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Artigo Original

Atenção farmacêutica ao portador de asma persistente: avaliação da aderência ao tratamento e da técnica de utilização dos medicamentos inalatórios

Pharmaceutical care for patients with persistent asthma: assessment of treatment compliance and use of inhaled medications

Daiane de Oliveira Santos, Maria Cleusa Martins, Sonia Lucena Cipriano, Regina Maria Carvalho Pinto, Alberto Cukier, Rafael Stelmach

ABSTRACT

Objective: To evaluate treatment compliance and use of inhaled medications of patients with asthma receiving complementary pharmaceutical care. Methods: A controlled prospective parallel study involving a study group and a control group. We selected 60 patients with persistent asthma and using metered-dose inhalers (MDIs), dry powder inhalers (DPIs) or both. The patients were evaluated three times over 60 days. Instructions were provided to the patients in the study group at all visits but only at the first visit to those in the control group. The patients using < 80% or > 120% of the total number of prescribed doses were classified as noncompliant. The inhalation technique was quantified by a scoring system. A satisfactory technique was defined as a score higher than 7 (maximum, 9) for MDIs and higher than 4 (maximum, 5) for DPIs. Results: The final study sample comprised 28 study group patients and 27 control group patients, of whom 18 (64.3%) and 20 (74.7%), respectively, were considered treatment compliant. From the first to the third visits, there were increases, in the study and control groups, in the median MDI-use score (from 3 [range, 0-5] to 8 [range, 8-9]; p < 0.001; and from 5 [range, 2-6] to 7 [range, 6-8]), as well as in the median DPI-use score (from 3 [range, 2-4] to 5 [range, 4-5] and from 3 [range, 2-4] to 4 [range, 3-5]). Conclusions: The counseling provided by the pharmacist to the patient was important to assist in the implementation of the appropriate inhalation technique, especially for MDI use.

Keywords: Asthma; Pharmaceutical services; Administration, inhalation;Metered dose inhalers; Medication adherence.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a aderência ao tratamento e a técnica de utilização de dispositivos inalatórios em pacientes com asma após atenção farmacêutica complementar. Métodos: Estudo prospectivo controlado com dois grupos paralelos: grupo estudo e grupo controle. Foram selecionados 60 asmáticos persistentes, utilizando regularmente inaladores dosimetrados (IDs), inaladores de pó seco (IPS) ou ambos. Os pacientes foram avaliados em três visitas durante 60 dias. As instruções foram fornecidas em todas as visitas aos pacientes do grupo estudo e apenas na primeira visita do grupo controle. Os pacientes que utilizaram < 80% ou > 120% do total de doses prescritas foram classificados como não aderentes. A manobra inalatória foi quantificada por escores, e uma técnica satisfatória foi definida por uma pontuação superior a 7 (máximo, 9) para o uso de ID e superior a 4 (máximo, 5) para o uso de IPS. Resultados: Concluíram o estudo 28 pacientes no grupo estudo e 27 no grupo controle, dos quais 18 (64,3%) e 20 (74,7%), respectivamente, foram classificados como aderentes. Houve um aumento nas medianas dos escores do uso de ID entre a primeira e a terceira visitas tanto no grupo estudo quanto no grupo controle (de 3 [variação, 0-5] para 8 [variação, 8-9]; p < 0,001; e de 5 [variação, 2-6] para 7 [variação, 6-8]), assim como nas medianas dos escores do uso de DPS (de 3 [variação, 2-4] para 5 [variação, 4-5]; e de 3 [variação, 2-4] para 5 [variação, 4-5]). Conclusões: A orientação fornecida pelo farmacêutico ao paciente foi importante para auxiliar na adequada realização da técnica inalatória, principalmente quanto ao uso de IDs.

Palavras-chave: Asma; Assistência farmacêutica; Administração por inalação; Inaladores dosimetrados; Adesão ao medicamento.

Introdução

A asma é uma doença inflamatória crônica com alta prevalência mundial e elevado índice de morbidade, causando ônus ao paciente e a seus familiares.(1) Um importante aspecto observado na asma, assim como em outras doenças crônicas, é o seguimento incorreto ou o abandono do tratamento prescrito.(2,3) A não aderência à prescrição médica indicada constitui uma das mais importantes causas de insucesso da terapêutica.(4) O baixo índice de aderência do asmático ao tratamento preconizado tem sido frequentemente documentado na literatura médica, visto que apenas metade dos pacientes asmáticos utiliza, de fato, a medicação prescrita.(5,6) É importante ressaltar que esse baixo índice de aderência pode estar ligado a diversos fatores, tais como dificuldade de administração dos medicamentos,(7,8) benefício não satisfatório obtido pela utilização do medicamento, risco de efeito adverso,(7) duração prolongada do tratamento, uso de múltiplos medicamentos e períodos de remissão dos sintomas.(9)

A administração de medicamentos inalatórios é um componente fundamental no tratamento clínico de pacientes com doença pulmonar. O uso de inaladores permite o alcance seletivo dos pulmões, elevando a concentração do fármaco nas vias aéreas e reduzindo os efeitos adversos sistêmicos.(10,11) A eficácia do medicamento inalatório não depende somente da formulação e do tipo de dispositivo, mas também da habilidade, por parte do paciente, em realizar corretamente a técnica inalatória.(12)

O profissional farmacêutico tem contribuído de forma importante no seguimento de pacientes que possuem asma persistente.(13) A literatura demonstra os benefícios de programas educacionais, conduzidos pelo profissional farmacêutico ao paciente asmático, que resultam em melhor aderência ao tratamento medicamentoso, promovem a correta utilização dos medicamentos inalatórios, detectam problemas relacionados aos medicamentos, melhoram a qualidade de vida do paciente e reduzem o número de visitas aos serviços de emergência, assim como o de hospitalizações, por exacerbações de asma.(13,14)

O objetivo deste estudo foi avaliar a aderência ao tratamento medicamentoso e a evolução na técnica de utilização de dispositivos inalatórios em pacientes asmáticos submetidos ao processo de atenção farmacêutica, focado na orientação correta do uso dos medicamentos prescritos.

Métodos

Estudo prospectivo aberto controlado, realizado entre agosto de 2005 e janeiro de 2006. Foram selecionados, de forma voluntária, asmáticos persistentes em tratamento regular de manutenção, que não participaram previamente de programas educacionais e que eram acompanhados há mais de um ano no ambulatório de asma da Disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Esses pacientes foram avaliados em três ocasiões. Uma primeira visita de inclusão (V1), momento em que o paciente aceitou participar do estudo e efetuou a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido; e outras duas visitas de seguimento (V2 e V3), em intervalos de quatro e oito semanas, respectivamente.

Os participantes do estudo foram divididos em dois grupos paralelos: grupo estudo e grupo controle. Essa divisão ocorreu na V2, de forma sequencial, pela a qual o primeiro paciente foi inserido no grupo estudo; o segundo, no grupo controle; e assim sucessivamente. Os selecionados para o grupo estudo receberam orientações sobre a correta utilização dos medicamentos em todas as visitas, e os incluídos no grupo controle receberam essas orientações somente na V1.

Durante as visitas, o paciente foi submetido aos seguintes procedimentos: preenchimento da anamnese específica; demonstração da utilização dos dispositivos inalatórios, que era avaliada e corrigida pelo farmacêutico; e nova demonstração, após as correções (apenas para os pacientes do grupo estudo).

As visitas eram realizadas sempre pelo mesmo profissional, que também reforçou a importância do correto cumprimento da frequência, da dose e do horário de utilização dos medicamentos, segundo a prescrição médica. O tempo médio de atendimento por visita foi de, aproximadamente, 60 min.

A verificação da aderência ao tratamento foi feita pela contagem das doses utilizadas pelo paciente, permitindo calcular o índice de aderência (número de dias entre as visitas × número de doses prescritas por dia = 100% de aderência).(15) Essas avaliações foram feitas na V2 e na V3, considerando os intervalos de uso do(s) medicamento(s) anteriores a elas.

Utilizou-se uma margem de erro/acerto de 20%, de acordo com a literatura; os pacientes que utilizaram menos de 80% (menos doses) ou mais que 120% (mais doses) que número total de doses prescritas foram classificados como não aderentes.(4)

O uso dos medicamentos apresentados na forma de dispositivo para inalação de pó seco, do tipo aerolizer® (budesonida, 200 µg; e formoterol/budesonida, 6/200 µg), foi avaliado por meio da contagem das cápsulas vazias guardadas e devolvidas pelo paciente e, como contraprova, das cápsulas restantes no frasco. O uso dos medicamentos apresentados na forma de dispositivo para inalação com marcadores de doses - diskus® e turbuhaler® - (xinafoato de salmeterol, 50 µg; e formoterol/budesonida, 12/400 µg) foi verificado pela determinação das doses disponíveis no dispositivo, apontadas pelo próprio marcador de doses.

O uso dos medicamentos apresentados na forma de inalador dosimetrado (dipropionato de beclometasona, 250 µg; e salbutamol, 100 µg), que não possibilitam a contagem de doses, foi avaliado através da pesagem dos frascos após sua utilização pelo paciente. Para determinar o número de doses usadas nesses inaladores, foi instituída uma técnica de pesagem, adaptada da Farmacopeia Brasileira, a partir da técnica de pesagens de frascos,(16) utilizando 20 frascos de dipropionato de beclometasona, 250 µg; 20 frascos de salbutamol, 100 µg; e uma balança analítica (modelo AM220; Marte Balanças e Aparelhos de Precisão Ltda, São Paulo, Brasil) com sensibilidade e reprodutibilidade de 0,1 mg. O resultado obtido como o peso médio de cada dose de dipropionato de beclometasona, 250 µg; e de salbutamol, 100 µg, foi 0,846 g.

A avaliação da técnica de utilização dos dispositivos inalatórios foi feita a todos os pacientes mediante a pontuação obtida pela aplicação do escore da técnica de uso do aerossol e do escore da técnica de uso do dispositivo para aspiração de pó seco.(17) Esse escore baseia-se nos erros mais comuns efetuados pelos pacientes. Se o paciente seguir cada passo de forma correta, recebe um ponto por passo efetuado; em cada erro cometido, além de não receber o ponto, e dependendo da gravidade desse erro, são descontados pontos dos anteriormente adquiridos. Dessa forma, considerou-se como técnica inalatória insatisfatória a pontuação inferior a 80% da pontuação máxima a ser obtida.

Esses valores foram adaptados e, no presente estudo, o escore máximo foi de 9 pontos para o uso de inalador dosimetrado e de 5 pontos para o uso de dispositivo de pó seco (Tabelas 1 e 2). Sendo assim, a técnica inalatória foi considerada satisfatória com a obtenção de escores ≥ 7 e ≥ 4, respectivamente, para a utilização do inalador dosimetrado e do dispositivo de pó seco.





Os resultados relacionados à caracterização dos grupos, bem como aqueles relacionados à aderência ao tratamento medicamentoso foram analisados através do teste t, comparando os grupos estudo e controle. Já os índices obtidos da avaliação da técnica de utilização dos dispositivos inalatórios foram comparados por meio de ANOVA para medidas repetidas, considerando os valores das medianas. Foi utilizado o programa SigmaStat versão 2.01 (Jandel Scientific, San Rafael, CA) para a realização dos testes. Considerou-se significante um valor p < 0,05. Os resultados estão apresentados em medianas e intervalos interquartílicos (25-75%).

Resultados

Foram incluídos 60 pacientes, divididos igualmente entre os grupos estudo e controle. Cinco pacientes foram excluídos, pois não compareceram ao atendimento na V3 por motivos pessoais. O estudo foi finalizado com 55 pacientes, dos quais 28 foram incluídos no grupo estudo e 27 no grupo controle. As características sociodemográficas dos pacientes estão mostradas na Tabela 3. Não houve diferenças estatisticamente significantes entre os grupos estudo e controle quanto aos aspectos sociodemográficos.



Quanto à aderência ao tratamento, o índice de utilização dos medicamentos inalatórios para o grupo estudo foi de 93,1% na V2 e de 100%, na V3 (mediana), variando entre 44,6% e 172,2%. No grupo controle, essa análise revelou um índice de 92,5% na V2 e de 93,0% na V3 (variação: 2,5-187,5%).

No grupo estudo, 18 pacientes (64,3%) foram classificados como aderentes, tanto na V2 como na V3. No grupo controle, 20 pacientes (74,7%) e 19 pacientes (70,4%), respectivamente, também foram classificados como aderentes na V2 e V3. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos durante o segmento. Em ambos os grupos, 13% dos pacientes usaram doses superiores ao preconizado e 36%, doses inferiores.

Na avaliação da técnica inalatória do inalador dosimetrado, as medianas obtidas no grupo estudo, durante a V1, foram, respectivamente, 3,0 e 8,0, antes e após as orientações e correções, (p < 0,001; Tabela 4). Durante a V2, essas foram, respectivamente, 6,0 e 8,0, antes e após as orientações e correções (p < 0,001). Durante a V3, a mediana obtida foi a mesma (8,0) tanto antes como após as orientações. Foi observada uma diferença estatisticamente significante (p < 0,001) entre os índices obtidos em V1 após as orientações e em V3 também após as orientações, sendo que nessa última visita, 25 pacientes (96,0%) atingiram o escore máximo de 9 pontos. Assim, analisando a progressão dos pacientes do grupo estudo na utilização do inalador dosimetrado, observa-se um incremento na qualidade da técnica inalatória e o alcance do escore satisfatório após a primeira intervenção; um pequeno, mas não significante, declínio na V2 antes da intervenção; e uma nova elevação significante após novas orientações, indicando a melhora nos índices obtidos ao longo do acompanhamento.



No grupo controle, as medianas obtidas nos escores da técnica na V1 foram, respectivamente, 5,0 e 8,0, antes e após as orientações e correções (p < 0,001). As medianas obtidas em V2 e V3 foram 6,5 e 7,0, respectivamente. Os pacientes do grupo controle apresentaram um incremento na qualidade da técnica inalatória, alcançando um escore satisfatório após a primeira intervenção em V1, seguido por um leve declínio, que levou a obtenção de um escore insatisfatório em V2 e V3, nas quais apenas 11 pacientes (42,0%) conseguiram alcançar o escore máximo (Tabela 4).

Comparando a pontuação dos dois grupos, após a intervenção durante a V1, a mediana dos grupos estudo e controle foi 8,0, indicando que neste ponto não havia diferenças entre os grupos. Em contraste, ao final da V3, a mediana nos grupos estudo e controle foi, respectivamente, 8,0 e 7,0 (p < 0,001), sendo essa diferença estatisticamente significante.

Avaliando a técnica inalatória de uso do dispositivo de pó seco do grupo estudo, as medianas dos escores obtidas em V1 foram, respectivamente, 3,0 e 5,0 antes e após as orientações e correções (p < 0,01; Tabela 4). Durante a V2, as medianas para esse grupo foram, respectivamente, 3,5 e 5,0, antes e após as orientações e correções (p < 0,001). Durante a V3, essas medianas foram 4,0 e 5,0, respectivamente. Analisando a pontuação dos pacientes do grupo estudo, observa-se uma elevação e o alcance do escore satisfatório após a primeira intervenção, um pequeno declínio para um escore insatisfatório em V2, um novo incremento e um escore satisfatório após as orientações, que se estabilizou após a V2.
No grupo controle, as medianas obtidas pelo escore da técnica de uso de pó seco na V1 foram, respectivamente, 3,0 e 5,0, após as orientações e correções (p < 0,001). As medianas obtidas em V2 e em V3 foram, respectivamente, 3,0 (p < 0,001) e 4,0. Dessa forma, os pacientes do grupo controle apresentaram um incremento no escores da técnica inalatória em V1 e um pequeno, mas significante declínio, com escore insatisfatório em V2.

As medianas dos escores dessa técnica inalatória revelaram um escore de 5,0 para ambos os grupos em V1 após a primeira intervenção. No ultimo momento de observação da técnica em V3, as medianas obtidas dos escores foram, respectivamente, 5,0 e 4,0 para os grupos estudo e controle, mas essa diferença não foi estatisticamente significante. Dezenove pacientes (73,0%) do grupo estudo e 11 pacientes (47,0%) do grupo controle alcançaram o valor máximo do escore.

Discussão

Durante o acompanhamento dos pacientes incluídos neste estudo, foram observados resultados positivos com um aumento progressivo dos escores da técnica de utilização dos medicamentos inalatórios, principalmente nos pacientes que utilizaram inaladores dosimetrados. Sob o ponto de vista de aderência ao tratamento medicamentoso, mais de 64% dos pacientes inclusos no estudo foram classificados como aderentes. Entretanto, o percentual de pacientes aderentes não se alterou durante as visitas de observação. A atenção farmacêutica complementar foi importante para aumentar a qualidade da técnica do uso de dispositivos, mesmo em pacientes que já eram usuários antigos dos mesmos.

A experiência de um estudo de atenção farmacêutica com pacientes ambulatoriais em um hospital público terciário é importante, uma vez que estudos de atenção farmacêutica publicados no mundo todo são, geralmente, desenvolvidos em farmácias da comunidade. O serviço ambulatorial hospitalar possibilita a interação do farmacêutico com outros membros da equipe de saúde e o acesso às informações contidas no prontuário médico do paciente tanto ambulatorial quanto hospitalar (internações).

Na análise da utilização do inalador dosimetrado, encontramos um incremento nos índices dos dois grupos entre a primeira e a última visita, sendo que os pacientes do grupo estudo alcançaram escores mais altos, e somente 42% dos pacientes do grupo controle atingiram o escore máximo. Esses resultados sugerem que os pacientes do grupo estudo obtiveram um aprendizado progressivo na utilização desse dispositivo durante todo o acompanhamento. Uma única orientação e/ou correção mostrou-se insuficiente para que os pacientes do grupo controle aprendessem a utilizar corretamente esse dispositivo. Entretanto, na análise da utilização do dispositivo de pó seco, houve um aumento nos índices após a intervenção na primeira consulta nos dois grupos, sugerindo que o processo de aprendizagem aconteceu de forma similar em ambos os grupos. Entretanto, somente 47% dos pacientes do grupo controle alcançaram o escore máximo.

Esses dados, comparados com aos de outros relatos da literatura, indicam que o dispositivo para aspiração demanda uma técnica mais simples de utilização e, portanto, menor tempo de treinamento. Isso se deve à facilidade de se coordenar movimentos respiratórios e mecânicos, quando comparado ao uso de inalador dosimetrado.(12,18,19)

Com relação à aderência, os índices encontrados em nosso trabalho mostram que mais de 64% dos pacientes foram classificados como aderentes. Esse índice está um pouco acima dos mencionados na literatura em geral, em que apenas metade dos pacientes utiliza, de fato, a medicação prescrita.(5) O baixo nível de instrução e a baixa renda familiar do grupo de estudo não influenciaram negativamente a aderência ao tratamento, embora, na literatura, seja enfatizado que a aderência é influenciada por aspectos sociais, econômicos, educacionais e psicológicos.(20) O forte vínculo institucional do paciente com o hospital como unidade assistencial de saúde pode explicar os resultados de aderência ao tratamento encontrados neste estudo. Particularmente, pelo fato de que os pacientes recebem gratuitamente os medicamentos enquanto estão em acompanhamento médico regular, altos índices de aderência também foram evidenciados em outros estudos que efetuaram o fornecimento gratuito de medicamentos.(21)

Dos pacientes que foram classificados como não aderentes, 36% utilizaram um número menor do total de doses recomendadas. De acordo com estudos prévios, esses pacientes negligenciaram o controle de sua doença e ficaram expostos ao risco de exacerbações provocadas pela asma por receberem subdoses do(s) medicamento(s) de manutenção.(22) Por outro lado, 13% dos pacientes não aderentes utilizaram mais doses do que o número de doses prescritas, indicando uma superdosagem, o que não é considerado correto do ponto de vista de aderência, ainda que esse fato reduza a incidência de hospitalizações e/ou visitas aos serviços de emergência por asma.(22) Para evitar o risco de subdosagem/superdosagem, tem sido proposta uma nova estratégia para o manejo da asma. Pacientes que fazem uso de budesonida e formoterol poderiam aumentar o número de doses durante os períodos sintomáticos para voltar ao controle da doença e reduzir a dosagem automaticamente quando a doença estiver controlada.(22)

Os resultados deste trabalho poderiam ser mais expressivos se as seguintes condições tivessem sido preenchidas: maior número de pacientes incluídos no estudo; maior tempo de acompanhamento dos pacientes; medida direta da aderência (monitoramento plasmático) para comparar com resultados obtidos pelo método indireto de verificação da aderência, método que sabidamente apresenta limitações; medição da aderência antes da primeira intervenção; uso de um critério estrito de inclusão e exclusão; e comparação dos resultados obtidos com resultados de outros pacientes não institucionalizados. Além disso, há evidências de que diferentes tipos de dispositivos de pó seco podem apresentar uma eficácia diferente, dependendo do paciente.(23) Neste estudo, os dispositivos de pó seco foram considerados como um todo, quanto ao princípio de inalação, com o intuito de compará-los aos inaladores dosimetrados. Necessitaríamos de outro delineamento para avaliar a reposta em relação aos diferentes dispositivos de pó seco, o que não era nosso objetivo.

Outro ponto fraco do estudo foi não medir o impacto clínico no controle da asma. Recentes estudos com enfoque na intervenção ­farmacêutica revelaram uma redução significativa das crises agudas e dos sintomas noturnos de asma.(15) Em uma publicação muito expressiva, foram observadas reduções dos sintomas noturnos de asma e melhora do controle da asma avaliado pela aplicação do Asthma Control Test, assim como na aderência ao tratamento, na qualidade da técnica inalatória.(15)
Antes da inclusão neste estudo, os pacientes eram acompanhados em um serviço especializado, sendo assistidos exclusivamente por médicos. Não haviam participado de programas educacionais e não tinham contato com o farmacêutico.

Dados europeus indicam que há uma necessidade clara do treinamento específico dos pacientes quanto à realização correta da técnica inalatória para os diversos dispositivos disponíveis atualmente, e essa informação deve ser repetida com frequência para a manutenção da técnica inalatória adequada.(24)

Problemas relacionados à aderência ao tratamento são muito frequentes em pacientes com doenças crônicas, e o farmacêutico está em posição ideal para ter acesso aos problemas de baixa aderência ao tratamento, que podem afetar adversamente os resultados de saúde do paciente, uma vez que as estratégias de monitoramento e de melhoria da aderência estão inclusas no plano de atenção farmacêutica.(18) Por isso, é fundamental que o farmacêutico envolvido na educação de pacientes asmáticos domine as técnicas para proporcionar o treinamento seguro do paciente.

Embora o profissional farmacêutico tenha iniciado a sua inclusão em programas educacionais, alcançando resultados positivos no gerenciamento da asma, a sua participação na assistência ao paciente ainda é mínima, em muitos países.(25,26) No Brasil, isso não é diferente. É essencial corrigir esse problema ainda nos cursos de graduação ou de pós-graduação, encorajando o desenvolvimento de projetos de atenção farmacêutica adaptados ao nosso sistema de saúde. A atenção farmacêutica certamente melhorará os níveis de aderência ao tratamento e garantirá a correta utilização dos dispositivos inalatórios, objetivando o controle da asma.


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Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Rafael Stelmach. Rua Manoel Nóbrega, 572/42, CEP 04001-002, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 3069-5034. E-mail: pnerafael@incor.usp.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 31/3/2009. Aprovado, após revisão, em 18/9/2009.



Sobre os autores

Daiane de Oliveira Santos
Farmacêutica. Divisão de Farmácia, Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Maria Cleusa Martins
Farmacêutica Encarregada. Divisão de Farmácia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Sonia Lucena Cipriano
Diretora. Divisão de Farmácia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Regina Maria Carvalho Pinto
Médica Assistente. Disciplina de Pneumologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Alberto Cukier
Professor Livre Docente. Disciplina de Pneumologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Rafael Stelmach
Professor Colaborador. Disciplina de Pneumologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

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