ABSTRACT
Objective: To analyze the effectiveness of the Tuberculosis Control Program, in conjunction with the recently incorporated Family Health Program, in the city of Cáceres, Brazil, between 1999 and 2004. Methods: This was a descriptive epidemiological study, based on the registry of tuberculosis cases diagnosed and treated in Cáceres, according to the characteristics of the cases diagnosed, whether or not the protocol for diagnosis, treatment, and monitoring of patients was followed, as well as the type of health care facility involved. Results: The incidence of tuberculosis was reduced from 99.4 to 49.8 (per 100,000 inhabitants) between 1999 and 2004. The patients presented characteristics similar to those of patients from other regions of Brazil, with a predominance of males during their most economically productive years. Among the patients presenting pulmonary forms and treated via the Family Health Program, there was a reduction in the number of sputum smear microscopies performed at the moment of diagnosis (OR = 0.33; 95%CI: 0.16-0.66) and prior to discharge (OR = 0.32; 95%CI: 0.18‑0.59). The patients monitored via the Family Health Program presented a 16.4% lower cure rate than did those treated at the referral center, as well as being more likely to abandon treatment (OR = 2.93; 95%CI: 1.15-7.46) and to die (OR = 5.71; 95%CI: 1.85‑18.1). Conclusion: The decentralization of the treatment services to the family health clinics did not improve the treatment or monitoring of tuberculosis cases in the city of Cáceres.
Keywords:
Tuberculosis/epidemiology; Community Health Services; Health care reform/Brazil.
RESUMO
Objetivo: Analisar o Programa de Controle da Tuberculose em Cáceres, Mato Grosso, entre 1999 e 2004, e o impacto que sobre ele teve a implantação do Programa de Saúde da Família, ocorrida em 2000. Métodos: Estudo epidemiológico descritivo, com base nos registros de casos de tuberculose diagnosticados e tratados em Cáceres, segundo as características dos doentes, o cumprimento ou não do protocolo para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos doentes e o tipo de unidade de saúde responsável pelo atendimento. Resultados: A incidência de tuberculose foi reduzida de 99,4 para 49,8 (por 100 mil habitantes) de 1999 a 2004. Os doentes apresentaram características
similares às dos doentes de outras regiões do Brasil, com maioria do sexo masculino em idade economicamente produtiva. Entre os portadores de formas pulmonares atendidos pelo Programa de Saúde da Família, o número de baciloscopias realizadas no momento do diagnóstico (OR = 0,33; IC95%: 0,16-0,66) e no momento da alta (OR = 0,32; IC95%: 0,18-0,59) foi menor. Os pacientes acompanhados pelo Programa de Saúde da Família apresentaram uma taxa de cura 16,4% menor do que os pacientes atendidos na unidade de referência, assim como tiveram maior probabilidade de abandonarem o tratamento (OR = 2,93; IC95%: 1,15-7,46) e maior probabilidade de irem a óbito (OR = 5,71; IC95%: 1,85-18,1). Conclusão: A desconcentração do atendimento para unidades de saúde da família não resultou em melhoria no atendimento e acompanhamento dos casos de tuberculose do município de Cáceres.
Palavras-chave:
Tuberculose/epidemiologia; Programa Saúde da Família; Reforma dos serviços de saúde/Brasil.
IntroduçãoA tuberculose (TB) destaca-se por sua magnitude, constituindo-se um sério problema de saúde pública no mundo atual. Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), um terço da população mundial está infectada pelo bacilo da TB. A taxa de crescimento da incidência da TB entre 1997 e 1999 foi de 6% ao ano. Em 2002, cerca de 80% dos casos novos concentravam-se em 22 países, entre eles o Brasil. Neste grupo, a Índia ocupa a 1ª posição, com 1.856.000 casos novos, e o Brasil, a 15ª, com aproximadamente 116.000.(1) No ano de 2003, o coeficiente de incidência de TB de todas as formas, para o país, foi de 40,76 por 100.000 habitantes, com 72.949 casos novos. Na região Centro-Oeste, que concentra 6,9% da população brasileira, a taxa incidência foi de 27,11 por 100.000 habitantes, com 3.394 casos diagnosticados. Em Mato Grosso, no mesmo ano, foram notificados 1.065 casos novos, redundando em um coeficiente de incidência de 39,52 por 100.000 habitantes.(2)
Diante da carga de morbimortalidade da TB, medidas para controlar a doença foram estabelecidas, sistematizadas e intensificadas pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), oficializado em 1999. Em 2001, foi lançado o Plano Nacional de Mobilização para Eliminação da Hanseníase e Tuberculose.(3) As ações desenvolvidas nestes programas visam o incremento da detecção precoce e do tratamento diretamente observado de curta duração - conhecido como directly observed therapy, short-course (DOTS) em inglês - dos casos de TB, conforme recomendado internacionalmente. O governo brasileiro reconhece a importância de descentralizar e desconcentrar as ações de controle da TB, e recomenda que a assistência aos doentes seja estendida a todas as unidades básicas de saúde existentes.(3) A integração do controle da TB com a atenção básica inclui o Programa de Agentes Comunitários de Saúde e o Programa de Saúde da Família (PSF) para garantir a efetiva ampliação do acesso ao diagnóstico e tratamento.
Este estudo tem por objetivo analisar o programa de controle da TB no município de Cáceres (MT), que é um dos municípios prioritários para o controle da TB no Brasil. A análise refere-se às características dos casos diagnosticados, aos procedimentos padronizados e recomendados pelo Ministério da Saúde para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos doentes e ao tipo de unidade de saúde responsável pelo atendimento no período de 1999 a 2004.
O município de Cáceres, com 86.430 habitantes (em 2004), localiza-se no oeste do estado de Mato Grosso, a 210 km da capital, Cuiabá.(4) Segundo os critérios definidos pelo Ministério da Saúde,(5) o município de Cáceres destaca-se como prioritário no tratamento de doentes com TB, pelo PNCT/2004, em razão da elevada incidência da doença e, ainda, por oferecer serviços de referência para internação dos casos provenientes de municípios da região sudoeste de Mato Grosso.
Em 2004, os serviços de saúde eram estruturados em 08 equipes de saúde da família e 01 ambulatório do Hospital Bom Samaritano, considerado uma unidade de referência para a disponibilização da estratégia DOTS para a população que não possui cobertura de unidade saúde da família e, ainda, para a realização dos exames baciloscópicos de todas as unidades do município. Os casos que demandam internação são encaminhados ao Hospital São Luiz, que também funciona como referência regional. A implantação do PSF teve início no ano de 2000. Em 2004, a cobertura do PSF alcançou 35% da população do município.
MétodosDesenho do estudoEstudo epidemiológico descritivo realizado com base nos registros de casos de TB diagnosticados e tratados no município de Cáceres (MT). Foram incluídos no estudo todos os casos notificados no período de 1999 a 2004, em razão da disponibilidade dos registros dos casos de TB no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) da Secretaria Estadual de Saúde do Mato Grosso a partir do primeiro ano selecionado para o estudo. Por meio do código de identificação das unidades de saúde e orientação verbal de técnicos do Escritório Regional de Saúde de Cáceres, foi possível identificar quais eram as unidades de saúde da família.
Descrição das variáveis em estudoForam selecionadas as seguintes variáveis para análise de dados: ano de diagnóstico; tipo de tratamento, segundo a estratégia do mesmo (DOTS ou não-DOTS); forma clínica da doença (extrapulmonar ou pulmonar); modo de entrada (caso novo, recidiva, reingresso após abandono, não sabe e transferência); faixa etária; sexo; realização de baciloscopia (no momento do diagnóstico e da alta), exame de raio-X, cultura de escarro e teste anti-HIV; evolução do caso (cura, abandono ou óbito) e unidade de tratamento (equipe de saúde da família ou unidades de referência - compreendendo o ambulatório e o hospital para os casos de internação). Considerando-se que apenas 20 casos de TB (6%) foram notificados na unidade hospitalar de internação, estes foram agregados aos casos notificados no ambulatório de modo a conformar dois grupos de comparação para o conjunto das demais variáveis - unidade de referência e unidade de saúde da família.
Análise de dadosA análise de proporções segundo a freqüência relativa das variáveis em estudo foi realizada por meio dos programas Epi-Info® e Excel®. A equação de tendência linear foi utilizada para calcular a incidência de TB no período de estudo e, ainda, para distribuir linearmente o número de casos segundo o tipo de unidade de saúde que realizou o diagnóstico e o tratamento. Foi realizada análise bivariada, segundo o tipo de unidade que prestou atendimento e a realização ou não de baciloscopia no momento do diagnóstico e da alta, a utilização ou não da estratégia DOTS, a realização ou não de teste anti-HIV e a evolução do caso, por meio do cálculo das ORs e seus respectivos intervalos de confiança em nível de significância de 95%.
Aspectos éticosEste artigo é um dos produtos do projeto de pesquisa 'Avaliação das ações de vigilância epidemiológica entre os contatos intradomiciliares de hanseníase e tuberculose do Estado de Mato Grosso aprovado no edital: MS/CNPq/FAPEMAT - Nº 006/2004, financiado de acordo com o processo 121/05, avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (processo 161/06).
ResultadosNo município de Cáceres, foram diagnosticados e tratados 333 casos de TB no período de 1999 a 2004. O coeficiente de incidência de TB (por 100 mil habitantes) sofreu importante variação no período estudado, reduzindo-se de 99,4 em 1999 para 49,8 em 2004, o que representa uma queda de 49,9% na magnitude da doença naquela localidade (Figura 1). Ainda que a redução do coeficiente de incidência não tenha sido estável, e tenha mostrado queda mais acentuada entre 1999 e 2000, de acordo com a equação de regressão linear, o valor do coeficiente angular é igual a -7,6857 quando utilizados todos os valores da série. Na comparação da redução da incidência entre 2000 e 2004, verifica-se uma queda de 22,3%, passando de 64,1 para 49,8 casos por 100 mil habitantes.
Até o ano de 1999, 100% da assistência aos doentes com TB era realizada no centro de saúde. A partir de então, teve início o processo de desconcentração do atendimento para unidades do PSF (Figura 2). Observa-se que o maior número de pacientes diagnosticados e tratados em unidade de saúde da família foi diagnosticado em 2002.
Verifica-se que, após 2002, houve redução da desconcentração da assistência, com predomínio do atendimento (81,4% dos pacientes) em unidade de referência.
A Tabela 1 apresenta as variáveis e respectivas categorias de análise relacionadas ao perfil epidemiológico, abrangendo: sexo, faixa etária, forma da doença e condutas dos serviços de saúde no diagnóstico e tratamento dos casos de TB. Observa-se que 69,1% dos pacientes diagnosticados são do sexo masculino e 30,9% são do sexo feminino. Dentre os pacientes diagnosticados, 59,8% tinham entre 15 e 49 anos. A forma pulmonar (91,3%) predominou em relação à forma extrapulmonar. A entrada dos casos notificados ao SINAN deu-se principalmente pelos casos novos (79,9%), seguidos pelas recidivas (8,1%) e pelo reingresso pós-abandono de tratamento (6,9%). Na fase de diagnóstico, 70,6% dos pacientes foram submetidos a raio-X e 18,9% foram submetidos a teste tuberculínico. Dentre os 333 casos estudados, 83,2% foram submetidos a exame de baciloscopia de escarro para pesquisa de bacilos álcool-ácido-resistentes no momento do diagnóstico. A baciloscopia no momento da alta foi realizada em 155 pacientes, o que corresponde a 46,5% dos casos de TB diagnosticados e a 51% dos casos pulmonares. Em 294 (88,2%) dos casos estudados, não foi realizado o teste anti-HIV. Dos 39 (15,5%) exames solicitados, 07 (17,9%) foram positivos, 21 (53,8%) foram negativos e 11 (28,2%) estavam em andamento. Dos 109 pacientes com baciloscopia negativa, 31 foram submetidos a algum exame, 27 foram submetidos à cultura, 09, à histopatologia e 5, à histopatologia e cultura de escarro. Constatou-se que, em 78 casos, não foi realizado nenhum procedimento preconizado pelo PNCT para confirmação diagnóstica de TB. Verificou-se ainda que, dos pacientes com baciloscopia negativa, 14 não foram submetidos a raios-X.
A Tabela 2 apresenta as seguintes variáveis: baciloscopia (no momento do diagnóstico e no momento da alta); tipo de esquema terapêutico; exame anti-HIV e evolução do caso segundo local de atendimento, categorizado em PSF ou centro de referência. Verifica-se que a porcentagem de casos com baciloscopia realizada no momento do diagnóstico alcançou 90,3% apenas para os doentes da unidade de referência. No que se refere aos casos com baciloscopia realizada no momento da alta, os dois tipos de unidade apresentaram menor porcentagem de pacientes examinados em comparação à realização do exame no momento do diagnóstico, sendo que, na unidade de referência, 56% dos pacientes foram examinados e, nas unidades de saúde da família, apenas 29% o foram. Os doentes com formas pulmonares atendidos pelo PSF tiveram uma probabilidade 67% menor de serem submetidos a baciloscopia inicial (OR = 0,33; IC95%: 0,16-0,66) e uma probabilidade 68% menor de serem submetidos a baciloscopia no momento da alta (OR = 0,32; IC95%: 0,18-0,59) do que aqueles atendidos na unidade de referência. Considerando os casos de TB nas formas pulmonares e extrapulmonares, não foi verificada diferença estatisticamente significante entre os pacientes do PSF e os pacientes do centro de referência em termos da inserção no tratamento segundo a estratégia DOTS (OR = 1,7; IC95%: 0,82-3,52). Observa-se que, nos dois tipos de unidades analisados, a estratégia DOTS vem sendo oferecida a aproximadamente 80% dos pacientes. Por outro lado, a análise da variável 'teste anti-HIV' mostra que menos de 20% dos pacientes foram submetidos ao exame, e que estes tiveram uma chance 2,3 vezes maior de serem submetidos ao teste nas unidades de saúde da família (OR = 2,3; IC95%: 1,13-4,76). Quanto à evolução dos casos diagnosticados em ambas as unidades de saúde, os pacientes acompanhados pelo PSF apresentaram uma taxa de cura 16,4% menor do que os pacientes atendidos na unidade de referência, assim como uma probabilidade maior de abandonarem o tratamento (OR= 2,93; IC95%: 1,15-7,46) e uma probabilidade maior de irem a óbito (OR = 5,71; IC95%: 1,85-18,1).
DiscussãoApesar da redução da incidência da TB ao longo de todo o período estudado, a proximidade do município de Cáceres com a fronteira da Bolívia e a alta endemicidade da região contribuem para a relevância que deve ser dada às ações de controle naquela localidade. Os doentes diagnosticados em Cáceres apresentaram características epidemiológicas semelhantes às dos pacientes em tratamento em outras cidades brasileiras,(6-9) inclusive em Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso,(10) com predominância de casos do sexo masculino, em idade economicamente produtiva, nas formas pulmonares.
As fragilidades do PSF em termos de resolubilidade, conseqüentes, dentre outros fatores, da rotatividade profissional, vêm sendo apontadas como um dos problemas para a manutenção da estratégia de mudança de modelo assistencial.(11-13) A dificuldade de fixação de profissionais torna-se mais crítica nos períodos pré e pós-eleitorais. Esta possivelmente tenha sido uma das razões para a redução das ações do PSF em 2002 e 2004, haja vista as eleições estaduais e municipais.
O protocolo para o tratamento da TB padroniza as ações de diagnóstico e acompanhamento dos casos, considerando a efetividade da conduta proposta tanto para o diagnóstico quanto para a cura dos casos. Em Cáceres, esperava-se que a implantação de unidades de saúde da família e a existência de uma unidade de referência para TB representassem incremento das ações recomendadas para o controle da doença. Sendo assim, a oferta de exames laboratoriais e de procedimentos previstos no protocolo terapêutico sugere a possibilidade de garantia de qualidade dos serviços prestados em termos de apoio diagnóstico. Alguns autores(14) verificaram melhoria da qualidade do registro de dados e do monitoramento dos casos, com aumento da taxa de cura e redução da taxa de abandono, ao avaliarem as intervenções do PSF no município de Mendes (RJ).
A baciloscopia de escarro é a medida prioritária para o diagnóstico da TB pulmonar porque permite identificar e tratar os pacientes bacilíferos e interromper a cadeia de transmissão da doença.(15) Ainda que a baciloscopia apresente limitações, esta representa rendimento no diagnóstico de TB em razão da facilidade na execução, por ser um procedimento laboratorial simples, confiável, pouco oneroso e disponível na rede de saúde.(16,17) Se por um lado a baciloscopia de escarro não foi totalmente valorizada no momento do diagnóstico, situação pior foi observada no momento da alta, quando, ao final do tratamento, menos de 30% dos pacientes do PSF foram submetidos ao exame conforme recomendado. Estes resultados sugerem que os serviços de saúde locais devem rever as estratégias de monitoramento dos doentes durante o tratamento da TB e também no momento da alta por cura comprovada.(18)
A relevância da associação TB/HIV justifica a recomendação da realização do teste anti-HIV, ainda que o paciente possa se recusar a fazer o exame. A OMS ressalta a importância do aconselhamento e da realização do teste em caráter voluntário. No entanto, a infecção pelo HIV é o maior fator de risco para se adoecer por TB em indivíduos previamente infectados pelo bacilo,(8) além da maior taxa de letalidade verificada nesse grupo.(9) Possivelmente a baixa adesão a este procedimento em Cáceres seja decorrente da falta de capacitação e/ou orientação dos profissionais de saúde, da sobrecarga de trabalho e até da carência de ambulatórios de referência, embora o município possua um Centro de Testagem e Aconselhamento, disponível para a realização dos testes anti - HIV para atender a região de Cáceres, desde 1999.
No que se refere à adesão ao tratamento da TB, alguns estudos têm mostrado a eficácia da estratégia DOTS. Em Cuiabá, a taxa de abandono é menor entre os casos de TB com tratamento supervisionado.(10) O mesmo foi verificado em Bauru (SP), onde o acompanhamento do doente é realizado duas vezes por semana.(6) Ainda que cerca de 80% dos pacientes do município de Cáceres sejam tratados utilizando a estratégia DOTS, o que implica na presença diária dos pacientes nas unidades de saúde, observa-se uma perda de oportunidade das equipes de saúde tanto para a realização dos exames laboratoriais recomendados como para a avaliação da evolução da doença. O tratamento supervisionado pressupõe incremento na efetividade do programa e também um maior envolvimento entre profissionais de saúde, serviços e comunidade.(6,19)
Nesse estudo, verificou-se que a adesão ao tratamento foi menor nas unidades de saúde da família, onde a taxa de cura alcançou valores abaixo dos preconizados pela OMS. Portanto, a utilização da estratégia DOTS não garantiu a adesão ao tratamento, fator fundamental para redução da resistência antimicrobiana e cura dos doentes. O risco de adquirir a resistência bacteriana, a uma ou mais drogas (resistência adquirida), aumenta com tratamentos não controlados ou auto-administrados.(20) Alguns países, entre eles o Brasil, apresentaram redução da resistência antimicrobiana com a introdução de programas nacionais de controle da doença.(21) As implantações das equipes de saúde da família, combinadas com a utilização da estratégia DOTS, constituem-se medidas efetivas no aumento da adesão ao tratamento. A estratégia do tratamento supervisionado, conforme proposta, deve, portanto, aumentar a adesão ao tratamento, pois exige a supervisão das doses de medicação antituberculosa ingeridas pelo paciente.(10) No entanto, em Campinas (SP), observou-se baixa efetividade no tratamento da TB, mesmo dispondo de serviços públicos de atendimento descentralizado de TB.(9)
Em relação aos pacientes que foram a óbito, verificou-se um percentual maior entre aqueles acompanhados pelo PSF. Nesse estudo, não foi possível identificar a causa do óbito dos pacientes com TB de Cáceres. Entretanto, esta limitação também abrange os registros da unidade de referência. Esperava-se que os casos mais graves e com maior probabilidade de ocorrência de óbitos estivessem sendo tratados na unidade de referência. Isso evidencia as deficiências das ações do PSF no diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos casos.
O presente estudo, por se constituir um estudo transversal com análise de dados secundários, sofre influência da qualidade e do fluxo das informações. Os dados referentes ao PSF foram agregados, inviabilizando a percepção das diferenças de procedimentos e atendimento realizados entre as unidades. A base de dados de TB do SINAN não possibilita a análise do modo de detecção dos casos, inviabilizando a avaliação da proporção daqueles diagnosticados por busca ativa. Contudo, considerando-se o não cumprimento de normas elementares, como a realização dos exames laboratoriais disponíveis na rede, parece pouco provável que os serviços de saúde tenham realizado ações de busca ativa ou exames na comunidade. Curiosamente, no conjunto dos PSF do estado de Mato Grosso, médicos e enfermeiros avaliaram como bom (com percentuais variando entre 70,6 e 88,4%) o grau de implantação de atividades de controle da TB, salientando-se a busca ativa de casos e faltosos, a investigação de contatos e as ações educativas.(13)
A estratégia de organização da atenção básica baseia-se na descentralização e desconcentração de decisões e ações/serviços de saúde, promovendo um aumento do poder decisório e alocação de recursos para os municípios e unidades de saúde. Alguns autores(22) mostraram que, em geral, a descentralização não tem sido suficiente para concretizar os objetivos de eqüidade no acesso, no aumento da eficiência, na melhoria da qualidade e no financiamento sustentável. No presente estudo, não foi analisado o financiamento do Programa de Controle da Tuberculose. Ainda assim, em razão das ações desse programa basearem-se no atendimento dos pacientes por equipes multidisciplinares da rede básica de saúde e dependerem de exames de baixa complexidade, ambos disponíveis em Cáceres, o financiamento não parece ter sido um empecilho para a qualidade dos serviços oferecidos à população. Em Cáceres, estão implantados os programas voltados para atenção básica em todas as unidades do PSF. Desde 1999, a Escola de Saúde Pública de Mato Grosso em conjunto com o Escritório Regional de Saúde de Cáceres disponibilizam constantemente um conjunto de cursos que compõem o programa de capacitação voltado aos profissionais do PSF de todo o estado. Cáceres, enquanto sede de regional de saúde, tem sido contemplada nesse programa, que inclui o conteúdo referente ao programa de TB,(13) como área prioritária de capacitação. O protocolo terapêutico é fornecido durante as capacitações, mas pode ser facilmente encontrado on-line. Ainda que o objetivo desse estudo não tenha sido investigar as razões para o não cumprimento do protocolo recomendado, parece provável que as fragilidades estejam no monitoramento e na supervisão do programa, haja vista que o município disponibiliza a realização de exames e o estado possui um programa de capacitação que inclui Cáceres.
A expansão e a estruturação da rede básica possivelmente reduziram o fluxo de pacientes para as unidades de referência de Cáceres. A ampliação do número de unidades da saúde da família deve ter facilitado o acesso dos doentes à assistência próxima ao local de residência, considerando as áreas que possuem cobertura do PSF. Por outro lado, a desconcentração do atendimento não resultou em melhoria no atendimento e acompanhamento dos casos de TB do município de Cáceres.
Referências 1. Dye C, Scheele S, Dolin P, Pathania V, Raviglione MC. Consensus statement. Global burden of tuberculosis: estimated incidence, prevalence, and mortality by country. WHO Global Surveillance and Monitoring Project. JAMA. 1999;282(7):677-86.
2. DATASUS.gov.br [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. [updated 2005 Oct 10; cited 2005 Oct 10]. Available from: http://www.datasus.gov.br
3. Plano Nacional de Mobilização e Intensificação das Ações para a Eliminação da Hanseníase e Controle da Tuberculose [homepage on the Internet]. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. [updated 2006 Jul 30; cited 2006 Jul 30]. Available from: http://www.saude.rj.gov.br/Hanseniase/plano_nacional.shtml#top
4. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. XII Recenseamento Geral do Brasil. Censo 2000. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2000.
5. A Vigilância Epidemiológica da Tuberculose e o Programa Saúde da Família. [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde/Área Técnica de Pneumologia Sanitária [updated 2004 Jun; cited 2006 Jul 30]. Available from: http://dtr2004.saude.gov.br/dab/caadab/documentos/segunda%20mostra/vigilancia_epidemiologica_tuberculose_ps_%20marta_cruz.pdf
6. Reigota RMS, Carandina L. Implantação do Tratamento Supervisionado no município de Bauru/SP - Avaliação da tuberculose pulmonar, 1999/2000. Bol Pneumol Sanit. 2002;10(1):23-30.
7. Rezende MB, Barbosa HHMM. Perfil epidemiológico da tuberculose pulmonar. Rev Para Méd. 2003;17(2):12-7.
8. Mascarenhas MDM, Araújo LM, Gomes KRO. Perfil epidemiológico da tuberculose entre casos notificados no Município de Piripiri, Estado do Piauí, Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2005;14(1):7-14.
9. Oliveira HB, Marin-León L, Gardinali J. Análise do Programa de Controle da Tuberculose em relação ao tratamento, em Campinas - SP. J Pneumol. 2005;31(2):133-8.
10. Ferreira SMB, Silva AMC, Botelho C. Abandono da tuberculose pulmonar em Cuiabá-MT - Brasil. J Pneumol. 2005;31(5):427-35.
11. Pereira SR. A inserção dos médicos no programa de saúde da família no Estado do Rio de Janeiro [dissertation]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública - FIOCUZ; 2001.
12. Nascimento MS, Nascimento MAA. The nurse's role in the Family Health Program: an interface between health surveillance and health program actions. Ciênc e Saúde Coletiva. 2005;10(2):333-45.
13. Canesqui AM, Spinelli MAS. Saúde da Família no Estado de Mato Grosso, Brasil: perfis e julgamentos de médicos e enfermeiros. Cad Saúde Pública. 2006;22(9): 1881-92.
14. Nora LS, Patroclo MAA. Avaliação de intervenção no programa de controle de tuberculose do município de Mendes/RJ. Bol Pneumo Sanit. 2002;10(2):41-8.
15. Bortolazzo M. Estudo do diagnóstico dos casos notificados de tuberculose pulmonar em quatro unidades de saúde do município de São Paulo [dissertation]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2004.
16. Boffo MMS, Mattos IG, Ribeiro MO, Jardim S, Souza VC. Diagnóstico laboratorial da tuberculose na cidade do Rio Grande, RS, Brasil. Rev Bras Anal Clin. 2003;35(1):35-8.
17. Almeida EA, Santos MAA, Afiune JB, Spada DTA, Melo FAF. Rendimento da cultura de escarro na comparação de um sistema de diagnóstico automatizado com o meio de Lowenstein-Jensen para o diagnóstico da tuberculose pulmonar. J Pneumol. 2005;31(3):231-6.
18. Albuquerque MFM, Leitão CCS, Campelo ARL, Souza WVS. Fatores prognósticos para o desfecho do tratamento da tuberculose pulmonar em Recife, Pernambuco, Brasil. Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health. 2001;9(6):368-74.
19. Ferreira AAA, Queiroz KCS, Torres KP, Ferreira MAF, Accioly H, Alves MSCF. Os fatores associados à tuberculose pulmonar e a baciloscopia: uma contribuição ao diagnóstico nos serviços de saúde pública. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):142-9.
20. Jardim PCR, Zamarioli LA, Coelho AGV, Figueiredo TR, Rozman MA. Resistência do Mycobacterium tuberculosis às drogas no município de São Vicente. Rev Ins. Adolfo Lutz. 2001;60(2):119-23.
21. Melo FAF, Afiune JB, Neto JI, Almeida EA, Spada DTA, Antelmo AN, et al. Aspectos epidemiológicos da tuberculose multirresistente em serviço de referência na cidade de São Paulo. Rev Soc Bras Med Trop. 2003;36(1):27-34.
22. Bossert T, Larranaga R, Meir, FR. Decentralization of health systems in Latin America. Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health. 2000;8(1-2):84-92.
___________________________________________________________________________________________
* Trabalho realizado no Departamento de Enfermagem da Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT - Cáceres (MT) Brasil e no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT - Cuiabá (MT) Brasil.
1. Doutor em Saúde Pública. Universidade Estadual de Mato Grosso - UNEMAT - Cáceres (MT) Brasil.
2. Acadêmica de Enfermagem. Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT - Cáceres (MT) Brasil.
3. Doutor em Saúde Pública. Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT - Cuiabá (MT) Brasil.
Endereço para correspondência: Eliane Ignotti. Av. República do Líbano, 10 D-61, Senhor dos Passos, CEP 78048-135, Cuiabá, MT, Brasil.
Tel 55 65 3631-4370. Fax 55 65 3623-7044. E-mail: eignotti@uol.com.br
Recebido para publicação em 20/7/2006. Aprovado, após revisão, em 4/10/2006.