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Comunicação Breve

Prevalência de tabagismo ativo e passivo em uma população de asmáticos

Prevalence of active and passive smoking in a population of patients with asthma

Sérvulo Azevedo Dias-Júnior, Regina Carvalho Pinto, Luciene Angelini, Frederico Leon Arrabal Fernandes, Alberto Cukier, Rafael Stelmach

ABSTRACT

Smoking causes an intense inflammatory reaction in the airways and is associated with worse clinical outcomes in patients with asthma. The objective of this study was to determine the prevalence of active and passive smoking in a population of patients with asthma. The sample of asthma patients (n = 100) consisted of 47 nonsmokers, 33 former smokers, 17 passive smokers and 3 active smokers. Most had moderate or severe asthma. Mean exhaled CO was 9.34 ppb in smokers, 4.19 ppb in passive smokers, 3.98 ppb in nonsmokers and 3.98 ppb in former smokers. We conclude that the prevalence of exposure to tobacco smoke is high among asthma patients.

Keywords: Smoking; Asthma; Prevalence.

RESUMO

O tabagismo causa intensa reação inflamatória nas vias aéreas e, em asmáticos, está associado com piores desfechos clínicos. O objetivo desse estudo foi determinar a prevalência de tabagismo ativo e passivo em uma população de asmáticos. A amostra de pacientes com asma (n = 100) consistiu em 47 não-fumantes, 33 ex-fumantes e 3 fumantes ativos. A maioria dos pacientes tinha asma moderada ou grave. A média de CO exalado foi de 9,34 ppb nos tabagistas atuais, 4,19 ppb nos fumantes passivos e 3,98 ppb tanto nos não-fumantes quanto nos ex-­fumantes. Concluímos que a prevalência da exposição à fumaça do tabaco é alta entre asmáticos.

Palavras-chave: Tabagismo; Asma; Prevalência.

O tabagismo, através das inúmeras substâncias geradas durante a tqueima do fumo, afeta diretamente as vias aéreas, causando uma intensa reação inflamatória. A agressão constante da árvore respiratória através de exposição cumulativa e diária à fumaça do cigarro causa hipersecreção brônquica e pode desencadear o aparecimento de doenças obstrutivas, sendo a mais importante delas a DPOC.(1,2)

A relação entre o tabagismo e a asma só começou a ser melhor estudada a partir da segunda metade do século XX, quando as influências nocivas da exposição à fumaça do cigarro em crianças e adultos asmáticos passaram a ser observadas, pois começou a perceber-se o agravamento das crises e o aumento do número de casos novos da doença entre os expostos.(3)

A Organização Mundial da Saúde estima que existam cerca de 1,25 bilhão de fumantes em todo o mundo. Especificamente com relação a asmáticos fumantes, as informações ainda são escassas, porém alguns autores indicaram que a prevalência de tabagistas ativos entre pacientes com asma pode variar entre 17% e 35%.(3)

A detecção precoce de tabagismo ativo ou passivo no portador de asma é essencial para que se proponha ao mesmo um programa de cessação, que, além de diminuir o potencial risco de não-controle da asma, evitará principalmente que o paciente venha a ser portador de asma e DPOC no futuro.

Portanto, com o objetivo de avaliarmos a prevalência de tabagismo ativo e passivo em pacientes asmáticos, realizamos um estudo transversal, aberto e não controlado. Uma amostra de 100 voluntários consecutivamente selecionados de uma população total de cerca de 900 pacientes que estavam em acompanhamento regular no Ambulatório de Asma do Serviço de Pneumologia do Hospital das Clínicas de São Paulo foi avaliada. Foram avaliados dados a respeito da classificação da asma, da história de tabagismo, bem como dados da medida de CO exalado através de um medidor de CO (Micro Medical Ltd., Rochester, Kent, Reino Unido) e de espirometrias simples de todos os pacientes.

Os pacientes foram classificados de acordo com os critérios de gravidade da asma baseados no Consenso Brasileiro de Asma(4) e foram divididos em fumantes atuais, fumantes passivos, ex-fumantes e não-fumantes. Consideramos fumantes atuais aqueles que reportaram o uso contínuo de cigarros; fumantes passivos eram os que coabitavam com algum indivíduo tabagista ativo; ex-fumantes eram os pacientes que haviam parado de fumar há mais de 30 dias; e não-fumantes os que não tinham exposição ativa ou passiva à fumaça de cigarro. Os dados quantitativos são apresentados como média e desvio-padrão. Utilizamos apenas a estatística descritiva para a demonstração dos resultados.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

A população estudada consistia em 80% de mulheres e 20% de homens, a média de idade foi de 42,7 ± 14,7 anos, e o tempo médio de escolaridade desses indivíduos foi de 6,45 ± 3,74 anos. As características de função pulmonar e os dados sobre a classificação da asma e do status tabágico da população estudada são apresentados na Tabela 1.



No momento da realização do estudo, a maioria dos pacientes referiu ser não-fumante (47%) ou ex-fumante (33%). Apenas 3% reportaram serem tabagistas atuais e 17% eram tabagistas passivos. Entre aqueles que haviam parado de fumar, 7% ainda permaneciam expostos à fumaça do cigarro de forma passiva. A prevalência de indivíduos expostos à fumaça do cigarro, de forma ativa ou passiva, chegou a 20% da amostra analisada.

Analisando cada grupo de asmáticos separadamente, observamos que entre os 13 pacientes classificados como asmáticos persistentes leves havia 1 fumante (8%), 3 fumantes passivos (23%), 2 ex-fumantes (15%) e 7 não-fumantes (54%). Entre os 46 asmáticos moderados não havia nenhum fumante atual, mas existiam 4 fumantes passivos (9%), 16 ex-fumantes (35%) e 26 não-fumantes (56%). Dos 39 considerados graves, 2 (5%) eram tabagistas, 10 (26%) eram fumantes passivos, 14 (36%) ex-fumantes e 13 (33%) não-fumantes (Figura 1).




Nossos resultados diferem dos de outros estudos, pois a quantidade de indivíduos tabagistas atuais na nossa população foi menor.(3,5,6) Uma possível explicação pode ser a grande quantidade de pacientes classificados como asmáticos moderados ou graves em nosso estudo. Estes, em teoria, são pacientes mais sintomáticos e, portanto, mais dispostos a parar de fumar. Em um estudo, por exemplo, o VEF1 médio dos pacientes avaliados foi de 87,1 ± 21,1%, contra 65,5 ± 24,1% em nossa casuística.

Nosso trabalho também mostrou que, entre aqueles que se declaravam tabagistas atuais, o valor médio de CO exalado foi maior do que o medido nos tabagistas passivos, que, por sua vez, foi maior do que o obtido de pacientes não-tabagistas. Esses resultados são consistentes com os dados já presentes na literatura. Em um estudo, os autores observaram que a medida do CO exalado consiste num método não-invasivo, de baixo custo e que se revela bastante útil para aferir o hábito tabágico.(7)

Independentemente da classificação da gravidade da asma, 53% da nossa população relatou exposição atual ou prévia à fumaça do cigarro. Essa taxa relativamente alta de exposição causa surpresa, pois o cigarro é uma conhecida causa de inúmeros problemas respiratórios.(6) O tabagismo causa diminuição da função pulmonar mesmo em pessoas sem doenças respiratórias prévias.(8) Exposições prolongadas podem causar bronquite e enfisema(9) e desencadear o aparecimento de doenças intersticiais,(10) além se ser o principal fator de risco para o aparecimento do câncer de pulmão.(9)

Curiosamente, o cigarro já foi considerado parte do tratamento da asma. No final do século XVIII, estudos apontavam para o uso do alcaloide de beladona como droga de primeira escolha para o tratamento das crises de asma. Essa substância tinha efeitos anticolinérgicos e era proveniente da queima da raiz da planta Datura stramonium, que era encontrada nos Asthma Cigarettes, uma espécie de cigarro para o tratamento da asma. A crença de que fumar "curava" a asma permaneceu popular até o surgimento da adrenalina em 1930.(11)

Nos últimos 60 anos, os efeitos nocivos da exposição à fumaça do cigarro foram sendo progressivamente reconhecidos, com reações adversas sendo notadas no desenvolvimento de novos casos de asma e no agravamento das crises.(3) Em um estudo realizado com adolescentes, observou-se que o desenvolvimento de sintomas sugestivos de asma durante um período de observação de seis anos foi associado com três fatores de risco independentes: hiperresponsividade brônquica a metacolina, atopia e tabagismo.(12) Em outro estudo, o tabagismo foi considerado um fator de risco para asma, principalmente para indivíduos com mais de 55 anos de idade.(13)

Entre aqueles que já são asmáticos, o tabagismo pode interferir negativamente no controle da asma e piorar a sua gravidade. Estudos que compararam asmáticos tabagistas com não-tabagistas mostraram que os primeiros têm um número maior de sintomas,(5) usam mais ­medicações de resgate(14) e têm pior qualidade de vida.(15)

A associação entre tabagismo e asma também está implicada na acentuação da queda do VEF1. Alguns autores mostraram que o declínio médio do VEF1 entre os asmáticos tabagistas foi de 58 mL/ano contra uma queda significativamente menor entre os não-tabagistas, de 33 mL/ano.(16) Em uma coorte prospectiva de 10 anos com espirometrias seriadas, outros autores observaram um declínio do VEF1 de 8,5% em não-tabagistas e não-asmáticos; de 10,1% em não-fumantes com asma; de 11,1% em tabagistas não-asmáticos e de 17,8% em asmáticos tabagistas.(17)

As alterações clínicas parecem ter relação com uma modificação do processo inflamatório que ocorre nas vias aéreas. Os níveis de IL-8 no escarro de asmáticos fumantes estão aumentados, e isso tem correlação positiva com a proporção de neutrófilos no escarro e com a carga tabágica (em maços-ano) e correlação negativa com o VEF1. O tabagismo também parece ser responsável pela diminuição da concentração de eosinófilos no escarro e por alterações no remodelamento da mucosa brônquica.(3)

Essas alterações fisiopatológicas explicam, em parte, os achados de alguns estudos que sugerem que a eficácia dos corticoides é ­reduzida em pacientes asmáticos que fumam. Os efeitos do tratamento com fluticasona 1000 µg/dia por 3 semanas sobre o PFE, VEF1 e sobre a concentração de metacolina necessária para causar a queda de 20% do VEF1 foram avaliados em um estudo, e apenas os pacientes que não fumavam apresentavam mudanças significativas nos valores desses parâmetros.(18) Em outra pesquisa, os autores usaram budesonida inalada por 9 meses e também mostraram que os asmáticos tabagistas eram resistentes aos corticosteroides.(19) Quando se utilizou prednisolona na dose de 40 mg/dia, os resultados foram semelhantes.(20)

Diante de tantas evidências dos prejuízos na qualidade de vida, no controle clínico, no tratamento e, possivelmente, no prognóstico da asma, a necessidade da cessação do tabagismo se impõe. Essa medida está implicada diretamente na diminuição de sintomas respiratórios como tosse e produção de secreção, além de diminuir a frequência de exacerbações infecciosas. A velocidade de queda do VEF1 volta a ser similar a dos indivíduos que não fumam, e a resposta aos corticoides melhora, pelo menos parcialmente.(3)

Concluindo, a prevalência de pacientes asmáticos que tiveram exposição à fumaça de cigarro é alta. Portanto, é extremamente importante que os pacientes tabagistas ativos sejam estimulados por seus médicos a cessarem esse hábito. Os tabagistas passivos, por sua vez, devem ser orientados a não frequentar ambientes onde haja pessoas fumando, bem como estimular as pessoas próximas a pararem de fumar.

Referências

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Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Sérvulo Azevedo Dias Júnior. Rua Oscar Freire, 1380, apto. 33-B, Cerqueira César, CEP 05409-010, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 3069-7578. E-mail: servuloazevedo@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 30/5/2008. Aprovado, após revisão, em 3/9/2008.


Sobre os autores

Sérvulo Azevedo Dias-Júnior
Médico Residente. Disciplina de Pneumologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Regina Carvalho Pinto
Médica Pós-graduanda em Pneumologia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Luciene Angelini
Fisioterapeuta Pós-graduanda em Pneumologia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Frederico Leon Arrabal Fernandes
Médico Assistente. Disciplina de Pneumologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Alberto Cukier
Professor Livre Docente. Disciplina de Pneumologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Rafael Stelmach
Médico Assistente. Disciplina de Pneumologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

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