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Relato de Caso

Pneumoconiose reumatoide (síndrome de Caplan) com apresentação clássica

Rheumatoid pneumoconiosis (Caplan's syndrome) with a classical presentation

Eduardo Mello De Capitani, Marcelo Schweller, Cristiane Mendes da Silva, Konradin Metze, Elza Maria Figueiras Pedreira de Cerqueira, Manoel Barros Bértol

ABSTRACT

Although rare, rheumatoid pneumoconiosis, also known as Caplan's syndrome, can occur in workers exposed to silica, as well as in patients with silicosis, coal workers' pneumoconiosis or asbestosis. Prevalence is higher among patients with silicosis, despite the fact that it was originally described in coal workers with pneumoconiosis. The classical finding that defines this syndrome is that of rheumatoid nodules in the lungs, regardless of whether there are small rounded opacities suggestive of pneumoconiosis or large opacities consistent with massive pulmonary fibrosis, with or without clinical rheumatoid arthritis. We describe the case of a female patient with rheumatoid arthritis, diagnosed 34 years after 7 years of occupational exposure to silica at a porcelain plant. A chest X-ray showed circular opacities of 1-5 cm in diameter, bilaterally distributed at the periphery of the lungs. A CT-guided thoracic punch biopsy of one of those nodules revealed that it was rheumatoid nodule surrounded by a palisade of macrophages, which is typical of Caplan's syndrome. Aspects of diagnosis, classification and occurrence of this syndrome are discussed, emphasizing the importance of the occupational anamnesis of patients with rheumatoid arthritis and lung opacities on chest X-rays.

Keywords: Pneumoconiosis; Arthritis, rheumatoid; Caplan's syndrome; Silicosis.

RESUMO

Apesar de rara, a pneumoconiose reumatoide, também chamada de síndrome de Caplan, pode ser diagnosticada entre trabalhadores expostos à sílica e entre pacientes com silicose, pneumoconiose dos mineiros de carvão e asbestose. A maior prevalência ocorre entre os silicóticos, apesar de ter sido descrita inicialmente em mineiros de carvão com pneumoconiose. O achado que define o tipo clássico da síndrome é a presença de nódulos reumatoides nos pulmões, independente da presença ou não de pequenas opacidades pneumoconióticas, ou de grandes opacidades de fibrose pulmonar maciça, associada ou não a um quadro de artrite reumatoide em atividade. Relatamos o caso de uma mulher com quadro de artrite reumatoide, diagnosticada 34 anos após exposição à sílica livre em uma indústria de porcelana por 7 anos, apresentando radiograma de tórax com opacidades arredondadas de 1 a 5 cm de diâmetro, distribuídas na periferia de ambos os pulmões. A biópsia transtorácica guiada por TC de um dos nódulos revelou tratar-se de nódulo reumatoide com macrófagos em paliçada, típico da síndrome de Caplan. São discutidos aspectos de diagnóstico da síndrome, classificação e ocorrência, ressaltando a importância da anamnese ocupacional em casos de artrite reumatoide com opacidades radiológicas pulmonares.

Palavras-chave: Pneumoconiose; Artrite reumatoide; Síndrome de Caplan; Silicose.

Introdução

A pneumoconiose reumatoide foi definida por Caplan, em 1953,(1) como a associação de imagens radiológicas pulmonares arredondadas, medindo de 0,5 a 5,0 cm de diâmetro, periféricas, associadas ou não a pequenas opacidades pneumoconióticas ou à fibrose maciça pulmonar, em pacientes com artrite reumatoide (AR) e expostos a poeiras de carvão mineral ou sílica. A prevalência dessa entidade entre pneumoconióticos é baixa. Caplan(1) encontrou uma prevalência de 0,4%, e, mais recentemente, Honma e Vallyathan mostraram a ocorrência de 0,75% no Japão e de 1,5% nos EUA.(2) No Brasil, os dados sobre a síndrome restringem-se a dois casos clínicos publicados.(3,4) Descrevemos a seguir um caso clínico com apresentação pulmonar típica e com confirmação tomográfica e histopatológica da presença de nódulos reumatoides nos pulmões.

Relato de caso

Paciente feminina, 55 anos, encaminhada ao nosso serviço por suspeita de neoplasia metastática no pulmão, sem emagrecimento, sem tosse e sem hemoptise. Queixava-se de dispneia aos esforços havia quatro meses. Referia um quadro de poliartrite de mãos, pés e joelhos, acompanhado de rigidez matinal com mais de uma hora de duração há 5 anos e, ao exame físico, apresentava discreto aumento de volume das articulações das mãos e desvio ulnar do carpo, correspondendo ao diagnóstico de AR. Fazia uso de cloroquina, prednisona, meloxican e ranitidina. Tabagista ativa (25 anos-maço), sem antecedentes de doença pulmonar. História ocupacional de trabalho com exposição à sílica livre em cerâmica de porcelana por 7 anos, na função de esmaltadora, entre 1966 e 1972, época em que não existiam medidas de proteção coletiva instaladas nesse tipo de empresa, 34 anos antes do diagnóstico de AR.

Ao exame físico apresentava-se bem, sem sinais de AR em atividade, eupneica, ­frequência respiratória de 12 ciclos/min, frequência cardíaca de 72 bpm, rítmica, ausculta pulmonar sem alterações e SpO2 = 94% em ar ambiente. A espirometria revelou CVF = 2,44 L (87% do predito); VEF1 = 1,49 L (66% do predito); VEF1/CVF = 0,61; e FEF25-75% = 0,86 L/s (38% do predito). Fator reumatóide = 277 UI/mL; fator antinuclear negativo; e velocidade de hemossedimentação de 13 mm na primeira hora.

A radiografia de mãos e punhos evidenciou diminuição simétrica do espaço articular, erosões ósseas marginais e osteoporose periarticular nas articulações metacarpofalangeanas e interfalangeanas proximais (Figura 1a).




O radiograma de tórax revelou nódulos de tamanhos variados, entre 1 e 5 cm de diâmetro, arredondados, bem delimitados, distribuídos na periferia de ambos os pulmões, abrangendo as metades superiores e inferiores de ambos os pulmões, e massas maiores nos dois ápices, também periféricas (Figura 1b).

A TCAR do tórax revelou nódulos redondos bilaterais, bem delimitados, de distribuição periférica e, nos ápices, nódulos não maiores que 5 cm com as mesmas características. Muitas das opacidades mostravam calcificações pontuais. Pequenos nódulos centrolobulares, com atenuação em vidro fosco discreta, em regiões superiores de ambos os pulmões. Presença de adenopatia calcificada no mediastino (Figura 2).





Realizada biópsia transtorácica sob TC de um nódulo de 5 cm periférico, em região posterior do pulmão esquerdo, cuja análise histopatológica mostrou ser um nódulo tipo reumatoide de colágeno frouxo em camadas concêntricas entremeadas por fibrócitos e macrófagos em paliçada, com partículas birrefringentes de entremeio (Figura 3).



Discussão

Entre 1950 e 1952, Caplan observou uma maior prevalência de imagens compatíveis com fibrose maciça entre 51 trabalhadores com pneumoconiose dos mineiros de carvão (PMC) e AR (90% dos casos), quando comparado com pneumoconióticos sem AR (30% dos casos). A prevalência de AR entre 14.000 casos de PMC estudados foi de 0,4%, não acima do esperado.(1). Além disso, em 25% dos casos com PMC e AR, Caplan observou, e descreveu com detalhes, um quadro radiológico característico, distinto das imagens normalmente visualizadas em mineiros de carvão com PMC. Tratava-se de opacidades redondas bem definidas, de 0,5 a 5,0 cm de diâmetro (e, portanto, bem maiores que as opacidades típicas das pneumoconioses e no limite para serem consideradas como parte do quadro de fibrose maciça), distribuídas em toda a extensão dos pulmões, bilateralmente, principalmente na periferia dos mesmos. Ressaltava que "(...) um achado importante nesses casos é que as opacidades típicas de pneumoconiose simples são frequentemente de grau leve ou ausentes, classificadas em categoria 1 ou mesmo 0".(1)

Assim, a presença de pequenas opacidades arredondadas, típicas de pneumoconiose, não é condição necessária para o diagnóstico da síndrome de Caplan. Em seu trabalho original, esse autor demonstrou a presença de pequenas opacidades de categoria 1 ou menor (segundo a classificação da Organização Internacional do Trabalho da época) em 45% dos casos.(1) Sugeria ainda que a exposição não ocupacional a poeiras de carvão, ou a poeiras contendo sílica, poderia explicar a presença de nódulos reumatoides nos pulmões de pacientes com AR sem imagens de pneumoconiose.(5) Por outro lado, as lesões características da síndrome seriam as apresentadas pelos nódulos arredondados periféricos de 0,5 a 5,0 cm, independente da presença de opacidades pneumoconióticas típicas. Essa definição da "síndrome" foi ressaltada por Caplan posteriormente em outro trabalho de 1965.(5)

A literatura francesa propõe chamar essa síndrome de síndrome de Colinet-Caplan, em função da descrição de casos com as características clínicas e radiológicas descritas por Caplan em 3 pacientes com silicose e AR diagnosticados em 1948 e 1950.(6,7)

Em 1955, Gough(8) descreveu as alterações histopatológicas da síndrome, mostrando que os nódulos descritos por Caplan ao radiograma simples eram nódulos reumatoides, com área central de colágeno necrótico, rodeada de processo inflamatório com macrófagos e leucócitos, com variados graus de deposição de poeira. Gardner, em 1992, corroborou os achados de Gough, afirmando a necessidade da presença do nódulo reumatoide no pulmão para o diagnóstico de pneumoconiose reumatoide, independente da presença de nódulos pneumoconióticos. Talvez a visão mais sensata com relação à nomenclatura e à classificação dessa entidade tenha sido colocada por Honma e Vallyathan,(2) classificando a pneumoconiose reumatoide em dois tipos: tipo clássico (síndrome de Caplan), conforme descrito por Caplan (1953, 1959)(1,9) e Gough (1955)(8); e tipo silicótico, sem nódulos reumatoides nos pulmões, mas com pequenos nódulos silicóticos, ou de pneumoconiose por poeira mista, associados à presença de AR.

Apesar de originalmente a síndrome ter sido descrita em mineiros de carvão, numerosos casos têm sido diagnosticados em indivíduos expostos à sílica livre e ao asbesto desde então,(2,10-12) apesar de serem bem mais raros que em indivíduos expostos à poeira de carvão mineral.

A relação das pneumoconioses, principalmente da silicose, com o desencadeamento de doenças autoimunes é um fato reconhecido desde a década de 50, com a publicação de casos associados à esclerodermia (síndrome de Erasmus), lúpus eritematoso sistêmico, doença mista do tecido conjuntivo, etc., e presença anormal de autoanticorpos.(13-16) O processo inflamatório articular da AR é desencadeado por citocinas produzidas por macrófagos ativados. Essas citocinas, claramente implicadas no desenvolvimento da AR e na manutenção do processo inflamatório, como IL-1 e TNF, são detectadas em altas concentrações na membrana sinovial, no líquido sinovial e no soro de pacientes, o que provavelmente estaria relacionado às manifestações extra-articulares da AR.(17)

Os mecanismos imunológicos envolvidos na hiperatividade imune desencadeada pela presença de sílica livre no organismo humano ainda não foram completamente elucidados. Estudos experimentais mostram, sem dúvida, que a sílica desencadeia um importante efeito adjuvante na resposta imune animal, estimulando monócitos e macrófagos, com consequente liberação de citocinas, como a IL-1, fator estimulador de colônias de granulócitos-macrófagos e TNF-α.(18) Além disso, a sílica estimula os macrófagos a produzir espécies reativas do oxigênio e a liberar proteases lisossômicas. Com relação aos linfócitos, existem fortes evidências de que a sílica não estimule diretamente essas células, mas o faça através do estímulo macrofágico, conectando o sistema imune inato (mais antigo filogeneticamente que o adaptativo, baseado na resposta inicial macrofágica) com os braços adaptativos do sistema imune (responsável por respostas específicas humoral e celular a antígenos), incluindo a ativação de células dendríticas, que são as células apresentadoras de antígenos aos linfócitos T CD4.(18) Através dessa conexão, existiria a possibilidade da exposição à sílica desencadear respostas autoimunes em pessoas geneticamente predispostas, como clinicamente ocorre na AR, esclerodermia, lúpus eritematoso sistêmico e outras doenças mistas do colágeno.
Ressalta-se ainda a significativa maior frequência de TB nos casos de pneumoconiose reumatoide quando comparada com casos de pneumoconiose sem nódulos reumatoides.(2)

Revisando a literatura especializada brasileira, não há, até o momento, relatos de casos com as características radiológicas e histopatológicas típicas da síndrome, como descritas no presente caso. Em um estudo de 1981, relatou-se o caso de um paciente masculino de 61 anos, moedor de pedras, com lesões articulares típicas de AR e opacidades nodulares nos terços médios e superiores de ambos os pulmões, mas sem uma descrição detalhada desses achados radiológicos e sem a realização de um exame histopatológico.(3) Outros autores posteriormente descreveram um caso com associação de silicose subaguda e AR em um paciente masculino de 59 anos, perfurador de rochas, mas sem as características radiológicas de tórax típicas da síndrome; a biópsia pulmonar mostrava fibrose inespecífica sem nódulos silicóticos ou nódulos reumatoides, sendo que o nódulo reumatoide descrito era subcutâneo.(4)

O presente caso clínico preenche os critérios estabelecidos para o diagnóstico de síndrome de Caplan do ponto de vista radiológico, histopatológico e de história de exposição. Ressaltamos a importância da anamnese ocupacional em casos de AR com opacidades radiológicas distintas do acometimento pulmonar mais típico da doença. O caso também ilustra de forma didática o potencial da sílica livre e de outras poeiras minerais de desencadear quadros de doenças autoimunes.


Referências


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2. Honma K, Vallyathan V. Rheumatoid Pneumoconiosis: A comparative study of autopsy cases between Japan and North America. Ann Occup Hyg. 2002;46(Suppl 1):265-7.

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Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas, Hospital de Clínicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Eduardo Mello De Capitani. Caixa Postal 7042, CEP 13076-970, Campinas, SP, Brasil.
Tel 55 19 3521-7595. E-mail: capitani@fcm.unicamp.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 27/1/2009. Aprovado, após revisão, em 8/5/2009.


Sobre os autores

Eduardo Mello De Capitani
Docente da Disciplina de Pneumologia. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

Marcelo Schweller
Médico Pneumologista. Unidade de Emergência Referenciada, Hospital de Clínicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

Cristiane Mendes da Silva
Médica Residente. Disciplina de Reumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

Konradin Metze
Docente. Departamento de Anatomia Patológica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

Elza Maria Figueiras Pedreira de Cerqueira
Médica Radiologista. Divisão de Imagens, Hospital Estadual de Sumaré, Universidade Estadual de Campinas, Sumaré (SP) Brasil.

Manoel Barros Bértolo
Docente da Disciplina de Reumatologia. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

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