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Cartas ao Editor

Hemossiderose pulmonar associada à doença celíaca: melhora após dieta livre de glúten

Pulmonary hemosiderosis associated with celiac disease: improvement after a gluten-free diet

José Wellington Alves dos Santos, Abdias Baptista de Mello Neto, Roseane Cardoso Marchiori, Gustavo Trindade Michel, Ariovaldo Leal Fagundes, Leonardo Gonçalves Marques Tagliari, Tiago Cancian

Ao Editor:

A hemossiderose pulmonar é uma doença grave e potencialmente fatal, que se manifesta principalmente durante a infância e a adolescência. Ocorre quando há extravasamento de sangue dos capilares alveolares para o tecido pulmonar. Consequentemente, há a transformação da hemoglobina em hemossiderina, que é fagocitada por macrófagos, os quais produzirão uma resposta inflamatória crônica. Com a persistência das hemorragias, poderão ocorrer depósitos de ferro no parênquima pulmonar, anemia por deficiência de ferro e fibrose pulmonar.(1) A associação entre hemossiderose pulmonar e doença celíaca foi inicialmente descrita em 1971 por Lane & Hamilton,(2) e seus fenômenos fisiopatológicos ainda não estão completamente desvendados. A hemossiderose pulmonar apresenta-se, na maioria dos casos, com febre e anemia, associadas a sintomas respiratórios, tais como tosse, hemoptise e dispneia.(3) Uma vez realizado o diagnóstico e instituída a dieta livre de glúten, o prognóstico é favorável, e raros casos necessitam terapia medicamentosa. Gostaríamos de relatar um caso de um paciente com hemossiderose pulmonar associada à doença celíaca assintomática.

Tratava-se de um paciente de 29 anos, do sexo masculino, branco, casado, motorista, natural e procedente de Santa Maria, RS. Previamente hígido, há cinco meses iniciara com fadiga e dispneia aos médios esforços, acompanhadas de perda ponderal de 4 kg, sem acompanhamento médico no período. Nos quinze dias anteriores à admissão hospitalar, houve piora da dispneia, acompanhada de tosse seca persistente. Negava quaisquer outros sintomas. Encontrava-se em bom estado geral, eutrófico, lúcido, orientado, coerente, com mucosas úmidas e descoradas (3+/4+), anictérico, acianótico, eupneico, com sinais vitais dentro dos limites da normalidade e SpO2 em ar ambiente de 98%. O exame cardiopulmonar, neurológico e abdominal não mostrou anormalidades. Não apresentava lesões cutâneas ou articulares, edema periférico ou hipocratismo digital.

A avaliação laboratorial inicial mostrava anemia microcítica e hipocrômica (hemoglobina = 5,5 g/dL; hematócrito = 21,2%; hemoglobina corpuscular média = 15,8 pg; volume corpuscular médio = 60,7 fL; concentração de hemoglobina corpuscular média = 25,9 g/dL e red cell distribution width = 17%). Os testes anti-HIV, anticorpos anticitoplasma de neutrófilos C, anticorpos anticitoplasma de neutrófilos P e anticorpos antimembrana basal glomerular foram não reagentes.

A radiografia torácica evidenciava opacidades alveolares bilaterais (Figura 1A). A TCAR de tórax demonstrou áreas em vidro fosco de predomínio medular, com algumas áreas de consolidação alveolar (Figura 1B). O diagnóstico de hemossiderose pulmonar foi considerado durante a avaliação da TCAR de tórax. A fibrobroncoscopia não evidenciou lesões; porém, foram visualizados macrófagos alveolares contendo grânulos de hemossiderina (siderófagos) no lavado broncoalveolar.



Na investigação de anemia ferropriva, foi detectada positividade para anticorpo antiendomísio e antigliadina. A colonoscopia não detectou alterações, e a biópsia de mucosa ileal demonstrou hiperplasia de folículos linfoides. Durante a esofagogastroscopia, foi observada duodenite enantematosa leve. As biópsias sugeriram gastrite crônica inativa, não atrófica (grau 1), com pesquisa de Helicobacter pylori negativa e processo inflamatório crônico em atividade na mucosa duodenal, com achatamento moderado das vilosidades e áreas de aparente linfocitose intraepitelial, consistentes com o diagnóstico de doença celíaca.

Com a instituição da dieta livre de glúten, houve regressão das lesões pulmonares e melhora clínica após seis meses. Até o momento da redação desta carta, o paciente encontrava-se em acompanhamento no serviço de pneumologia, assintomático, com radiografia de tórax e níveis de hemoglobina normais (Figura 2).



A manifestação de hemossiderose pulmonar associada à doença celíaca em um adulto de 29 anos é rara, visto que as faixas etárias com maior número de casos são aquelas que incluem a infância e a adolescência.(4) Em um estudo de 2007, quinze pacientes possuíam idade inferior aos 20 anos, enquanto apenas cinco tinham mais de 20 anos.(5) Tais dados sugerem uma tendência de que essas doenças se manifestam em pessoas mais jovens.

O diagnóstico de hemossiderose pulmonar deve ser aventado quando o paciente apresenta a tríade de hemoptise recorrente, anemia por deficiência de ferro e radiografia de tórax demonstrando infiltrado na região medular do parênquima pulmonar. No entanto, como no caso descrito, a apresentação clínica pode ser atípica, sem a manifestação de hemoptise, o que dificulta o diagnóstico. Em geral, a TCAR de tórax demonstra um padrão em vidro fosco, com predomínio em lóbulos pulmonares inferiores e sem acometer a periferia do parênquima pulmonar. Após a exclusão de outras doenças por testes sorológicos, microbiológicos e radiológicos, o lavado broncoalveolar com a presença de macrófagos com ligantes de hemossiderina (siderófagos) confirma o diagnóstico. Em seguida, devem-se excluir doenças ou agentes sabidamente relacionados, dentre eles, a doença celíaca.(6) Para isso, a pesquisa sorológica de anticorpos antiendomísio e antigliadina deve ser feita mesmo na ausência de sintomas gastrointestinais.(7)

É importante confirmar a presença da doença celíaca, pois é sabido que o tratamento com a dieta livre de glúten pode auxiliar na regressão de todos os sintomas e proporcionar uma melhora radiológica na maioria dos indivíduos,(8) como visto no presente caso clínico. O acompanhamento nutricional em longo prazo também é importante, pois há registros de que a má adesão à dieta pode reativar os sintomas respiratórios e gastrointestinais.(3)

Em conclusão, a associação entre hemossiderose pulmonar e doença celíaca em adultos é rara, devendo ser suspeitada, visto que a enfermidade pulmonar causa repercussões clínicas importantes. Se não tratada, pode determinar um mau prognóstico, com evolução para fibrose pulmonar e limitação respiratória crônica. A investigação de doença celíaca em pacientes com hemossiderose pulmonar deve ser realizada mesmo na ausência de sintomas gastrointestinais. As escassas evidências da literatura demonstram que a dieta livre de glúten é o tratamento mais eficaz para a remissão dos sintomas, apesar de o mecanismo pelo qual ocorre a melhora clínica do quadro pulmonar ainda ser desconhecido. Em alguns casos, pode haver benefício através da utilização de corticosteroides e imunossupressores como opção terapêutica.(3)


José Wellington Alves dos Santos
Chefe do Serviço de Pneumologia, Hospital Universitário de Santa Maria, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria (RS) Brasil

Abdias Baptista de Mello Neto
Médico Residente em Pneumologia, Hospital Universitário de Santa Maria, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria (RS) Brasil

Roseane Cardoso Marchiori
Professora da
Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria (RS) Brasil

Gustavo Trindade Michel
Professor da Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de Santa
Maria, Santa Maria (RS) Brasil

Ariovaldo Leal Fagundes
Médico Pneumologista,
Serviço de Pneumologia do
Hospital Universitário de Santa Maria, Universidade Federal de Santa
Maria, Santa Maria (RS) Brasil

Leonardo Gonçalves Marques Tagliari
Acadêmico do Curso de Medicina, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria (RS) Brasil

Tiago Cancian
Acadêmico do Curso de Medicina, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria (RS) Brasil



Referências

1. Nuesslein TG, Teig N, Rieger CH. Pulmonary haemosiderosis in infants and children. Paediatr Respir Rev. 2006;7(1):45-8. PMid:16473816. http://dx.doi.org/10.1016/j.prrv.2005.11.003

2. Lane DJ, Hamilton WS. Idiopathic steatorrhoea and idiopathic pulmonary haemosiderosis. Br Med J. 1971;2(5753):89-90. PMid:5551274 PMCid:1795538. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.2.5753.89

3. Khemiri M, Ouederni M, Khaldi F, Barsaoui S. Screening for celiac disease in idiopathic pulmonary hemosiderosis. Gastroenterol Clin Biol. 2008;32(8-9):745-8. PMid:18603390. http://dx.doi.org/10.1016/j.gcb.2008.05.010

4. Malhotra P, Aggarwal R, Aggarwal AN, Jindal SK, Awasthi A, Radotra BD. Coeliac disease as a cause of unusually severe anaemia in a young man with idiopathic pulmonary haemosiderosis. Respir Med. 2005;99(4):451-3. PMid:15763451. http://dx.doi.org/10.1016/j.rmed.2004.09.007

5. Agarwal R, Aggarwal AN, Gupta D. Lane-Hamilton syndrome: simultaneous occurrence of coeliac disease and idiopathic pulmonary haemosiderosis. Intern Med J. 2007;37(1):65-7. PMid:17199848. http://dx.doi.org/10.1111/j.1445-5994.2006.01226.x

6. Ioachimescu OC, Sieber S, Kotch A. Idiopathic pulmonary haemosiderosis revisited. Eur Respir J. 2004;24(1):162-70. PMid:15293620. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.04.00116302

7. Agarwal R, Aggarwal AN, Gupta D. Case 3-2007: a boy with respiratory insufficiency. N Engl J Med. 2007;356(22):2329; author reply 2330. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMc070497

8. Sethi GR, Singhal KK, Puri AS, Mantan M. Benefit of gluten-free diet in idiopathic pulmonary hemosiderosis in association with celiac disease. Pediatr Pulmonol. 2011;46(3):302-5. PMid:20967850. http://dx.doi.org/10.1002/ppul.21357

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