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Hiperinsuflação manual combinada com compressão torácica expiratória para redução do período de internação em UTI em pacientes críticos sob ventilação mecânica

Manual hyperinflation combined with expiratory rib cage compression for reduction of length of ICU stay in critically ill patients on mechanical ventilation

Juliana Savini Wey Berti, Elisiane Tonon, Carlos Fernando Ronchi, Heloisa Wey Berti, Laércio Martins de Stefano, Ana Lúcia Gut, Carlos Roberto Padovani, Ana Lucia Anjos Ferreira

ABSTRACT

Objective: Although manual hyperinflation (MH) is widely used for pulmonary secretion clearance, there is no evidence to support its routine use in clinical practice. Our objective was to evaluate the effect that MH combined with expiratory rib cage compression (ERCC) has on the length of ICU stay and duration of mechanical ventilation (MV). Methods: This was a prospective randomized controlled clinical trial involving ICU patients on MV at a tertiary care teaching hospital between January of 2004 and January of 2005. Among the 49 patients who met the study criteria, 24 and 25 were randomly assigned to the respiratory physiotherapy (RP) and control groups, respectively. Of those same patients, 6 and 8, respectively, were later withdrawn from the study. During the 5-day observation period, the RP patients received MH combined with ERCC, whereas the control patients received standard nursing care. Results: The two groups were similar in terms of the baseline characteristics. The intervention had a positive effect on the duration of MV, as well as on the ICU discharge rate and Murray score. There were significant differences between the control and RP groups regarding the weaning success rate on days 2 (0.0% vs. 37.5%), 3 (0.0% vs. 37.5%), 4 (5.3% vs. 37.5%), and 5 (15.9% vs. 37.5%), as well as regarding the ICU discharge rate on days 3 (0% vs. 25%), 4 (0% vs. 31%), and 5 (0% vs. 31%). In the RP group, there was a significant improvement in the Murray score on day 5. Conclusions: Our results show that the use of MH combined with ERCC for 5 days accelerated the weaning process and ICU discharge.

Keywords: Physical therapy modalities; Ventilator weaning; Length of stay.

RESUMO

Objetivo: Embora a hiperinsuflação manual (HM) seja largamente usada para a remoção de secreções pulmonares, não há evidências para sua recomendação como rotina na prática clínica. O objetivo do estudo foi avaliar o efeito da HM combinada com compressão torácica expiratória (CTE) na duração de internação em UTI e no tempo de ventilação mecânica (VM) em pacientes sob VM. Métodos: Ensaio clínico prospectivo, randomizado e controlado com pacientes de UTI sob VM em um hospital acadêmico terciário entre janeiro de 2004 e janeiro de 2005. Dentre os 49 pacientes que preencheram os critérios do estudo, 24 e 25 foram randomicamente alocados nos grupos fisioterapia respiratória (FR) e controle, respectivamente, sendo que 6 e 8 foram retirados do estudo. Durante o período de observação de 5 dias, os pacientes do grupo FR receberam HM combinada com CTE, enquanto os controles receberam o tratamento padrão de enfermagem. Resultados: Os dois grupos apresentaram características basais semelhantes. A intervenção teve efeito positivo na duração de VM, alta da UTI e escore de Murray. Houve diferenças significativas entre os grupos controle e FR em relação à taxa de sucesso no desmame nos dias 2 (0,0% vs. 37,5%), 3 (0,0% vs. 37,5%), 4 (5,3 vs. 37,5%) e 5 (15,9% vs. 37,5%), assim como à taxa de alta da UTI nos dias 3 (0% vs. 25%), 4 (0% vs. 31%) e 5 (0% vs. 31%). No grupo FR, houve uma melhora significante no escore de Murray no dia 5. Conclusões: Nossos resultados mostraram que o uso combinado de HM e CTE por 5 dias acelerou o processo de desmame e de alta da UTI.

Palavras-chave: Modalidades de fisioterapia; Desmame do respirador; Tempo de internação.

Introdução

A ventilação mecânica (VM) e a consequente retenção de secreção pulmonar(1) são grandes fatores de risco associados à longa permanência na UTI e à mortalidade em pacientes críticos. Certas estratégias, tais como a fisioterapia respiratória (FR), podem ajudar a eliminar a secreção pulmonar e a prevenir complicações pulmonares,(2) potencialmente reduzindo o tempo de permanência na UTI. A alta precoce da UTI é particularmente relevante em hospitais públicos em países em desenvolvimento, nos quais há restrições financeiras.

Várias técnicas de FR, tais como mobilização, hiperinsuflação manual (HM), percussão e vibrações, são usadas em pacientes sob VM. Demonstrou-se que o uso de técnicas de FR pode reduzir a retenção de secreção pulmonar,(1,3) além de melhorar a complacência dinâmica(4) e a complacência estática.(5,6) A HM é uma das diversas técnicas de FR comumente utilizadas por fisioterapeutas em pacientes sob VM.(5) Originalmente chamada de "bag squeezing", a HM consiste em uma série de respirações profundas com pausa inspiratória de três segundos combinada com compressão torácica expiratória (CTE) e aspiração.(7) Embora estudos tenham demonstrado que a HM tem um efeito positivo sobre a eliminação de secreção das vias aéreas,(2,5,8) as atelectasias(8) e o recrutamento alveolar,(7,9) há evidências moderadas de que o efeito positivo da HM sobre a função respiratória seja efêmero.(10) É possível que a ausência de evidências mais convincentes se deva à escassez de estudos que avaliem a eficácia da HM em relação às variáveis supracitadas(2,11,12) ou às diferentes definições de HM adotadas nos estudos. O termo HM é usado para se referir tanto a procedimentos em que a CTE é realizada como àqueles em que a manobra não é realizada. Aliás, alguns estudos(5,9,13) não deixam claro se a CTE foi incluída ou não no procedimento de HM.

Embora a FR desempenhe um papel importante na abordagem multidisciplinar na maioria das UTIs, há pouquíssimas evidências ou mesmo nenhuma evidência de que a FR facilite o desmame da VM, reduza o tempo de permanência na UTI ou reduza a mortalidade.(10) Há apenas um estudo no qual se investigou a eficácia da HM (sem CTE) em relação às variáveis supracitadas.(11) Devido à escassez de evidências a favor do uso de HM na prática clínica, nosso objetivo foi investigar se a HM, combinada com CTE após percussão e aplicada duas vezes ao dia durante 5 dias, poderia reduzir o tempo de permanência na UTI e a duração da VM em pacientes sob VM. Os demais desfechos foram a extensão da lesão pulmonar e a gravidade da doença.

Métodos

Trata-se de um ensaio clínico prospectivo, randomizado e controlado conduzido entre janeiro de 2004 e janeiro de 2005 com pacientes admitidos à UTI (com 9 leitos) do pronto-socorro (PS) de um hospital-escola terciário (com 450 leitos). O projeto de pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição (Protocolo no. 448/2002).

Todos os pacientes ou responsáveis assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, conforme a Declaração de Helsinki. Pacientes adultos atendidos consecutivamente no PS eram considerados aptos para inclusão no estudo se tivessem sido submetidos a intubação endotraqueal e VM e assim permanecessem durante 24-72 h.

Os critérios de exclusão foram os seguintes: idade < 18 anos; tempo de permanência em UTI/PS  24 h; encaminhamento para outra UTI; positive end-expiratory pressure (PEEP, pressão expiratória final positiva) > 8 cmH2O; asma grave; SDRA; procedimento broncoscópico invasivo; pneumotórax ou história de pneumotórax; drenagem torácica; trauma torácico; inchaço cerebral, pressão intracraniana aumentada ou potencial para aumento patológico da pressão intracraniana; instabilidade cardiovascular (ou seja, pressão arterial sistólica < 100 mmHg ou > 180 mmHg, pressão arterial média < 70 mmHg ou > 110 mmHg ou FC < 70 bpm ou > 120 bpm) com suporte inotrópico; obesidade; lesão da medula espinhal e ordem de não ressuscitação.

Todos os pacientes foram colocados em um ventilador mecânico (modelo Monterey; Takaoka, São Paulo, Brasil) com volume corrente de 7 mL/kg de peso corporal e ventilação assistida controlada ou ventilação mandatória intermitente sincronizada. Todos os parâmetros ventilatórios foram rotineiramente auditados e ajustados conforme necessário (FiO2, volume corrente e PEEP). Os pacientes que receberam alta do PS ou da UTI foram acompanhados até o 30º dia após a admissão.

Os pacientes foram aleatoriamente designados para receber o tratamento-padrão (grupo controle) ou FR (grupo FR). A randomização foi feita diariamente durante 13 meses consecutivos por meio de uma sequência aleatória gerada por computador. A alocação sigilosa foi bem-sucedida. Os médicos que trataram os pacientes não tiveram nenhuma influência sobre a elegibilidade ou a alocação dos pacientes. Os participantes foram analisados nos grupos para os quais foram aleatoriamente designados.

Os pacientes do grupo controle receberam cuidados de enfermagem padrão, que consistiam em técnicas de posicionamento (isto é, mudar a posição de decúbito do paciente a cada duas horas ao longo do dia) e aspiração das vias aéreas. Para a aspiração das vias aéreas, os pacientes eram desconectados do ventilador. Em seguida, realizava-se instilação traqueal de 1 mL de soro fisiológico.(13,14) Quatro conjuntos de seis ciclos eram realizados com um ressuscitador manual (Adult Lifesaver Manual Resuscitator; Hudson RCI, Temecula, CA, EUA) a fim de ventilar os pacientes com oxigênio a 100% (fluxo = 15 L/min), e as vias aéreas eram aspiradas durante 15 s a fim de remover secreções. Esse procedimento era realizado seis vezes por dia. Os pacientes do grupo FR receberam o mesmo tratamento que os do grupo controle, porém apenas quatro vezes por dia. Esses pacientes também receberam FR duas vezes por dia, isto é, percussão em decúbito lateral direito e esquerdo alternadamente (10 min em cada lado), seguida de HM com CTE. Inicialmente, a percussão era realizada manualmente por meio de palmadas na parede torácica, com a cabeceira da cama em posição horizontal. Os pacientes eram novamente colocados na posição supina e recebiam 1 mL de soro fisiológico (pelo tubo endotraqueal). Realizava-se então a HM. O primeiro passo da HM consistia em uma pausa de três segundos ao final da fase inspiratória,(11) seguida de rápida liberação; tão logo começasse a fase expiratória, a CTE era aplicada manualmente (sem vibração) em ambos os hemitórax. A CTE consistiu em quatro conjuntos de seis respirações com HM e seis manobras de CTE (com as palmas de ambas as mãos voltadas para o esterno).(7) Para a realização da HM, os pacientes eram desconectados do ventilador, e o procedimento era realizado com um ressuscitador manual reutilizável de 2,0 L (Hudson RCI) conectado a um fluxo de oxigênio a 100% a 15 L/min (calibrado com um analisador de oxigênio). A fim de maximizar o volume pulmonar, um manovacuômetro (Child Lifesaver Manual Resuscitator; Hudson RCI) era conectado ao ressuscitador manual, e cada insuflação era realizada com pressão de pico em vias aéreas de 40 cmH2O.(5,11,15) Finalmente, a traqueia era aspirada durante 15 s após cada conjunto de respirações com HM. Não foram medidos os volumes correntes expirados e inspirados. A percussão e a CTE foram realizadas por um fisioterapeuta, ao passo que a HM e a aspiração foram realizadas por um enfermeiro. O mesmo enfermeiro e o mesmo fisioterapeuta, que estavam cientes da alocação das intervenções, realizaram as manobras em todos os pacientes do grupo FR.

O estudo foi conduzido durante o tratamento de rotina de outros pacientes internados no PS ou na UTI, onde os pacientes incluídos no estudo foram acompanhados durante 5 dias. Não houve eventos adversos em nenhum dos participantes durante ou após cada intervenção fisioterapêutica. Não houve alterações hemodinâmicas, respiratórias ou neurológicas durante o período de observação. O desmame da VM foi iniciado após os pacientes terem alcançado estabilidade geral, hemodinâmica, neurológica e respiratória (temperatura < 38°C; pH < 7,6 ou > 7,3; pressão arterial média > 70 mmHg ou < 110 mmHg; nenhum suporte hemodinâmico; FC > 70 bpm ou < 130 bpm; pontuação > 8 na escala de coma de Glasgow; PaO2/FiO2 > 200 e FR < 25 ciclos/min). O processo de desmame envolveu o uso de um tubo T com FiO2  50%. O processo de desmame iniciou-se com 15 min/h, e a frequência foi aumentada até que os pacientes tivessem sido completamente desmamados da VM com base em seu estado hemodinâmico, neurológico e respiratório. As intervenções de FR foram monitoradas por meio de SpO2, FC e eletrocardiografia imediatamente antes, durante e após cada intervenção.

Após terem sido desmamados da VM e desconectados do tubo endotraqueal, todos os pacientes receberam FR, ou seja, percussão seguida de limpeza das vias aéreas - por meio de tosse (caso o paciente conseguisse tossir) ou de aspiração - até o quinto dia de tratamento.

Os pacientes que foram excluídos ou retirados do estudo receberam cuidados de enfermagem padrão, os quais consistiram em técnicas de posicionamento (isto é, mudar a posição de decúbito do paciente a cada duas horas ao longo do dia) e aspiração das vias aéreas.

Os desfechos foram avaliados diariamente pelo mesmo fisioterapeuta. Os pacientes foram avaliados na posição supina, na qual foram registrados parâmetros ventilatórios, SaO2, pressão arterial, temperatura, FC, achados da ausculta pulmonar, expansão torácica e achados da radiografia de tórax.

Os desfechos primários foram alta da UTI ou do PS e desmame bem-sucedido. Desfechos relacionados à alta da UTI ou do PS e ao desmame bem-sucedido foram avaliados diariamente ao longo do período de observação de 5 dias. Os desfechos secundários foram a mortalidade em 30 dias, o escore de Murray,(16) o escore Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) e o índice de comorbidade de Charlson (ICC).(18) O escore de Murray (faixa de peso: 0 a > 2,5) é usado para caracterizar a presença de lesão pulmonar e sua extensão(16) e foi calculado no primeiro e no quinto dia de observação. Embora o APACHE II seja um modelo clínico convencional para prever mortalidade em pacientes internados em UTI,(17) o escore APACHE II incorpora menos comorbidades do que o ICC. O escore APACHE II foi calculado no primeiro e no quinto dia de observação. O ICC(18) é um índice de comorbidade que prevê o prognóstico de pacientes críticos(19) e foi calculado com o método e pesos originais (faixa de peso: 1-6) para 18 comorbidades mais a idade do paciente. Cada década acima dos 40 anos de idade acrescenta um ponto ao escore.(18)

Um cálculo de poder feito a priori indicou que 19 pacientes por grupo propiciariam um poder de 80% com erro tipo I de 0,05 para detectar uma diferença de 45% como a diferença significativa mínima entre os grupos no que tange às taxas de sucesso.(20) O sucesso foi caracterizado por desmame da VM ou alta da UTI ou do PS ao longo do período de observação de 5 dias. Os resultados estão expressos em medianas e intervalos interquartis. A significância das diferenças entre os grupos no que tange a características basais foi determinada pelo teste U de Mann-Whitney (idade e ICC), pelo teste de Goodman (gênero, diagnóstico e parâmetros ventilatórios) ou por ANOVA (escore APACHE II e escore de Murray). Para a avaliação do efeito do tratamento de 5 dias sobre o escore APACHE II e o escore de Murray, utilizamos uma ANOVA não paramétrica para medidas repetidas a fim de comparar as diferenças entre dois momentos (dias 1 e 5) no mesmo grupo e entre os dois grupos no mesmo dia.(21) As taxas de alta e de desmame bem-sucedido também foram analisadas diariamente durante o período de observação por meio do teste de Goodman. O teste de Goodman também foi usado para comparar diferenças proporcionais entre os grupos no que tange à mortalidade em 30 dias.(22) Testou-se a normalidade dos dados com o teste de Kolmogorov-Smirnov. O nível de significância estatística adotado foi de p < 0,05.

Resultados

Dos 472 pacientes incluídos no estudo, 397 (84%) foram hospitalizados devido a insuficiência respiratória, e 235 foram intubados e mantidos sob VM. Dos 235 pacientes, 186 foram excluídos com base nos critérios do estudo. Dos 49 pacientes restantes, 24 e 25 foram aleatoriamente designados para os grupos FR e controle, respectivamente. Durante o período de estudo, 6 pacientes do grupo FR e 8 do grupo controle foram retirados do estudo por diversos motivos; portanto, 16 e 19 pacientes completaram o estudo em seus respectivos grupos (Figura 1).



O uso de VM baseou-se em duas ou mais indicações em 15 (79%) e 12 (75%) dos pacientes dos grupos controle e FR, respectivamente, e foi encontrada doença pulmonar associada a outro evento (ou doença) em 10 (53%) e 11 (69%) dos pacientes (Tabela 1).



Não houve diferenças significativas entre os grupos no que tange a idade, gênero, escore de Murray, escore APACHE II e ICC. A respeito de parâmetros de VM, não houve diferenças significativas entre os grupos FR e controle no que tange à necessidade de ventilação mandatória intermitente sincronizada (21% vs. 50%) ou PEEP  5 cmH2O (89% vs. 94%). Entretanto, o uso de FiO2 < 50% foi mais comum no grupo FR do que no grupo controle (88% vs. 58%; Tabela 2).



O tempo de VM foi menor no grupo FR do que no grupo controle a partir do dia 2, quando 37,5% dos pacientes do grupo FR já haviam sido desmamados e desconectados do tubo endotraqueal. Análises estatísticas identificaram diferenças entre os grupos nos dias 2 e 3 (p < 0,01 para ambos), bem como nos dias 4 e 5 (p < 0,05 para ambos). De forma similar, o tempo de permanência na UTI foi menor no grupo FR do que no grupo controle a partir do dia 3, quando 25% dos indivíduos do grupo FR (p < 0,05) já haviam recebido alta da UTI. Essa proporção aumentou para 31% nos dias 4 e 5 (p < 0,01). Deve-se enfatizar que nenhum dos pacientes do grupo controle recebeu alta da UTI antes do dia 5. Após a retirada do tubo endotraqueal, todos os pacientes foram submetidos a FiO2  30% por meio de uma máscara de Venturi. Nenhum dos pacientes em nenhum dos dois grupos necessitou de reintubação. A FR não teve nenhum efeito sobre a evolução dos escores APACHE II. Em ambos os grupos, os escores de Murray foram menores no dia 5 do que no dia 1, e os escores no dia 5 foram significativamente menores no grupo FR do que no grupo controle (p < 0,01; Tabela 3). Entre os dias 1 e 5, não houve óbitos em nenhum dos dois grupos. Não houve diferença significativa entre os grupos controle e FR no que tange à taxa de mortalidade em 30 dias (26% vs. 19%).



Discussão

O presente ensaio controlado randomizado mostrou que o uso de técnicas simples, executadas duas vezes por dia durante 5 dias, contribuiu positivamente para o desmame da VM, além de reduzir o tempo de permanência na UTI e a extensão da lesão pulmonar em pacientes internados em UTI. Utilizamos uma combinação de percussão, limpeza, HM (combinada com CTE) e aspiração, aplicada duas vezes ao dia. Poucos estudos(4,23) examinaram o efeito da percussão em pacientes intubados, demonstrando melhora(4) ou ausência de alterações significativas da função pulmonar.(23) Entretanto, estudos não controlados relataram que a percussão é ineficaz.(23) Embora a HM seja largamente usada para remover secreções pulmonares e tratar atelectasias,(24) não há evidências a favor do uso rotineiro de HM na prática clínica.(10) Essa falta de evidências deve-se, em parte, à escassez de estudos(2,11,12) examinando a relevância clínica e a eficácia da HM e à manobra em si. O termo HM é usado para se referir tanto a procedimentos em que a CTE é realizada como àqueles em que a manobra não é realizada. Além disso, alguns estudos(5,9,13) não deixam claro se a CTE foi incluída ou não no procedimento de HM. Incluímos a CTE porque decidimos usar a manobra conforme descrita originalmente(7) e porque sua eficácia foi comprovada: a CTE melhora a eliminação de secreções,(4,25) o recrutamento alveolar,(7) as atelectasias(25) e a ventilação alveolar.(26)

Até onde sabemos, o único estudo no qual se relatou que a HM tem efeito positivo sobre o desmame da VM, o tempo de permanência na UTI e a mortalidade em pacientes sob VM foi um estudo conduzido por Ntoumenopoulos et al.,(11) que realizaram um estudo semelhante ao nosso utilizando drenagem postural, HM (sem CTE) e aspiração duas vezes por dia ao longo de todo o tempo em que os pacientes permaneceram na UTI. Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos controle e estudo no que tange ao tempo de permanência na UTI (6,8 dias vs. 7,4 dias), à duração da VM (5,2 dias vs. 6,1 dias) ou à mortalidade na UTI (0% para ambos os grupos) em pacientes que sofreram trauma.(11) A substituição da HM por vibração não melhorou essas variáveis em um estudo não randomizado envolvendo pacientes com pneumonia associada à VM.(2) Embora esses estudos(2,11) não tenham comparado as técnicas na mesma população, seus resultados indicam que nem a HM nem a vibração foram eficazes em pacientes sob VM quando aplicadas individualmente. Em um estudo prévio com pacientes nos quais a HM foi usada em conjunto com várias técnicas de FR, inclusive CTE,(12) o tempo de permanência na UTI e a duração da VM foram semelhantes nos grupos estudo e controle. Entretanto, a proporção de fumantes e de pacientes com pontuação maior em índices de gravidade de doença foi maior no grupo estudo do que no grupo controle, o que pode ter interferido nos resultados. Utilizando uma técnica diferente de hiperinsuflação (isto é, hiperinsuflação induzida por ventilador), um estudo recente demonstrou melhora na eliminação de secreção e na complacência estática do sistema respiratório em pacientes sob ventilação com pressão de suporte.(27)

No grupo FR, a melhora da lesão pulmonar, medida pelo escore de Murray, não foi acompanhada de uma melhora da gravidade da doença, medida pelo escore APACHE II. Embora estudos prévios tenham empregado o escore de Murray(28) e o escore APACHE II,(2,3,29) o efeito de intervenções de FR sobre esses índices não foi avaliado, o que impossibilita comparações adicionais. O presente estudo mostrou que embora o escore de Murray tenha melhorado em ambos os grupos, a proporção de pacientes que foram desmamados com sucesso e receberam alta da UTI no dia 5 foi maior no grupo FR do que no grupo controle (37,5% vs. 15,9% e 31% vs. 0%, respectivamente).

Um estudo de coorte examinando comorbidades na UTI verificou que a taxa de mortalidade nos pacientes do grupo estudo com ICC = 2 foi menor do que nos do grupo controle com o mesmo ICC (12,5% vs. 26,0%), embora não tenha havido diferença entre os dois grupos no que tange à mortalidade em 30 dias.(19)

O processo de randomização permitiu a formação de grupos homogêneos no que tange à maioria das características basais, incluindo idade,(30) gênero(1,5,25) e diagnóstico.(1,25) Em nosso estudo, essas características representam o perfil comum dos pacientes internados em UTI geral. Tanto a mediana do ICC basal (2 em ambos os grupos) como a do escore APACHE II basal (16 e 17 nos grupos controle e FR, respectivamente) no presente estudo foram consistentes com as relatadas em estudos prévios com pacientes críticos.(2,29,30) Entretanto, os escores de Murray basais (1,25 e 1,00 nos grupos controle e FR, respectivamente) foram mais baixos no presente estudo do que em outro estudo com pacientes sob VM.(28)

Nosso estudo tem algumas limitações, tais como o pequeno tamanho da amostra. Embora o número de pacientes no presente estudo tenha sido pequeno, nossos dados mostraram que o poder do estudo foi de 0,8 e o tamanho do efeito para alta da UTI ou desmame bem-sucedido foi maior que 0,45. Outra limitação é que o estudo não foi cego. As intervenções foram realizadas pelo único fisioterapeuta disponível. Portanto, foi impossível conduzir um estudo cego.

Em suma, o presente estudo demonstrou que o uso de HM com CTE em pacientes sob VM acelera o processo de desmame, além de reduzir a extensão da lesão pulmonar e o tempo de permanência na UTI. Mais estudos avaliando a eficácia da FR em pacientes internados em UTI sob VM podem fornecer evidências adicionais.

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Trabalho realizado no Hospital das Clínicas de Botucatu, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Carlos Fernando Ronchi. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, CEP 18618-970, Botucatu, SP, Brasil.
Tel. 55 14 3880-1171; Fax: 55 14 3882-2238. E-mail: fernando.ronchi@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação para o Desenvolvimento da Universidade Estadual Paulista (FUNDUNESP, Processo no. 884/03-DFP) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Recebido para publicação em 3/11/2011. Aprovado, após revisão, em 10/5/2012.




Sobre os autores

Juliana Savini Wey Berti
Fisioterapeuta. Hospital das Clínicas de Botucatu, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Elisiane Tonon
Fisioterapeuta. Hospital das Clínicas de Botucatu, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Carlos Fernando Ronchi
Fisioterapeuta. Unidade de Terapia Intensiva, Hospital das Clínicas de Botucatu, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Heloisa Wey Berti
Professora Assistente. Departamento de Enfermagem, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Laércio Martins de Stefano
Professor Assistente. Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Ana Lúcia Gut
Professora Assistente. Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Carlos Roberto Padovani
Professor Titular. Departamento de Bioestatística, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

Ana Lucia Anjos Ferreira
Professora Associada. Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil.

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