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Artigo Original

Alteração da pressão intra-cuff do tubo endotraqueal após mudança da posição em pacientes sob ventilação mecânica

Endotracheal tube cuff pressure alteration after changes in position in patients under mechanical ventilation

Armando Carlos Franco de Godoy, Ronan José Vieira, Eduardo Mello De Capitani

ABSTRACT

Objective: The purpose of this study was to investigate endotracheal tube cuff pressure (Pcuff) alteration in patients under mechanical ventilation after changes in position. Methods: All selected patients were initially placed in the 35° semi-Fowler position, with Pcuff adjusted to 20 mmHg, and randomly divided into two groups. Group A, in which patients were moved to the lateral decubitus position, facing away from the ventilator (measurement designated Pcuff A1), returned to the initial position (measurement designated Pcuff A2), moved to a lateral decubitus position, facing the ventilator (measurement designated Pcuff A3) and then returned to the initial position (measurement designated Pcuff A4); and Group B, in which patients were moved to the lateral decubitus position, facing the ventilator (measurement designated Pcuff B1), returned to the initial position (measurement designated Pcuff B2), moved to the lateral decubitus position; facing away from the ventilator (measurement designated Pcuff B3) and then returned to the initial position (measurement designated Pcuff B4). Results: The study comprised 70 patients, 31 allocated to group A and 39 allocated to group B. Values >22 mmHg were observed in 142(50.7%) of the 280 Pcuff measurements taken, and values <18 mmHg were observed in 14 (5%). When moved from the 35° semi-Fowler position to the lateral decubitus position, facing away from the ventilator, 58 (82.2%) of the patients presented mean Pcuff values in the higher range (>22 mmHg). Conclusions: Changes in body position can cause significant Pcuff variations in patients under mechanical ventilation.

Keywords: Pressure; Intubation, intratracheal; Posture; Supine position.

RESUMO

Objetivo: O objetivo deste trabalho foi investigar a alteração da pressão intra-cuff (Pcuff) do tubo endotraqueal em pacientes sob ventilação mecânica, após alteração de sua posição corporal. Métodos: Todos os pacientes selecionados eram inicialmente colocados em posição de semi-Fowler (35°), Pcuff em 20 mmHg, e divididos aleatoriamente em dois grupos. No Grupo A: a Pcuff era medida após mover-se o paciente para decúbito lateral, costas voltadas para o ventilador (denominada Pcuff A1); após retornar o paciente à posição inicial (denominada Pcuff A2); após mover-se o paciente para decúbito lateral, de frente para o ventilador (denominada Pcuff A3); e após retornar o paciente, novamente, à posição inicial (denominada Pcuff A4). No Grupo B: a Pcuff era medida após mover-se o paciente para decúbito lateral, de frente para o ventilador (denominada Pcuff B1); após retornar o paciente à posição inicial (denominada Pcuff B2); após mover-se o paciente para decúbito lateral, costas voltadas para o ventilador (denominada Pcuff B3); e após retornar o paciente, novamente, à posição inicial (denominada Pcuff B4). Resultados: Foram incluídos 70 pacientes no estudo, 31 no grupo A e 39 no grupo B. Valores >22 mmHg foram observados em 142 (50,7%) das 280 medidas de Pcuff realizadas, e valores <18 mmHg, em 14 (5%). Quando movidos da posição de semi-Fowler (35°) para decúbito lateral, costas voltadas para o ventilador, 58 (82,2%) dos pacientes apresentaram valores médios de Pcuff mais altos, >22 mmHg. Conclusões: Mudanças na posição corporal dos pacientes sob ventilação mecânica podem alterar significativamente a Pcuff.

Palavras-chave: Pressão; Intubação intratraqueal; Postura; Decúbito dorsal.

Introdução

Em pacientes sob ventilação mecânica, o balonete do tubo endotraqueal deve permanecer inflado a fim de evitar vazamento de gás e aspiração de secreções da orofaringe para dentro dos pulmões.(1) É importante que a pressão intra-cuff (Pcuff) seja apropriada (faixa recomendada, 18-22 mmHg) e permaneça constante, já que Pcuffs elevadas(2,3)podem sabidamente lesar a parede traqueal e Pcuffs baixas podem promover microaspiração de secreções da orofaringe, predispondo à ocorrência de pneumonia nosocomial e deficiência de ventilação em virtude do vazamento de gás.(3-5)

Acredita-se que vários fatores promovam variações de Pcuff: mudanças no tônus da musculatura da traquéia; hipotermia; hipertermia; difusão de gás anestético para dentro do balonete do tubo; e mudanças na posição do tubo endotraqueal.(4-6)

O objetivo deste estudo foi investigar alterações da Pcuff em pacientes adultos sob ventilação mecânica durante mudanças na posição do paciente.

Métodos

Este estudo foi realizado no serviço de emergência do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Campinas e o protocolo foi aprovado pelo comitê de ética do referido hospital. Os pacientes foram recrutados e selecionados sequencialmente. Os critérios de inclusão foram ter ao menos 18 anos de idade, estar sob ventilação mecânica por não mais que 24 h e estar entubado por via orotraqueal com tubo de balonete de alto volume e baixa pressão. Foram excluídos os pacientes nos quais as mudanças na posição de decúbito foram contraindicadas. Cada paciente foi avaliado apenas uma vez. A Pcuff foi calibrada conectando-se a válvula de ar do tubo piloto do tubo endotraqueal a uma das entradas da torneira de três vias; um manômetro analógico previamente calibrado (em mmHg), com um manômetro de referência, foi conectado a uma das duas entradas restantes; e uma seringa de 5 mL foi conectada à terceira entrada, permitindo a regulagem da Pcuff ao ajustar-se o pistão da seringa. O conjunto para aferição permaneceu conectado à válvula do tubo piloto durante as manobras para mudanças na posição do paciente.

Em todos os casos, os pacientes foram entubados com tubo endotraqueal Portex (Portex Ltd., Hythe, Reino Unido). Todos os pacientes selecionados foram inicialmente colocados em posição de semi-Fowler a 35° com a Pcuff ajustada para 20 mmHg. Os pacientes foram alocados, aleatoriamente, em um de dois grupos de estudo, denominados grupo A e grupo B. A única diferença entre os dois grupos foi a seqüência das mudanças na posição corporal. No grupo A, a primeira medição, denominada Pcuff A1, foi feita após mover-se o paciente da posição de semi-Fowler a 35° para decúbito lateral, costas voltadas para o ventilador. A segunda medição, denominada Pcuff A2, foi feita após retornar o paciente à posição de semi-Fowler a 35°. A terceira medição, denominada Pcuff A3, foi feita após mover-se o paciente para decúbito lateral, de frente para o ventilador. A quarta medição, denominada Pcuff A4, foi feita após retornar o paciente, novamente, à posição de semi-Fowler a 35°. No grupo B, as manobras foram as mesmas que aquelas empregadas no grupo A, mas a seqüência foi diferente: a Pcuff B1 foi medida após mover-se o paciente da posição de semi-Fowler a 35° para decúbito lateral, de frente para o ventilador; a Pcuff B2 foi medida após retornar o paciente à posição de semi-Fowler a 35°; a Pcuff B3 foi medida após mover-se o paciente para decúbito lateral, costas voltadas para o ventilador; e a Pcuff B4 foi medida após retornar o paciente, novamente, à posição de semi-Fowler a 35°. O processo todo seguiu um modelo cruzado no qual todos os pacientes foram submetidos às mesmas mudanças de posição, com a única diferença sendo, na manobra inicial, mover-se o paciente para a posição de decúbito lateral: com as costas voltadas para o ventilador, no grupo A, e de frente para o ventilador no grupo B.

Nas análises estatísticas, os valores médios de Pcuff foram comparados através da análise de variância usando-se o programa BioEstat, versão 3.0 para Windows (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Brasília, Brasil). Os valores de p ≤ 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

Entre janeiro e março de 2006, um total de 70 pacientes foram selecionados para inclusão no estudo: 31 foram alocados no grupo A, e 39 foram alocados no grupo B. A Tabela 1 mostra as médias, desvios padrão e variações de Pcuff, de acordo com as mudanças na posição do paciente, estratificados naqueles nos quais a média estava acima de 22 mmHg e naqueles nos quais a média estava abaixo de 18 mmHg.



Observaram-se valores >22 mmHg em 142 (50,7%) das 280 medições de Pcuff feitas, e valores < 18 mmHg foram observados em 14 (5%).

Como também podemos ver na Tabela 1, 58 (82,2%) dos pacientes apresentaram valores médios de Pcuff na faixa mais alta (>22 mmHg) quando movidos da posição de semi-Fowler a 35° para a posição de decúbito lateral, com as costas voltadas para o ventilador. Em comparação com as outras posições, a diferença foi significativa (p < 0,01).

Discussão

Nossos resultados sugerem que a mudança da posição do paciente durante a ventilação mecânica pode resultar em alterações significativas na Pcuff.

Vários fatores podem induzir lesões no trato respiratório de pacientes sob ventilação mecânica. Tais fatores incluem os seguintes: umidificação inadequada da via aérea; alta fração de oxigênio inspirado; aquecimento insuficiente dos gases administrados; sucção traqueal freqüente; entubação endotraqueal prolongada; ventilação mecânica prolongada; e valores de Pcuff inadequados.(7-11) Alguns pesquisadores sugerem que, entre esses fatores, valores de Pcuff inadequados (variação de Pcuff) são de grande importância na gênese das lesões pós-entubação diagnosticadas no trato respiratório. Variações na Pcuff podem danificar a parede traqueal e promover aspiração de conteúdo da orofaringe, levando a pneumonia nosocomial.(7-9) Quando a Pcuff permanece entre 18 e 22 mmHg, os danos à parede traqueal tendem a ser ­minimizados ou evitados. Entretanto, após 2-12 h, a uma Pcuff de aproximadamente 20 mmHg, um processo ­inflamatório local pode começar em áreas que estão em contacto direto com o balonete. A gravidade do processo é proporcional à duração da entubação.(8) Inversamente, se a Pcuff for mantida abaixo de 18 mmHg, podem ocorrer microaspirações de conteúdo orofaríngeo.(12) O corte imediatamente acima do balonete coleta secreções orofaríngeas e das vias aéreas superiores, sendo a fonte de material para microaspirações se o balonete de ar perder a pressão.(13,14)

Estudos anteriores relataram várias medidas profiláticas que poderiam ser tomadas a fim de evitar dano ao sistema respiratório causado simplesmente pela presença do tubo endotraqueal ou pela variação na Pcuff: controle regular e periódico da Pcuff(1); uso de tubos endotraqueais com diâmetro adequado(6); uso de uma válvula reguladora de Pcuff no tubo piloto; uso de tubos endotraqueais com balonete de alto volume e baixa pressão; e aspiração contínua do conteúdo orofaríngeo.(1) Embora o advento dos tubos endotraqueais com balonete de alto volume e baixa pressão, no início da década de 70, tenha diminuído a freqüência das lesões traqueais pós-entubação, este tipo de balonete, quando inflado com grandes volumes, pode alcançar pressões que danificam os tecidos, após 2-4 h.(15)

Até onde sabemos, não há estudos que tenham investigado mudanças na posição do paciente associadas à variação da Pcuff, durante a ventilação mecânica. No presente estudo, encontramos valores de Pcuff acima de 22 mmHg e abaixo de 18 mmHg nos dois grupos estudados. A variação na Pcuff pode ter ocorrido em virtude da compressão ou descompressão do tubo endotraqueal sobre o balonete causadas por movimento e mudanças na posição do circuito do ventilador mecânico. No entanto, a variação na Pcuff também pode ser atribuída à membrana do balonete em dobras, independentemente de mudanças na posição do paciente.(1) Os valores médios de Pcuff, bem como o número de valores de Pcuff acima ou abaixo dos valores de referência observados nas Pcuffs A1 e B3 (após o paciente ter sido movido da posição de semi-Fowler a 35° para a posição de decúbito lateral, costas voltadas para o ventilador) foram mais altos que aqueles observados para as Pcuffs A3 e B1 (após o paciente ter sido movido da posição de semi-Fowler a 35° para a posição de decúbito lateral, de frente para o ventilador). Esta diferença foi significativa (p < 0,05) e pode ser atribuída à maior tensão colocada no circuito de ar do ventilador ao colocar-se o paciente com as costas voltadas para o ventilador.

Vários autores têm recomendado que, a fim de prevenir cicatrizes e pneumonia nosocomial, os pacientes sob ventilação mecânica deveriam ser submetidos a mudanças de posição regulares e periódicas.(5,11,16) Contudo, acreditamos que, durante tais mudanças de posição, cuidado especial deveria ser tomado a fim de monitorar e, caso necessário, recalibrar a Pcuff.

Mover pacientes sob ventilação mecânica da posição de semi-Fowler a 35° para a posição de decúbito lateral pode resultar em variações significativas na Pcuff. No cuidado de rotina de tais pacientes, a medição e o ajuste regulares da Pcuff após mudanças na posição corporal devem ser incentivados.

Referências


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Trabalho realizado no Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
1. Fisioterapeuta do Serviço de Emergência. Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
2. Chefe do Serviço de Emergência. Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
3. Chefe do Departamento de Doenças Pulmonares. Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Armando Carlos Franco de Godoy. Rua Hercules Florence, 100, apto. 23, Botafogo, CEP 13020-170, Campinas, SP, Brasil.
Tel 55 19 3231-4742. Email: armandogodoy@ig.com.br
Recebido para publicação em 1/6/2007. Aprovado, após revisão, em 13/8/2007.

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