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Artigo Original

Sequelas pós-intubação e traqueostomia cirúrgica aberta: devemos sempre fazer a istmectomia?

Postintubation injuries and open surgical tracheostomy: should we always perform isthmectomy?

Alexandre Garcia de Lima, Ariovaldo Marques, Ivan Felizardo Contrera Toro

ABSTRACT

Objective: To evaluate the influence of the surgical team (general surgery or thoracic surgery) and the surgical technique (with or without isthmectomy) on the incidence of postintubation injuries in the airways of tracheostomized patients. Methods: Between January 1st and August 31st, 2007, 164 patients admitted to the adult intensive care unit and tracheally intubated for more than 24 h were studied prospectively at the Sumaré State Hospital, located in the city of Sumaré, Brazil. When tracheostomy was necessary, these patients were randomly assigned to thoracic or general surgery teams. All of the patients were submitted to fiberoptic tracheoscopy for decannulation or late evaluation of the airway. Results: Of the 164 patients in the study, 90 (54.88%) died (due to causes unrelated to the procedure), 67 (40.85%) completed follow-up, and 7 (4.27%) were lost to follow-up. Of the 67 patients who completed follow-up, 32 had undergone tracheostomy (21 by the general surgery team and 11 by the thoracic surgery team), and 22 had been submitted to isthmectomy (11 by the general surgery team and 11 by the thoracic surgery team). There was no difference between the surgical teams in terms of the incidence of stoma complications. However, there was a significant difference when the surgical techniques (with or without isthmectomy) were compared. Conclusions: Not performing isthmectomy in parallel with tracheostomy leads the surgeon to open the tracheal stoma more distally than expected. In such cases, there were more stoma complications.

Keywords: Tracheostomy; Intensive care units; Tracheal stenosis.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a influência da equipe cirúrgica (cirurgia geral ou cirurgia torácica) e da técnica operatória utilizada (com ou sem istmectomia) sobre a incidência de injúrias pós-intubação nas vias aéreas em pacientes traqueostomizados. Métodos: Foram prospectivamente incluídos neste estudo 164 pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva para adultos do Hospital Estadual Sumaré e que ficaram sob intubação traqueal por mais de 24 h, no período entre 1º de janeiro e 31 de agosto de 2007. Quando foi necessária a realização de traqueostomia, os pacientes foram aleatorizados para as equipes de cirurgia geral e torácica. Todos os pacientes foram submetidos à traqueoscopia flexível para a decanulação e/ou a avaliação tardia da via aérea. Resultados: Dos 164 pacientes no estudo, 90 (54,88%) faleceram (sem relação com o procedimento), 67 (40,85%) completaram o seguimento e 7 (4,27%) tiveram seguimento parcial. Dos 67 pacientes com seguimento completo, 32 foram traqueostomizados (21 pela equipe de cirurgia geral e 11 pela equipe de cirurgia torácica). A istmectomia foi realizada em 22 pacientes (11 pela equipe de cirurgia geral e 11 pela equipe de cirurgia torácica). Não houve diferença entre o índice de complicações estomais quando se comparou as equipes, mas sim quando se comparou as técnicas (com e sem istmectomia). Conclusões: A não realização da istmectomia paralelamente à traqueostomia faz com que o cirurgião realize o óstio traqueal mais distalmente do que supõe. Nestes casos, houve um maior índice de complicações do estoma traqueal.

Palavras-chave: Traqueostomia; Unidades de terapia intensiva; Estenose traqueal.

Introdução

A traqueostomia cirúrgica aberta é ainda hoje, na maior parte dos serviços, o procedimento mais utilizado para a prevenção das complicações laríngeas em consequência da intubação prolongada,(1,2) apesar da crescente popularidade das técnicas minimamente invasivas de traqueostomia percutânea.(3,4)

Sabe-se, no entanto, que uma técnica cirúrgica inapropriada pode levar a alterações no estoma traqueal.(1,2,5) Dessa forma, uma cirurgia eletiva que visa prevenir uma complicação laríngea acaba por se tornar o sítio de uma nova complicação, no estoma, que não existiria.

Paralelamente, não há um total consenso sobre a técnica cirúrgica ideal entre os cirurgiões gerais e os especialistas da medicina respiratória, ficando a cargo da experiência profissional de cada cirurgião a decisão sobre a técnica operatória a ser utilizada.

Vários fatores têm sido admitidos como de risco para o desenvolvimento de lesões pós-intubação na via aérea, tais como infecção, pressão elevada do balonete e do próprio tubo, choque hemodinâmico e técnica utilizada.(5-7) Alguns detalhes técnicos da traqueostomia cirúrgica aberta, como o número da cânula utilizada em relação ao tamanho da abertura traqueal, o anel traqueal utilizado para a realização do traqueostoma e a realização ou não de istmectomia, não têm padronização bem estabelecida, e alguns livros texto não assumem posição quanto à necessidade ou não destes procedimentos.(8,9)

Este estudo de coorte teve como objetivo avaliar a influência da equipe cirúrgica (cirurgia geral ou cirurgia torácica) e da técnica operatória utilizada (com ou sem istmectomia) sobre a incidência de injúrias pós-intubação no estoma traqueal e nas vias aéreas de pacientes traqueostomizados.

Métodos

Foram eleitos e incluídos prospectivamente no estudo todos os pacientes que deram entrada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Adulto do Hospital Estadual Sumaré, Universidade Estadual de Campinas, no período entre 1º de janeiro e 31 de agosto de 2007, e que permaneceram sob intubação traqueal translaríngea (orotraqueal ou nasotraqueal) por mais de 24 h.

Foram excluídos aqueles que vieram de outros serviços onde já se encontravam em ventilação mecânica, aqueles submetidos a outros procedimentos cirúrgicos sobre a via aérea, aqueles que tivessem sido intubados ou traqueostomizados nos seis meses anteriores ao estudo e aqueles que se recusaram a participar do estudo, através de seus familiares.

Foram coletados dados antropométricos como gênero, idade, etnia, além de escores, como Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE), e o motivo que levou o paciente à intubação para a comparação entre as populações.

O tempo de intubação translaríngea a partir do qual a traqueostomia foi indicada ficou a cargo da equipe da UTI. No momento da decisão sobre a traqueostomia, os pacientes eram aleatorizados através do sorteio de envelopes pardos lacrados para serem submetidos à traqueostomia pela equipe de cirurgia geral ou de cirurgia torácica.

A equipe da cirurgia geral era composta de cirurgiões do aparelho digestivo, em número total de seis médicos, todos com experiência na realização de traqueostomias, e somente um cirurgião foi responsável pelas traqueostomias realizadas pela equipe de cirurgia torácica.
A técnica operatória ficou a cargo do cirurgião responsável (realização ou
não de istmectomia), assim como a escolha do anel aonde o estoma traqueal seria realizado e do tamanho da cânula a ser utilizada. Logo após o procedimento, o cirurgião responsável foi arguido sobre estes dados; o anel onde o cirurgião disse ter feito o estoma foi denominado anel suposto. Quando se optou pela não realização da istmectomia, o istmo foi rebatido cranialmente.

Assim que o paciente, quando traqueostomizado, tornava-se independente do suporte ventilatório mecânico, a cânula de traqueostomia plástica com balonete era substituída pela metálica.

Após a alta hospitalar, todos os pacientes foram encaminhados para o ambulatório de cirurgia torácica para avaliação clínica e endoscópica; aqueles traqueostomizados também foram submetidos à decanulação.

Após 60 dias da realização da traqueostomia, os pacientes eram submetidos à traqueoscopia flexível sob anestesia local em ambulatório. O anel traqueal onde a cânula se encontrava foi denominado então como anel real. Alterações do estoma traqueal, como granulomas, estenose e malácia foram avaliadas; assim como outras alterações na via aérea (alterações laríngeas, supraestomais e infraestomais). O endoscopista não tinha qualquer informação sobre a técnica ou a equipe responsável pelo procedimento.

Todos os pacientes, traqueostomizados ou não, foram submetidos à laringotraqueoscopia flexível também aos 180 dias para a avaliação final e para a definição de critérios de alta ambulatorial. Ocorrendo sintomas de insuficiência respiratória, qualquer paciente era submetido à broncoscopia de urgência (flexível ou rígida). Portanto, todos os pacientes foram seguidos por 180 dias, clínica e endoscopicamente, para o diagnóstico e o tratamento de outras possíveis doenças sequelares das vias aéreas.

Para a análise estatística, foi utilizado o programa Number Cruncher Statistical System (NCSS Inc., Kaysville, UT, EUA); o teste t de Student não-pareado foi utilizado para dados paramétricos e o teste exato de Fisher ou o teste do qui-quadrado foi utilizado para dados ordinais ou nominais, com índice de significância para diferenças entre as populações de 0,05.

Este estudo obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas sob o parecer número 528/2007, e todos os pacientes ou seus familiares concordaram com o estudo através de termo de consentimento livre e informado.

Resultados

Foram incluídos prospectivamente no estudo 164 pacientes consecutivos entre 1º de janeiro e 31 de agosto de 2007.

Destes pacientes, 67 (40,85%) conseguiram completar o seguimento clinico mínimo de 60 dias proposto; 90 (54,88%) pacientes tiveram evolução fatal durante a internação ou antes da primeira avaliação endoscópica aos 60 dias; e 7 (4,27%) perderam o seguimento ambulatorial. O escore APACHE daqueles que completaram o seguimento foi de 19,41 ± 7,53 e, naqueles que foram a óbito, foi de 29,95 ± 10,16, com diferença significativa entre as duas populações (p < 0,001). Não houve diferenças nos dados antropométricos e nos motivos da intubação.

Do grupo de 164 pacientes, 55 (33,53%) foram submetidos à traqueostomia, sendo que destas, 23 (41,82%) foram realizadas pela equipe da cirurgia torácica. Dos 55 pacientes, 32 (58,18%) sobreviveram.

Assumimos como amostra definitiva 67 pacientes (aqueles que puderam completar o seguimento e, consequentemente, possibilitando a avaliação do desfecho negativo). Destes, 39 (58,21%) eram do gênero masculino. A idade variou entre 15 e 77 anos, com média de 45,55 ± 19,55. Quanto à etnia, 57 (85,07%) eram brancos, 7 (10,45%) eram afro-descendentes, e 3 (4,48%) eram pardos.

Os motivos da intubação e da assistência ventilatória prolongada foram os seguintes: em 18 pacientes (26,87%), para suporte pós-operatório; em 14 (20,90%), devido a traumatismo cranioencefálico grave; e em 9 (13,43%), devido a infecções respiratórias (Figura 1).



Dos 67 pacientes, 32 (47,76%) foram submetidos à traqueostomia aberta por intubação translaríngea prolongada, todas orotraqueais. O tempo de intubação translaríngea naqueles não-traqueostomizados foi de 5,54 ± 3,63 dias, variando de 1 a 14 dias; naqueles traqueostomizados, o tempo de intubação foi de 10,71 ± 2,50 dias, variando de 6 a 17 dias.

Dentre os sobreviventes, 21 pacientes (65,63%) foram submetidos à traqueostomia pela equipe de cirurgia geral, e 11 (34,38%), pela equipe de cirurgia torácica. Todos os procedimentos realizados pela equipe de cirurgia torácica foram com istmectomia; quando realizados pela equipe de cirurgia geral, 11 pacientes (52,38%) foram também submetidos à istmectomia e 10 (47,62%) não (p = 0,0057).

Em relação ao anel traqueal suposto, o estoma de 17 pacientes foi realizado no segundo anel e o de 4 pacientes no terceiro anel, segundo a equipe da cirurgia geral. No caso da equipe de cirurgia torácica, o estoma de todos os pacientes foi realizado sempre no segundo anel.

O traqueostoma no momento da decanulação (anel real) foi localizado, nos pacientes submetidos ao procedimento pela equipe de cirurgia geral, no segundo anel em 12 pacientes, no terceiro em 5, no quarto em 2, no quinto em 1 e no sexto em 1. Todos os traqueostomas dos pacientes submetidos ao procedimento pela equipe de cirurgia torácica encontravam-se no segundo anel. Comparando todas as traqueostomias, quando a realização foi sem istmectomia, o anel real e o anel suposto foram diferentes em 9 ocasiões (p = 0,019). Quando realizados especificamente pela equipe de cirurgia geral com istmectomia (11 pacientes), no momento da decanulação havia diferença em 3, e naqueles sem istmectomia (10 pacientes), havia diferença em 6 (p = 0,198; Figura 2).



Das 32 traqueostomias realizadas, 13 pacientes (40,62%) tiveram complicações do estoma, com granulomas, malácia ou estenose.
Quando comparadas as duas equipes, houve 11 pacientes com complicações no grupo de cirurgia geral e 2 no grupo de cirurgia torácica (p = 0,065). Não houve diferenças quando comparadas as complicações dos óstios em relação à realização ou não de istmectomia (p = 0,132), quanto à congruência entre o anel suposto e o anel real (p = 0,070) e quanto ao tamanho da cânula de traqueostomia utilizada (p = 0,385).

Quando comparado o anel real no momento da decanulação com doença do estoma obtivemos p = 0,144; portanto, sem diferenças entre as populações. No entanto, os 4 pacientes com traqueostoma abaixo do terceiro anel traqueal tiveram doença do estoma, com diferença significativa em relação à população que apresentou doença estomal com traqueostoma no segundo ou terceiro anéis (9/19; p = 0,01). A não realização da istmectomia foi o fator determinante para a realização de traqueostomias abaixo do terceiro anel, presente em 3 dos 4 casos, com p = 0,02. Não houve relação entre o número de dias de intubação translaríngea até a realização da traqueostomia (p = 0,891) entre os grupos com e sem complicação no estoma traqueal.

No grupo dos sobreviventes e ao final do seguimento completo, em algum momento, seja aos 60 (Tabela 1) ou aos 180 dias (Tabela 2), tivemos, no total, 2 (3%) pacientes com alterações supraglóticas (1 após dois dias de intubação translaríngea e 1 após quatro dias), 6 (9%) com doença da região subglótica, 13 (19,4%) com doença do estoma traqueal e 3 (4,5%) com doença infraestomal ou traqueal.









Paralelamente, nos dois momentos de avaliação endoscópica, aos 60 dias, 14 (43,8%) dos 32 traqueostomizados apresentaram resultados de laringotraqueoscopia sem alterações (Tabela 1) e, aos 180 dias, 55 (82,1%) pacientes do grupo completo apresentaram resultados do exame sem alterações (Tabela 2).

Houve necessidade de intervenções para o tratamento dessas sequelas em 5 pacientes (7,46%) do total de 67 incluídos: 1 paciente foi submetido a uma ressecção com anastomose término-terminal de traqueia, em 1 houve impossibilidade de decanulação (paciente com indicação cirúrgica, mas sem condições clínicas para quaisquer procedimentos intervencionistas), e 3 receberam moldes traqueais do tipo tubo T de Montgomery.

Todas as intervenções reconstrutivas na via aérea foram feitas em pacientes traqueostomizados.

Desses 5 pacientes, 3 (ressecção traqueal, impossibilidade de decanulação e colocação de tubo T de Montgomery) tinham apresentado alterações no estoma traqueal, todos realizados abaixo do terceiro anel; os outros 2 receberam tubos de Montgomery devido a estenoses de traqueia distal.

Discussão

A traqueostomia cervical é um procedimento antigo,(10,11) tendo sido descrito há milênios e é o procedimento cirúrgico mais frequente em pacientes graves.(11) Sua utilização ampla teve início com um surto de poliomielite, e as complicações começaram a aparecer na década de 60(1,6) após o uso de cânulas de traqueostomia com balonetes de alta pressão. Após a década de 60, com o incremento do uso de tubos com balonetes de baixa pressão (translaríngeos ou de traqueostomia), uma ampla gama de lesões benignas secundárias nas vias aéreas tem sido tratada.(12) É tida na maioria dos serviços como um procedimento eletivo e preventivo da sequela laríngea da intubação traqueal prolongada translaríngea, além de estar relacionada precocemente à boa evolução intra-hospitalar.(13-15)

A maior indicação da realização de traqueostomia é a intubação translaríngea prolongada,(15) o que, na maioria dos serviços, seguindo a padronização, dura de 10 a 12 dias.(16) Outras indicações são para facilitar a higiene traqueobrônquica e o manejo, gerar conforto para o paciente e dar segurança para a equipe de enfermagem e de fisioterapia, além de ter efeito sobre a instabilidade da via aérea. Essas indicações, no entanto, são dificilmente mensuradas e, portanto, de baixa aceitação técnica.(15)

Sendo assim, a traqueostomia cervical, aberta ou minimamente invasiva, quando indicada devido à intubação translaríngea prolongada, tem um aspecto preventivo e eletivo. A técnica operatória há de ser primorosa para que um ato com estas características não se torne uma nova fonte de complicações agudas e crônicas, com alterações do estoma (granulomas, malácia e estenose) que dificultam ou impossibilitam a decanulação, gerando procedimentos corretivos invasivos endoscópicos ou cirúrgicos em pacientes já debilitados pela sua estadia na UTI.

Não deve ser delegada aos cirurgiões menos experientes ou aos residentes sozinhos, devendo sempre contar com um responsável/supervisor em campo e não à distância, e este, preferivelmente, não deve ser o residente mais graduado. Todo o esforço deve ser empregado nos serviços para que a técnica seja aprimorada.

São fatores determinantes para que se previnam complicações no óstio traqueal: um óstio traqueal amplo, sem ressecção de cartilagem; o uso de técnica asséptica; e o uso de uma cânula de tamanho apropriado. A istmectomia, por sua vez, parece ter um papel secundário na opinião dos cirurgiões; no entanto, não há como se ter certeza do local exato do óstio traqueal sem que ela seja feita, o que se conseguiu demonstrar neste ensaio clínico.

Neste estudo, o fato da traqueostomia ter sido feita sem istmectomia levou os cirurgiões a realizarem-na em anéis mais distais do que supunham, e houve correlação entre as traqueostomias abaixo do terceiro anel e a presença de doença no óstio traqueal.

Não houve significância estatística para as complicações no óstio quando se comparou as equipes, apesar da expressiva tendência (p = 0,065) e da congruência entre o anel suposto e o anel real entre as equipes, (p = 0,070). Isso pode ser devido à amostra que, apesar de não ser limitada,(17) quando separada em grupos e apenas com sobreviventes, foi significativamente diminuída. No entanto, deve-se considerar o fato de que a equipe de cirurgia torácica sempre realizou a traqueostomia aberta com istmectomia e, portanto, sempre localizada no segundo anel, com menos complicações do que a equipe de cirurgia geral, que realizou o procedimento ora com istmectomia, ora sem, e que teve sérias incongruências entre o anel suposto e o anel real, com relação direta às complicações do óstio traqueal, gerando assim novos procedimentos cirúrgicos e endoscópicos neste grupo de pacientes.

Chamou-nos a atenção que, em 3 procedimentos realizados pela cirurgia geral, mesmo com a realização da istmectomia, o anel real foi diferente do anel suposto, o que indica que mesmo com a realização da istmectomia deve-se ter atenção com o anel do estoma, com a correta identificação da cartilagem cricoide e dos anéis traqueais.

Optou-se pela decanulação em 60 dias; essa foi uma abordagem conservadora para a segurança na avaliação e no tratamento dos desfechos negativos, visto ser esse o objetivo do estudo. Essa decisão foi baseada em dados prévios que demonstraram que este é o período crítico para o aparecimento das lesões secundárias à intubação da via aérea.(1,5) A traqueoscopia, realizada aos 60 dias para a decanulação, foi o ponto-chave do estudo, mas, no nosso serviço, esta é uma prática corriqueira para a decanulação traqueal, visto que o teste de oclusão da cânula detecta somente 50% das lesões das vias aéreas.(5,18) Além disso, estenoses subcríticas podem passar sem diagnóstico, e a queixa de dispneia pode ser atribuída a outros fatores, tais como injúria pulmonar recente, perda de força muscular e desnutrição proteico-calórica, cerceando a possibilidade de tratamento precoce eletivo,(19)
com consequente evolução menos favorável.

Apesar de não ser o objetivo do estudo, sabe-se que traqueostomias baixas são o principal fator de risco para uma séria complicação, quase sempre fatal, que é a fístula traqueoinominada, por erosão da cânula ou do balonete contra a parede, opondo a traqueia à artéria braquiocefálica.(5,20) Sabe-se também que a estenose pós-intubação ocorre mais frequentemente nos sítios subglótico, supraestomal e estomal.(1)
Naqueles candidatos ao tratamento operatório com ressecção da estenose e anastomose término-terminal da via aérea, um óstio traqueal baixo, longe da estenose supraestomal, pode muitas vezes dificultar ou até mesmo impossibilitar a cirurgia corretiva.(21) Na nossa casuística, somente 1 paciente teve condições de ser submetido à ressecção traqueal com anastomose término-terminal, e 3 necessitaram órteses respiratórias.(22,23)

Apesar do crescente interesse e da aplicabilidade da traqueostomia dita minimamente invasiva com técnicas percutâneas,(24) guiadas ou não por traqueoscopia, a técnica usada na maioria dos hospitais públicos ainda é a aberta, e todo o esforço deve ser feito para que não causemos mais danos a pacientes já debilitados e traumatizados por longas e penosas estadias hospitalares.

Recentemente, fatores não mensurados clinicamente e que não fazem parte da rotina das UTIs e ambulatórios de especialidades têm sido relacionados às complicações nas vias aéreas.(25) Esse efetivamente pode ser um ramo de estudo promissor na prevenção dessas doenças.
No entanto, na prática e no presente momento, temos que nos focar nos aspectos mensuráveis e cotidianos, tão simples como a prática cirúrgica adequada.

Concluímos que somos a favor da realização da istmectomia para que se possa verdadeiramente realizar o óstio do traqueostoma no segundo ou terceiro anéis. Acreditamos que sejam importantes os seguintes fatores: a realização de uma ampla abertura do estoma, sem ressecção de tecido cartilaginoso; os cuidados para que as bordas do estoma não fiquem invertidas em direção à luz traqueal; o tamanho da cânula a ser usada deve ser cuidadosamente selecionado para que haja compatibilidade entre o tamanho traqueal e o tamanho da cânula, evitando-se pressões excessivas na parede traqueal e a necessidade de altas pressões no balonete para a oclusão completa da via aérea; e que mais atenção e cuidado sejam dados a este procedimento preventivo e eletivo, para que o mesmo não se torne mais uma fonte de complicação para doentes graves, visto que as complicações não são decorrentes da equipe que realiza o procedimento, mas sim da técnica inadequada.

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Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Torácica e Endoscopia Respiratória e na Unidade de Terapia Intensiva Adulto do Hospital Estadual Sumaré, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Alexandre Garcia de Lima. Rua João Simões da Fonseca, 70, Condomínio Residencial Barão do Café 4, CEP 13085-050, Campinas, SP, Brasil.
Tel 55 19 2117-3300. E-mail: alexandre.garcia@toracica.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 28/4/2008. Aprovado, após revisão, em 19/8/2008.


Sobre os autores

Alexandre Garcia de Lima
Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica e Endoscopia Respiratória. Hospital Estadual Sumaré, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
Ariovaldo Marques
Chefe da Unidade de Terapia Intensiva Adulto. Hospital Estadual Sumaré, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
Ivan Felizardo Contrera Toro
Chefe da Cirurgia Torácica. Hospital das Clínicas, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil

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