, no lobo inferior direito, juntamente a embolia pulmonar, o que foi confirmada usando-se angiografia por tomografia computadorizada multidetectores. Depois do tratamento imunossupressivo (sem anticoagulantes, devido à hemorragia alveolar), a evolução deste paciente foi favorável (Figura 2). Outro caso intrigante, o paciente 9, tinha hipertensão pulmonar e AAP. Este paciente foi tratado com micofenolato mofetil, sildenafil e anticoagulantes, depois do que houve melhora de classe funcional, resolução de cor pulmonale e significante redução no AAP, bem como uma redução significativa na pressão pulmonar arterial sistólica (de 95 para 57 mmHg), como estimado usando-se ecocardiografia (Tabela 2 e Figura 2).
O tempo de sobrevida entre nossos pacientes (sobrevida em um ano, três anos e cinco anos) foi de 88,8%, com uma média de acompanhamento de 6,52 anos (Figura 3). O único óbito ocorreu no terceiro mês de tratamento e foi secundária à massiva hemoptise relacionada ao AAP (paciente 1). É também interessante observar a alta incidência de embolia pulmonar: 3 casos em 9 pacientes monitorados por 6,52 anos, o que se traduz em uma incidência estimada de 5,11 casos/100 pacientes-ano, que é tão alta quanto a vista em vasculite associada a anticorpo citoplasmático antineutrófilo.(7)
DiscussãoO principal achado de nosso trabalho foi a boa sobrevida de nossos pacientes com acometimento pulmonar relacionado à doença de Behçet. O tempo de sobrevida em três anos no presente trabalho foi 88,8% comparado a apenas 45% relatado em outro trabalho.(6) A boa sobrevida de nossos pacientes provavelmente deve-se ao tratamento imunossupressivo administrado a todos pacientes indiscriminadamente, como no subgrupo de pacientes sob tratamento imunossupressivo de outro trabalho, no qual a sobrevida em dois anos foi aproximadamente 80%.(6)
O estudo das imagens tomográficas revelou que a taxa de AAP no presente trabalho foi mais alta que a relatada na literatura (88 contra 33,6%).(6) Apesar do fato de que aneurismas são considerados a manifestação pulmonar com o maior impacto negativo na sobrevida dos pacientes com a doença de Behçet, três anos de sobrevida em nossa amostra foi também melhor que descrito na literatura (88,8 contra 45%).
(6) O caso do paciente 6 é notório; apesar deste apresentar hemorragia alveolar e embolia pulmonar concomitantes (Figura 2), conseguiu-se uma evolução favorável somente com o uso de imunossupressor (sem o tratamento anticoagulante). Depois de três meses, a angiografia por tomográfica computadorizada multidetectores mostrou completa reperfusão da artéria afetada, e o ecocardiograma não revelou hipertensão pulmonar. Isto apóia os achados de outros trabalhos que sugerem que o tratamento imunossupressivo pode controlar ou até reverter o estado pró-trombótico observado na doença de Behçet.(7-9)
Outro caso interessante, o paciente 9, tinha hipertensão pulmonar relacionada à doença de Behçet, que é raramente descrito na literatura.(10) Pelo nosso conhecimento, este paciente representa o primeiro caso descrito na literatura em língua inglesa (PubMed) no qual hipertensão pulmonar relacionada à doença de Behçet apresentou boa resposta ao tratamento com micofenolato mofetil, sildenafil e varfarina, como descrito anteriormente para outras doenças reumatológicas.(11-16)
Nosso estudo possui certas limitações. Por exemplo, a natureza retrospectiva deste estudo pode limitar a força de nossas conclusões. Entretanto, a principal limitação foi o tamanho relativamente pequeno da amostra, o que aumenta a possibilidade de vieses e pode ter influenciado nossos resultados. Entretanto, a análise do subgrupo no trabalho previamente citado corrobora nossos dados.(6) Além disso, o tamanho reduzido da amostra é um problema inerente a estudos de manifestações de doenças com baixa prevalência.(4,5,17,18)
Em suma, pacientes com acometimento pulmonar relacionada à doença de Behçet podem apresentar boa sobrevida com tratamento imunossupressivo adequado. Além disso, a doença de Behçet's deve ser lembrada como uma causa de hemorragia alveolar e hipertensão pulmonar.
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Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
1. Doutorando da Disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
2. Doutorado na Disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
3. Médico Assistente da Disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
4. Chefe do Grupo de Doenças Intersticiais da Disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
5. Professor Livre Docente da Disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP - São
Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Alfredo N C Santana. Rua Oscar Freire, 2121, apto 602, CEP 05409-011, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 3088-0003. E-mail: alfredonicodemos@hotmail.com
Recebido para publicação em 18/6/2007. Aprovado, após revisão, em 11/9/2007.