ABSTRACT
Objective: The rapid differentiation between Mycobacterium tuberculosis and nontuberculous mycobacteria is fundamental for patients co-infected with tuberculosis and HIV. To that end, we use two methods in our laboratory: detection of cord factor and PCR-restriction enzyme analysis (PRA). The objective of this study was to evaluate the accuracy of a screening test on solid medium as a rapid method for the presumptive identification of M. tuberculosis complex, considering costs and turnover time. Methods: A total of 152 strains were submitted to a combined screening test, consisting of the detection of cord factor under microscopy (Ziehl-Neelsen staining) and evaluation of the macroscopic aspect of colonies, as well as to PRA, which was used as the gold standard. Costs were estimated by calculating the price of all of the materials needed for each test. Results: The overall accuracy of cord factor detection alone was 95.4% (95% CI: 90.7-98.1%), and that of the combined screening test was 99.3% (95% CI: 96.4-100%). Cord factor detection costs US$ 0.25, whereas the PRA costs US$ 7.00. Results from cord factor detection are ready in 2 days, whereas PRA requires 4 days to yield results. Conclusions: The presumptive identification of M. tuberculosis using the macroscopic evaluation of colonies combined with cord factor detection under microscopy is a simple, rapid and inexpensive test. We recommend the combined screening test to rapidly identify M. tuberculosis in resource-poor settings and in less well-equipped laboratories while awaiting a definite identification by molecular or biochemical methods.
Keywords:
Tuberculosis; Mycobacterium/classification; Polymerase chain reaction; Diagnostic tests, routine.
RESUMO
Objetivo: A diferenciação rápida entre Mycobacterium tuberculosis e micobactérias não-tuberculosas é fundamental para os pacientes coinfectados com tuberculose e HIV. Para tanto, utilizamos duas metodologias em nosso laboratório: detecção do fator corda e PCR-restriction enzyme analysis (PRA). O objetivo do estudo foi avaliar a acurácia desse teste de triagem em meio sólido como um método rápido para a identificação presuntiva do complexo M. tuberculosis, considerando custos e tempo de resultado. Métodos: Foram processadas 152 cepas pelo teste de triagem combinado, que consistiu da detecção do fator corda por microscopia (esfregaço corado por Ziehl-Neelsen) e avaliação do aspecto macroscópico das colônias, e PRA (padrão ouro). Os custos foram estimados através da obtenção dos preços dos insumos necessários para a realização de cada teste. Resultados: A acurácia da detecção do fator corda foi de 95,4% (IC95%: 90,7-98,1%) e a do teste de triagem combinado foi de 99,3% (IC95%: 96,4‑100%). O custo da detecção do fator corda foi de R$ 0,60 e do PRA de R$ 16,00. Os resultados da detecção do fator corda estão prontos em 2 dias, ao passo que os de PRA necessitam de 4 dias. Conclusões: A identificação presuntiva de M. tuberculosis usando o aspecto macroscópico das colônias em conjunto com a detecção de fator corda por microscopia é um teste simples, rápido e de baixo custo. Recomendamos o teste de triagem combinado para rapidamente identificar M. tuberculosis em sítios com poucos recursos financeiros e em laboratórios menos equipados, enquanto se aguarda a identificação definitiva por métodos moleculares ou bioquímicos.
Palavras-chave:
Tuberculose; Mycobacterium/classificação; Reação em cadeia da polimerase; Testes diagnósticos de rotina.
IntroduçãoA diferenciação rápida entre Mycobacterium tuberculosis e micobactérias não tuberculosas (MNT) é essencial para o atendimento médico apropriado de pacientes coinfectados com tuberculose (TB) e HIV ou de pacientes com MNT e doença respiratória de base. O tratamento específico imediato e o isolamento dos pacientes dependem da identificação rápida e precisa das micobactérias envolvidas. Isso não raro representa um grande desafio para o laboratório de diagnóstico. A identificação do complexo M. tuberculosis por meio de métodos tradicionais consome muito tempo. Tais métodos baseiam-se no crescimento bacteriano em vários substratos e exigem até 15 dias para a identificação definitiva. Entretanto, os custos dos métodos moleculares são proibitivos para países em desenvolvimento, nos quais a maioria dos casos de coinfecção TB/HIV está concentrada.
Alguns estudos avaliaram a utilidade de se detectar a formação de corda, o chamado fator corda, presente em M. tuberculosis, para a identificação presuntiva da TB, já que a maioria das espécies de MNT não apresenta essa característica.(1-7) O fator corda é um efeito causado pela principal molécula contendo ácido micólico, a trealose 6,6-dimicolato (TDM), um componente da parede celular das micobactérias envolvido em importantes mecanismos imunomoduladores responsáveis pela virulência das micobactérias. Acredita-se também que a TDM desempenhe um papel fundamental na patogênese e na persistência de lesões crônicas e granulomatosas causadas por micobactérias.(8) A presença da TDM pode ser um fator determinante no sucesso da infecção por M. tuberculosis e na sua sobrevida nos macrófagos por meio da inibição de eventos de fusão de fagossomos e lisossomos durante a infecção.(9,10) Algumas espécies de MNT, tais como M. kansasii, M. terrae e M. phlei, podem ocasionalmente apresentar o fator corda.(11,12)
A avaliação morfológica de colônias de micobactérias em meio sólido é também útil para caracterizar as espécies.(2,13) As colônias de M. tuberculosis têm o formato de migalhas de pão ou de couves-flores, são secas, acromógenas e branco-acinzentadas ou amarelo-acastanhadas. Já as MNT têm um aspecto liso e úmido característico. Alguns isolados de MNT, especialmente aqueles de crescimento rápido, podem, entretanto, exibir características morfológicas semelhantes às da M. tuberculosis. Em um relato anterior, nosso laboratório de micobacteriologia relatou um teste de triagem que consistia em uma combinação entre a análise morfológica macroscópica de colônias em meios sólidos e a detecção do fator corda por meio de baciloscopia para a identificação presuntiva do complexo M. tuberculosis. Em uma amostra composta por 2.601 isolados de M. tuberculosis, a sensibilidade e a especificidade da detecção do fator corda para o diagnóstico de TB foram de 83%. Com a avaliação microscópica das colônias (teste de triagem), a sensibilidade e a especificidade aumentaram para 99% e 87%, respectivamente.(3) Na ocasião do estudo, não havia em nosso laboratório métodos moleculares disponíveis para a identificação definitiva das espécies.
O objetivo do presente estudo foi avaliar a acurácia do teste de triagem em meio sólido como um método rápido para a identificação presuntiva do complexo M. tuberculosis, considerando o método PCR-restriction enzyme analysis (PRA) o padrão ouro.
MétodosO presente estudo foi conduzido no Laboratório de Referência em Micobacteriologia do Instituto Adolfo Lutz, um laboratório de saúde pública na cidade de São Paulo, Brasil. De 2 a 17 de abril de 2007, foram examinadas consecutivamente 152 cepas de micobactérias enviadas ao laboratório para teste de suscetibilidade, identificação de espécie ou ambos.
As cepas foram inicialmente testadas por meio de esfregaço corado por Ziehl-Neelsen para a detecção do fator corda (Figura 1). As cepas foram também identificadas por meio de exame macroscópico de culturas, realizado por um examinador diferente. Nenhum dos dois examinadores tinha conhecimento dos resultados obtidos por meio do método PRA (padrão ouro) e tampouco dos achados do outro. Com base em nossos achados anteriores,(3) sempre que houvesse resultados conflitantes entre os dois testes, o aspecto morfológico era considerado o resultado definitivo da triagem, exceto nos casos de culturas que estavam demasiadamente secas ou demasiadamente úmidas e, portanto, inapropriadas para a avaliação. O método PRA(14,15) foi usado como padrão ouro para confirmar a identificação. Esse método molecular consiste na amplificação de um fragmento de 441 bp do gene hsp65 por meio de PCR, seguida pela digestão enzimática com BstEII e HaeIII. A sensibilidade, a especificidade e os IC95% correspondentes foram calculados.
ResultadosDas 152 cepas testadas, 110 foram identificadas como M. tuberculosis pelo método PRA. Dessas 110 cepas, 106 apresentaram formação de corda, o que correspondeu a uma sensibilidade de 96,4% (IC95%: 90,9-99,0%; Tabela 1). Das 42 MNT identificadas pelo método PRA, 3 apresentaram o fator corda, o que correspondeu a uma especificidade de 92,9% (IC95%: 80,5-98,5%). Quando o aspecto macroscópico das colônias foi também considerado, as 4 cepas de M. tuberculosis que deram resultados falso-negativos para o fator corda tinham o aspecto rugoso típico, o que aumentou a sensibilidade para 100% (IC95%: 97-100%). Dentre as 3 cepas de MNT que deram resultados falso-positivos para o fator corda, 2 tinham o aspecto típico de culturas de MNT, o que aumentou a especificidade para 97.6% (IC95%: 87,4-99,9%). As demais cepas que deram resultados falso-positivos para o fator corda e que foram identificadas como M. peregrinum pelo método PRA também apresentavam um aspecto macroscópico que sugeria que tais cepas fossem M. tuberculosis. A acurácia da detecção do fator corda foi de 95,4% (IC95%: 90,7-98,1%), e a do teste de triagem combinado foi de 99,3% (IC95%: 96,4‑100%).
DiscussãoNo presente estudo, tanto a detecção do fator corda por meio de baciloscopia como o teste de triagem combinado, que consistia na detecção do fator corda e na avaliação morfológica da colônia, foram capazes de distinguir, de maneira extremamente acurada, M. tuberculosis das MNT. A sobreposição entre o IC da detecção do fator corda isoladamente e o IC do teste de triagem deveu-se provavelmente à elevada acurácia da detecção do fator corda. Entretanto, com base na simplicidade da avaliação macroscópica, recomendamos que esse método seja combinado à detecção do fator corda devido às implicações clínicas de resultados falso-positivos e falso-negativos.
Em nossa amostra, a acurácia do teste de triagem dependeu inteiramente da avaliação macroscópica da colônia, já que a detecção do fator corda levou a resultados falsos entre as 7 avaliações conflitantes, 6 das quais foram corrigidas pela avaliação macroscópica da colônia. Entretanto, em nosso estudo anterior,(3) que envolveu uma amostra maior, tanto a detecção do fator corda como a avaliação macroscópica deram resultados falsos. Além disso, as condições de cultura em um meio sólido podem interferir na classificação correta da micobactéria de acordo com o aspecto morfológico da cultura. Meios saturados de água fazem com que colônias rugosas pareçam lisas, ao passo que meios secos fazem com que colônias lisas pareçam rugosas. Essas são as razões por que recomendamos o teste de triagem com ambos os métodos para distinguir rapidamente M. tuberculosis de espécies de MNT.
Para acelerar a identificação das espécies através de culturas em países com poucos recursos financeiros, tal identificação deve ser conduzida em laboratórios regionais ou locais em vez de restringi-la ao laboratório de referência. Entretanto, uma descentralização desse tipo é difícil porque o método de identificação usado atualmente, isto é, a caracterização bioquímica, é complexo e exige vários testes para que se obtenha um resultado conclusivo. Métodos moleculares são extremamente acurados e tornaram-se o padrão ouro para a identificação de micobactérias em muitos países desenvolvidos. Entretanto, eles representam um fardo financeiro para os países em desenvolvimento: a detecção do fator corda custa R$ 0,60 por unidade (o exame do aspecto macroscópico acrescenta a esse valor apenas o custo de alguns minutos a mais gastos pelo técnico), ao passo que o método PRA custa R$ 16,00. Embora seja necessário um técnico experiente para identificar corretamente a formação de corda, esse treinamento é muito mais rápido e fácil que o treinamento em relação às técnicas de biologia molecular, como o método PRA. Além disso, a detecção do fator corda exige apenas um bom microscópio, ao passo que os métodos de biologia molecular exigem equipamentos caros e manutenção complexa, não disponíveis em laboratórios menos equipados em países com poucos recursos financeiros. Ademais, os resultados da detecção do fator corda ficam prontos em 2 dias, ao passo que o método PRA leva 4 dias para dar resultados.
Outros relatos demonstraram a confiabilidade da detecção do fator corda em meios líquidos.(5-7) Tais estudos foram conduzidos em países de alta renda, nos quais os laboratórios empregam métodos modernos de cultura. Em países com poucos recursos financeiros e altas taxas de incidência de TB, como é o caso do Brasil, o meio sólido, que dá resultados similares, é empregado devido ao baixo custo.
Em conclusão, embora nem a detecção do fator corda nem a avaliação morfológica das colônias identifiquem espécies de MNT, o teste de triagem combinado é recomendado para identificar rapidamente colônias de M. tuberculosis em situações em que haja escassez de recursos financeiros e em laboratórios menos equipados enquanto se aguarda a identificação definitiva, feita através de métodos moleculares ou bioquímicos.
AgradecimentosAgradecemos à Dra. Anete Trajman, que gentilmente nos ajudou a preparar o manuscrito.
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Trabalho realizado no Instituto Adolfo Lutz, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Maria Alice da Silva Telles. Setor de Micobactérias, Instituto Adolfo Lutz, Avenida Dr. Arnaldo, 355, CEP 01246-902, São Paulo, SP, Brasil.
Tel/Fax 55 11 3068-2895. E-mail: atelles@osite.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do International Clinical Operational and Health Services Research and Training Award (ICOHRTA) Projeto AIDS/TB, Edital FIC/NIH ICOHRTA 5 U2R TW006883-02.
Recebido para publicação em 2/6/2009. Aprovado, após revisão, em 27/7/2009.
Sobre os autoresFernanda Cristina dos Santos Simeão
Técnico de Apoio em Pesquisa. Instituto Adolfo Lutz, São Paulo (SP) Brasil.
Erica Chimara
Pesquisadora Científica. Instituto Adolfo Lutz, São Paulo (SP) Brasil.
Rosângela Siqueira Oliveira
Pesquisadora Científica. Instituto Adolfo Lutz, São Paulo (SP) Brasil.
Jonas Umeoka Yamauchi
Biologista. Instituto Adolfo Lutz, São Paulo (SP) Brasil.
Fábio Oliveira Latrilha
Biologista. Instituto Adolfo Lutz, São Paulo (SP) Brasil.
Maria Alice da Silva Telles
Chefe do Laboratório de Referência Regional. Instituto Adolfo Lutz, São Paulo (SP) Brasil.