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Artigo Original

Avaliação clínica, nutricional e espirométrica de pacientes com fibrose cística após implantação de atendimento multidisciplinar

Clinical, nutritional and spirometric evaluation of patients with cystic fibrosis after the implementation of multidisciplinary treatment

Lídia Torres, Jenny Libeth Jurado Hernandez, Giseli Barbiero de Almeida, Liana Barbaresco Gomide, Valéria Ambrósio, Maria Inez Machado Fernandes

ABSTRACT

Objective: Cystic fibrosis (CF) is a chronic multisystemic hereditary disease for which a multidisciplinary approach must be taken. The objective of this study was to show the evolution of a group of patients with CF after the implementation of multidisciplinary treatment. Methods: A retrospective study involving 19 patients (6-29 years of age) under clinical follow-up treatment at the University of São Paulo at Ribeirão Preto School of Medicine Hospital das Clínicas, located in the city of Ribeirão Preto, Brazil. The patients were divided into two groups: 6-12(6-12 years of age) and 13+ (> 12 years of age). We collected data regarding body mass index (BMI), Zscore, Shwachman score (SS), number of exacerbations/year, chronic colonization by Pseudomonas aeruginosa, and spirometric measurements (FVC, FEV1, FEV1%, and FEF25-75%). Data were collected at two different time points (before and after the implementation of the multidisciplinary treatment) and were analyzed with the Wilcoxon signed rank test. Results: The median age at the onset of symptoms was 10 months. In the 6-12 group, only BMI and FVC increased significantly. Although the other spirometric values increased, the differences were not significant. In the 13+ group, there were no significant differences between the two time points. There was a borderline significant decrease in SS and less than significant decreases in the spirometric measurements. However, the number of patients with alterations in volumes and flows decreased in both groups. Conclusions: Although our patient sample was small, the lack of changes in the spirometric parameters might reflect clinical and functional stability. In all of the patients evaluated, clinical, functional, and nutritional parameters remained stable throughout the study period. The implementation of a multidisciplinary approach might have contributed to this result.

Keywords: Cystic fibrosis; Spirometry; Body mass index; Physical therapy modalities.

RESUMO

Objetivo: A fibrose cística (FC) é uma doença hereditária, multissistêmica e crônica, para a qual é importante uma abordagem multidisciplinar. O objetivo deste estudo foi mostrar a evolução de um grupo de pacientes com FC após a implantação desse tipo de atendimento. Métodos: Foram analisados retrospectivamente 19 pacientes (idades entre 6 e 29 anos) em acompanhamento clínico no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, na cidade de Ribeirão Preto (SP). Os pacientes foram divididos em dois grupos: grupo 6-12 (6-12 anos) e grupo 13+ (> 12 anos). Dados referentes a índice de massa corporal (IMC), escore Z, escore de Shwachman (ES), número de exacerbações/ano, colonização crônica por Pseudomonas aeruginosa e medidas espirométricas (CVF, VEF1, VEF1% e FEF25-75%) foram obtidos. Os dados foram coletados em dois momentos (antes e após a implantação de atendimento multidisciplinar) e foram analisados com o teste dos postos sinalizados de Wilcoxon. Resultados: A mediana de idade de início de sintomas foi de 10 meses. No grupo 6-12, houve somente um aumento significativo do IMC e da CVF. As outras medidas espirométricas aumentaram, mas não significativamente. No grupo 13+, não houve diferenças significativas entre os dois momentos, sendo que o ES apresentou uma diminuição com significância limítrofe. Houve diminuição não significativa das medidas espirométricas. Entretanto, o número de pacientes com volumes e fluxos alterados diminuiu nos dois grupos. Conclusões: Apesar do grupo pequeno, a manutenção dos parâmetros espirométricos pode significar estabilidade clínica e funcional. Os pacientes estudados mantiveram estabilidade clínica, funcional e nutricional durante o período, e a implantação de abordagem multidisciplinar pode ter contribuído nesse sentido.

Palavras-chave: Fibrose cística; Espirometria; Índice de massa corporal; Modalidades de fisioterapia.

Introdução

A fibrose cística (FC) é a doença hereditária autossômica recessiva mais comum em caucasianos e é letal. Mais de 1.500 mutações relacionadas à FC foram identificadas.(1,2) A primeira mutação descrita foi localizada no braço longo do cromossomo 7 e codifica uma proteína de 1.480 aminoácidos, a cystic fibrosis transmembrane conductance regulator, que funciona como um canal de cloro na membrana apical de células epiteliais. O defeito nessa proteína resulta em uma alteração da viscosidade de secreções, que leva, principalmente, à má absorção, perda de eletrólitos no suor e alteração das secreções pulmonares, com diminuição do clearance mucociliar.(3)

A apresentação fenotípica, tanto respiratória, quanto gastrintestinal, pode ser diferente em cada paciente; entretanto, o comprometimento pulmonar progressivo é a causa mais comum de óbito. O aumento da viscosidade das secreções e a consequente dificuldade de drenagem levam à inflamação e à infecção que se tornam crônicas, com perda gradual da função pulmonar e evolução para insuficiência respiratória.(4-6) Assim, o controle das infecções pulmonares, a melhora do clearance das secreções brônquicas, a reposição enzimática e a terapia nutricional contribuem para a diminuição da morbidade e mortalidade da doença.(7-9)

A assistência multiprofissional e especializada ao paciente com FC tem tido importante relação com a diminuição da gravidade dos quadros e o aumento da sobrevida. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Associação Internacional de Fibrose Cística recomendam a implantação de centros especializados, mesmo nos países em desenvolvimento, já que o tratamento nesses locais traria vantagens quanto ao desfecho clínico e a sobrevida, principalmente no caso do tratamento relacionado à nutrição e ao controle da doença pulmonar.(8-10)

O objetivo do presente estudo foi descrever a evolução de um grupo de pacientes com FC, do ponto de vista clínico e funcional pulmonar, após a implantação de um ambulatório multidisciplinar.

Métodos

Realizou-se um estudo descritivo - com coleta retrospectiva de dados e análise transversal - em que foram incluídos todos os pacientes com diagnóstico confirmado de FC, por meio de dois testes de suor positivos, obtidos por iontoforese com pilocarpina, e quadro clínico compatível.(11) Só foram incluídos os pacientes que tinham acompanhamento clínico regular no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FMRP-USP), localizado na cidade de Ribeirão Preto (SP), e que eram capazes de realizar espirometria. As variáveis foram analisadas em duas situações: antes da implantação do Ambulatório Multidisciplinar de Fibrose Cística na instituição (em 2003) e quatro anos após a implantação do ambulatório (em 2007). Nesse ambulatório, os pacientes passaram a serem avaliados, simultaneamente, por médicos pneumologistas, médicos gastroenterologistas, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais. Cada paciente foi submetido à coleta sistematizada de secreção respiratória para estudo microbiológico, a cada um ou dois meses, sendo a mesma efetuada por uma enfermeira ou fisioterapeuta do grupo, por meio de swab de orofaringe, coleta de escarro normal ou induzido, ou aspirado de secreção orofaríngea.

A fisioterapia para a limpeza de vias aéreas passou ser orientada de maneira uniforme, por meio de drenagem postural, percussão, manobras de fluxo, vibração mecânica e vibrocompressão manual para crianças menores. Para crianças maiores e adultos, eram ensinados exercícios respiratórios, com utilização de shaker ou flutter; tosse assistida ou técnicas de estimulação da tosse, como huffing; respiração diafragmática e frenolabial (para facilitar a desinsuflação de vias aéreas periféricas); e análise da qualidade postural, com ênfase no alongamento corporal. A adesão à fisioterapia e a forma de realização dos exercícios pela mãe ou pelo paciente foram reforçados a cada retorno.

Realizou-se a avaliação nutricional dos pacientes a cada um ou dois meses, com medida de peso e altura para obtenção do índice de massa corpórea (IMC), análise do relatório alimentar e reforço à adesão à dieta prescrita.

Para a análise da maioria dos dados, os 19 pacientes do estudo foram divididos em dois grupos de acordo com a faixa etária inicial: grupo 6-12 (n = 8) com crianças entre 6 e 12 anos e grupo 13+ (n = 11) com pacientes maiores que 12 anos. Os resultados obtidos nos dois grupos foram analisados em dois tempos: em 2003 (antes da implantação do ambulatório) e em 2007 (quatro anos após sua implantação).

Todos os pacientes foram pesados com roupas leves, sem sapatos. A estatura foi medida (em cm) com um estadiômetro (Harpenden; British Indicators, Burguess Hill, Reino Unido), com os pacientes tendo seus calcanhares contra a parede, estando eretos e olhando para frente. Com esses dados, calculou-se o IMC. O IMC foi analisado pela mediana para os dois grupos, além do cálculo do escore Z. A avaliação do IMC foi utilizada para a definição clínica do estado nutricional e seguiu as recomendações propostas em consensos internacionais. Os dados obtidos foram comparados aos da curva específica de distribuição do IMC da OMS para pacientes entre 2 e 19 anos, e considerou-se como subnutrição quando o paciente localizava-se abaixo do percentil 10 e como risco nutricional quando esse estava entre os percentis 10 e 25.

Para os pacientes acima de 19 anos, utilizou-se também a classificação específica da OMS, considerando-se apenas o IMC < 20 kg/cm2 como indivíduo magro, IMC entre 20 e 25 kg/cm2 como indivíduo normal e IMC > 25 kg/cm2 como indivíduo com excesso de peso.(12-14)
Também foram analisados o escore de Shwachman (ES), o número de exacerbações por ano e a presença de colonização crônica por Pseudomonas aeruginosa.

As medidas de função pulmonar foram as seguintes: CVF, VEF1, relação VEF1/CVF e FEF25-75%, todos em porcentagens do previsto. A espirometria foi obtida com um espirômetro Vitatrace VT 130 (Pró Médico Ltda., Rio de Janeiro, Brasil), com curva registrada em papel, tendo sido traçada uma curva volume-tempo a partir da qual se obtiveram as medidas de CVF, VEF1, relação VEF1/CVF e FEF25-75%, corrigidas em função de padrões de temperatura corporal e pressão sanguínea. Os valores da melhor de cinco expirações forçadas foram registrados como porcentagens do previsto de acordo com valores de referência de Knudson et al. e comparados a dados locais.(15,16) A realização das provas e as características do aparelho estavam de acordo com as padronizações da American Thoracic Society para a realização de espirometria.(17)

A colonização pulmonar crônica por Pseudomonas aeruginosa foi definida como o isolamento da bactéria na árvore brônquica por, pelo menos, seis meses ou três culturas positivas sucessivas, com pelo menos um mês de diferença entre elas, e ausência de sinais diretos detectáveis de infecção ou dano tissular, tais como inflamação ou febre.(18)

A exacerbação pulmonar aguda foi definida como a ocorrência de um ou mais dos seguintes sintomas e sinais: aumento da tosse ou da expectoração, febre, anorexia ou perda de peso, absenteísmo na escola ou no trabalho, diminuição da tolerância aos exercícios, diminuição na saturação de oxigênio, identificação de novos achados à ausculta pulmonar, identificação de novos achados radiológicos ou redução abrupta (> 10%) no VEF1.(19)

A análise estatística dos dois períodos foi realizada com o programa estatístico GraphPad Prism (GraphPad Software, San Diego, CA, EUA), utilizando-se o teste dos postos sinalizados de Wilcoxon para amostras pareadas, com alfa de 5%, já que a maioria dos dados não apresentou distribuição normal e o número de indivíduos em cada grupo era muito pequeno. Em todos os outros dados descritos, foi realizada a análise estatística de medianas.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FMRP-USP, sob o número 2094/2009.

Resultados

Foram estudados os dados de 19 pacientes capazes de realizar espirometria, sendo 7 mulheres (5 no grupo 6-12 e 2 no grupo 13+) e 12 homens, que correspondiam a 30% dos pacientes em seguimento no serviço em 2003, exceto os dados finais de 2 homens que foram a óbito durante o seguimento: 1 por insuficiência respiratória, e 1 devido à miocardiopatia dilatada. Além disso, 1 paciente mudou de domicílio.

Desses pacientes, 12 (63%) tiveram a doença diagnosticada antes dos 24 meses de idade, 6 (31%), até os 6 anos, e apenas 1 foi diagnosticado com 144 meses. A mediana da idade ao diagnóstico foi de 10,5 meses.

Foi observado um aumento significativo do IMC no grupo 6-12 durante o período de estudo. Entretanto, todos os pacientes mantiveram um risco nutricional semelhante nos dois períodos avaliados, assim como todos os pacientes com idade entre 13 e 19 anos em 2003. Em 2007, dos 4 pacientes maiores que 19 anos, 3 tiveram IMC normal e 1 passou para a faixa considerada como excesso de peso, mas esse paciente era atleta de halterofilismo, sendo seu aumento de peso devido ao aumento da musculatura. O escore Z do IMC foi analisado para o grupo formado por pacientes com idades abaixo dos 19 anos, e observou-se manutenção das medianas (−0,4 em 2003 e −0,39 em 2007; p = 0,51). O ES diminuiu nos dois grupos, nos dois períodos estudados, mas essa diferença não apresentou significância estatística, embora tenha tido valores limítrofes para o grupo 13+. Não houve uma alteração significativa quanto ao número de exacerbações, e os mesmos pacientes que estavam colonizados em 2003, assim se mantiveram em 2007, sendo 1 no grupo 6-12 e 6 no grupo 13+. Um resumo desses dados está apresentado na Tabela 1.



Observou-se um aumento das medianas de CVF, VEF1 e FEF25-75%, em porcentagem do previsto, no grupo 6-12 durante o período de estudo, mas esse aumento só foi estatisticamente significativo para a CVF, sendo limítrofe para o VEF1. Observou-se uma diminuição do número de pacientes com volumes e fluxos alterados no grupo 6-12, exceto para a relação VEF1/CVF, que se manteve. No grupo 13+, houve queda de todas as medianas, mas a diferença também não foi significativa. O número de pacientes com CVF e VEF1 alterados se manteve, mas houve uma diminuição do número de pacientes com FEF25-75% e relação VEF1/CVF alterados, considerando-se, como pontos de corte, 80% do previsto para CVF e VEF1, 70% do previsto para o FEF25-75% e 75% do previsto para a relação VEF1/CVF. Esses dados podem ser vistos nas Tabelas 2 e 3.







Discussão

Existem várias normatizações para que os centros de tratamento especializado em FC tenham equipes multidisciplinares, facilitando a avaliação global dos pacientes. Entretanto, isso acarreta em um aumento da complexidade e do custo desses serviços, principalmente em países em desenvolvimento. Por outro lado, com a sua implantação, os estudos mostram índices de declínio funcional pulmonar e de piora tomográfica menores nos anos mais recentes.(8-10,20)

Todos os pacientes estudados tiveram início de sintomas e diagnóstico precoce, mas foram divididos em dois grupos segundo a faixa etária, e analisados em dois tempos. Optou-se por essa divisão, mesmo com um grupo tão pequeno, porque a evolução da FC varia conforme a faixa etária, e é conhecido que os indivíduos apresentam maior preservação do estado de saúde no início da vida, quando as lesões pulmonares não são extensas. Entretanto, para a análise do escore Z do IMC, em relação ao padrão, como somente há uma curva de referência até os 19 anos, optamos pela análise dos indivíduos como um só grupo. Os dados para a comparação entre os dois períodos e para aqueles pacientes maiores que 18 anos foram analisados através da mediana. Observou-se um aumento significativo dos índices de IMC no grupo 6-12, mas os pacientes mantiveram-se no mesmo percentil, durante o período de seguimento, o que não foi observado nos pacientes mais velhos, que apresentaram queda não significativa do índice. Houve uma diminuição, também não significativa, dos escores Z em ambos os grupos. Não foram utilizadas as medidas de pregas, muito recomendadas pelos consensos internacionais, já que esses dados não estavam disponíveis para todos os pacientes em 2003. Foi, portanto, observado que o estado nutricional desse pequeno grupo manteve-se preservado durante o período de seguimento, o que é um dos principais objetivos do tratamento da FC, já que a desnutrição interfere na capacidade ventilatória, na tolerância ao exercício, no tamanho pulmonar, na função pulmonar e na ocorrência de infecções.(21-23)

Foi observada uma diminuição do número de pacientes com volumes alterados e houve um aumento significativo da CVF e limítrofe do VEF1 no grupo 6-12, com um aumento não significativo das medianas dos outros fluxos. Isso pode indicar que, mesmo nesse pequeno grupo, os mais jovens mantiveram os valores de função pulmonar preservados durante os quatro anos de estudo, e esses dados coincidiram com a melhora do IMC, já que existe uma forte correlação do IMC com a CVF, que reflete o tamanho pulmonar e as boas condições de crescimento. Esses achados indiretos de melhora funcional em crianças são semelhantes aos de outros estudos em pacientes com idades semelhantes, já que existe a possibilidade de recuperação e de crescimento pulmonar antes dos 12 anos de idade.(24) Já no grupo 13+, as medianas foram decrescentes, embora de forma não significativa, o que também foi observado em pacientes com FC com idades semelhantes no sul do país(25) e em outros estudos internacionais.(26) As medianas de volumes e fluxos do presente estudo também foram semelhantes aos resultados daquele estudo no Brasil(25) para CVF e VEF1; entretanto, a análise do FEF25-75% dos nossos pacientes mostrou valores discretamente acima dos observados por aqueles autores (mediana em 46% vs. 35,0% aos 10 anos e 12,5% aos 18 anos). Nossos resultados também estão acima dos observados em outro estudo no Brasil,(27) no qual foram estudados pacientes adultos com diagnóstico mais tardio e, portanto, com doença mais leve (CVF = 77% vs. 59%; e VEF1 = 63% vs. 44%).

Em nosso estudo, observamos que o VEF1 estava abaixo da média para a altura, mesmo para os pacientes mais jovens, e ressaltamos aqui a importância do VEF1 como fator analítico de prognóstico e seguimento, conforme descrito por outros autores.(8,9,26) Foi observada uma obstrução mais intensa nas vias aéreas de baixo calibre, demonstrada pelo FEF25-75%. Embora essa não seja uma medida utilizada rotineiramente, ela tem sido considerada importante na análise da função pulmonar nos pacientes com FC, já que pode haver um comprometimento precoce e intenso nessas vias aéreas já em crianças pequenas, em consequência da inflamação que se instala precocemente.(28) No presente estudo, FEF25-75% mostrou-se como a medida mais alterada também nos pacientes mais velhos. Neles, a função pulmonar apresentou-se baixa nas vias aéreas de baixo calibre já no primeiro ano de seguimento, com sua maior redução à medida que a doença pulmonar evoluiu, enquanto a CVF apresentou um comprometimento mais tardio, refletindo a progressão da doença.

Não houve alteração do número de agudizações nos dois grupos, com menos episódios no grupo 13+, o que pode ser devido às características do mesmo, já que alguns pacientes apresentavam manifestações mais leves, conforme também descrito em outro estudo no Brasil.(27)

O ES é um sistema de avaliação de bem-estar e gravidade na FC, e, apesar de não existir um consenso em relação ao melhor escore de avaliação, o ES tem sido considerado um instrumento acessível e de uso corrente para o acompanhamento clínico dos pacientes com FC.(29,30)

Seus valores apresentaram uma diminuição, com significância limítrofe para o grupo 13+, conforme já era esperado, já que sua doença é mais antiga e tende a evoluir de forma mais rápida. Entretanto, o ES manteve-se na mesma classificação, o que mais uma vez reforça a hipótese de que os pacientes tenham mantido estabilidade clínica durante o período de seguimento.

O presente estudo apresenta três sérias limitações. A primeira delas foi a falta de um grupo controle, já que nenhum dos pacientes em seguimento foi excluído do novo ambulatório. Em segundo lugar, a coleta dos dados foi retrospectiva. Essas limitações podem, entretanto, ser um estímulo para que outros serviços avaliem seus dados e que assim possamos ter uma avaliação mais global. A terceira limitação foi o tamanho da amostra.

Apesar disso, acreditamos que a apresentação dos dados de estabilidade funcional dos pacientes durante o período de seguimento seja importante, demonstrando a manutenção da função pulmonar e a diminuição do número de indivíduos com volumes alterados, o que ressalta a importância do acompanhamento funcional e multidisciplinar dos pacientes com FC, tanto para um controle periódico, quanto para a avaliação de resposta terapêutica. As mudanças implantadas com a instituição do atendimento multidisciplinar não mostraram, ainda, efeitos benéficos apreciáveis no grupo estudado, mas esse atendimento pode ter sido importante na discreta melhora funcional nos mais jovens e na manutenção da estabilidade clínica dos mais velhos, assim como a manutenção do número de pacientes colonizados, a estabilidade do ES e a manutenção do estado nutricional desses pacientes. Além disso, a diminuição do número de indivíduos com volumes e fluxos alterados e a melhora da CVF, observada nas crianças entre 6 e 12 anos, podem sugerir que nem toda alteração detectada seja definitiva, o que é um estímulo adicional à realização de toda a rotina para esse tipo de paciente.

Para se entender, entretanto, quais medidas seriam mais efetivas em relação à melhora da qualidade de vida desses pacientes e a seus efeitos em longo prazo, são necessários outros estudos que sejam multicêntricos e que envolvam um maior número de pacientes, pois somente entendendo a evolução dessa doença é que poderão ser traçados objetivos terapêuticos mais efetivos.


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* Trabalho realizado no Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Lidia Alice GMM Torres. Rua Rui Barbosa, 367, apto. 01, Centro, CEP 14015-120, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Tel 55 16 3636-9212. E-mail: lidiaagm@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 29/1/2010. Aprovado, após revisão, em 22/7/2010.



Sobre os autores

Lídia Torres
Médica Pediatra. Departamento de Puericultura e Pediatria, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Jenny Libeth Jurado Hernandez
Médica Estagiária. Serviço de Pneumologia Pediátrica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Giseli Barbiero de Almeida
Médica Residente. Serviço de Pneumologia Pediátrica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Liana Barbaresco Gomide
Fisioterapeuta Voluntária. Serviço de Fibrose Cística, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Valéria Ambrósio
Nutricionista Chefe. Serviço de Fibrose Cística, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Maria Inez Machado Fernandes
Professora Associada. Departamento de Puericultura e Pediatria, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

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