Ao Editor: A esquistossomíase é uma infecção parasitária, endêmica principalmente em regiões tropicais e subtropicais, onde apresenta importante morbidade e mortalidade.(1,2) Estima-se que no mundo existam 200 milhões de pessoas infectadas pelo parasita e 600 milhões em risco de infecção.(2,3) O Brasil é o país mais afetado das Américas, onde 25 milhões de pessoas vivem em áreas endêmicas, das quais, aproximadamente, entre 4 e 6 milhões estão infectadas.(3) Três principais espécies parasitam o homem: Schistosoma mansoni, comum na África, Arábia e América do Sul; S. haematobium, comum na África e Arábia; e S. japonicum, no Japão e na China.(2,4) A infecção é adquirida pelo contato humano com águas naturais contaminadas pela cercária, hospedeira intermediária do parasita.(4) A doença pode ser dividida em três fases relacionadas à migração do helminto: a dermatite alérgica (cercarial), que ocorre durante a penetração da cercária na pele; esquistossomíase aguda, durante a fase de postura dos ovos; e esquistossomíase crônica, que ocorre pela formação de granulomas e fibrose em volta dos ovos do helminto retidos na vasculatura pulmonar, podendo causar arteriolite obliterante e hipertensão pulmonar.(3,5) A doença crônica é observada em moradores de áreas endêmicas; porém, a forma aguda ocorre mais frequentemente em visitantes ocasionais nessas áreas e, portanto, sem imunidade ao parasita, embora possa existir reinfecção aguda em portadores da forma crônica.(3,5) Quando adultos, os parasitas se localizam no plexo venoso vesical, como no caso de S. haematobium, ou no plexo venoso mesentérico, como no caso de S. mansoni e S. japonicum, sendo os ovos eliminados, respectivamente, pela urina e pelas fezes.(6)
No presente caso que relatamos aqui, um paciente masculino de 16 anos informou que, uma semana após ter nadado em uma lagoa, havia iniciado um quadro de febre seguido de epigastralgia, o qual evoluiu com diarreia, vômitos e dor articular. Posteriormente, cinco dias antes de procurar o serviço médico, iniciou exantema transitório na face e tosse seca. Desde o início dos sintomas até o atendimento médico passaram-se 20 dias. Os achados dos exames laboratoriais durante a internação foram os seguintes: leucogramas variando de 16.500-26.700 células/mm3, com proporção de eosinófilos variando de 23-66% e exame parasitológico de fezes (EPF) positivo para ovos de S. mansoni. A radiografia de tórax em incidência posteroanterior mostrou várias opacidades nodulares, de limites imprecisos, distribuídas difusamente nos pulmões, as quais desapareceram após tratamento específico (Figuras 1A e 1B). A TCAR do tórax permitiu um maior detalhamento das lesões pulmonares e evidenciou vários nódulos distribuídos difusamente no parênquima pulmonar com predomínio nas regiões corticais, medindo, em média, 10,0 mm e apresentando, em sua maioria, tênue halo com atenuação em vidro fosco circunjacente (Figura 2). O paciente foi tratado com três doses de 1.050 mg de praziquantel. No primeiro retorno ambulatorial, um mês após a internação hospitalar, o paciente apresentava-se assintomático, e os resultados dos exames laboratoriais foram os seguintes: leucograma com 7850 células/mm3 (17% de eosinófilos) e EPF ainda com ovos de S. mansoni. Já no segundo mês após o tratamento, foi observado no leucograma 6.680 células/mm3 (9% de eosinófilos), e o EPF foi negativo.
A esquistossomíase pulmonar aguda é consequente a uma reação de hipersensibilidade que ocorre aproximadamente de 16-90 dias após a penetração da cercária pela pele, devido à migração de ovos e do esquistossômulo na circulação sanguínea, atingindo inicialmente os pulmões e, posteriormente, o sistema porta-hepático, onde eles permanecem até completar a maturação.(1,3,4) Essa fase é geralmente assintomática, mas podem ocorrer sintomas clínicos variáveis, principalmente em indivíduos não imunes, como febre, cefaleia, anorexia, vômitos, diarreia, tosse seca, artralgia e mialgia, além de altos níveis de eosinófilos, que podem variar de 10-75%.(1,3,4) As manifestações pulmonares mais precoces são decorrentes da migração sanguínea ou linfática do parasita através do pulmão e produzem uma síndrome Loeffler-like. O padrão radiológico dessa síndrome é caracterizado por áreas de consolidações pulmonares ou de atenuação em vidro fosco, bilaterais e subpleurais, as quais, caracteristicamente, são transitórias e migratórias em curtos intervalos de tempo; em geral, essas áreas desaparecem dentro de um mês, aproximadamente.(4) Na fase aguda da esquistossomíase, os exames de imagem geralmente demonstram infiltrado micronodular, miliar e disseminado em ambos os pulmões, assemelhando-se a tuberculose miliar ou infecções virais. Múltiplos nódulos, de maiores dimensões, também podem ser vistos e são secundários à formação de granulomas,(4) por vezes circundados por tênue hipodensidade com aspecto em vidro fosco, denominado sinal do halo; esse halo hipoatenuante que circunda as formações nodulares pode ser causado por depósito de imunocomplexos ou por infiltração eosinofílica.(1,6) As alterações radiológicas observadas nesses casos não são específicas, mas, associadas aos achados clínicos e laboratoriais, permitem o diagnóstico da doença. O diagnóstico e o tratamento precoces dessa enfermidade são importantes para a prevenção de graves complicações tardias, como o desenvolvimento de hipertensão pulmonar, cor pulmonale e fístulas arteriovenosas pulmonares.(4,6) Tem sido sugerido que a TC poderia identificar mais frequentemente o envolvimento pulmonar na esquistossomose aguda, uma vez que essa pode ocorrer na ausência de sintomas respiratórios.(1)
Andréa de Lima Bastos
Médica Assistente,
Serviço de Diagnóstico por Imagem, Hospital Júlia Kubitschek,
Fundação Hospitalar do
Estado de Minas Gerais - FHEMIG -
Belo Horizonte (MG) Brasil
Isabela Lage Alves de Brito
Médica Assistente,
Serviço de Pneumologia
Hospital Júlia Kubitschek,
Fundação Hospitalar do
Estado de Minas Gerais - FHEMIG -
Belo Horizonte (MG) BrasilReferências1. Nguyen LQ, Estrella J, Jett EA, Grunvald EL, Nicholson L, Levin DL. Acute schistosomiasis in nonimmune travelers: chest CT findings in 10 patients. AJR Am J Roentgenol. 2006;186(5):1300-3.
2. Chitsulo L, Engels D, Montresor A, Savioli L. The global status of schistosomiasis and its control. Acta Trop. 2000;77(1):41-51.
3. Lambertucci JR. Acute schistosomiasis mansoni: revisited and reconsidered. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2010;105(4):422-35.
4. Soares Souza A Jr, Marchiori E, Maluf Cury P, Gasparetto EL, Escuissato DL. Acute pulmonary schistosomiasis: correlation between the high-resolution CT and pathological findings [Article in Portuguese]. Rev Port Pneumol. 2007;13(5):741-4.
5. Jeong YJ, Kim KI, Seo IJ, Lee CH, Lee KN, Kim KN, et al. Eosinophilic lung diseases: a clinical, radiologic, and pathologic overview. Radiographics. 2007;27(3):617-37; discussion 637-9.
6. Kunst H, Mack D, Kon OM, Banerjee AK, Chiodini P, Grant A. Parasitic i
of the lung: a guide for the respiratory physician. Thorax. 2011;66(6):528-36.