Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
11085
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Adesividade e purulência de secreções respiratórias: implicações no transporte mucociliar em pacientes com bronquiectasias

Adhesiveness and purulence of respiratory secretions: implications for mucociliary transport in patients with bronchiectasis

Joana Tambascio, Roberta Marques Lisboa, Rita de Cássia Vianna Passarelli, José Antonio Baddini Martinez, Ada Clarice Gastaldi

ABSTRACT

Objective: To analyze and compare the transport properties of respiratory secretions, classified by selected parameters, in individuals with bronchiectasis unrelated to cystic fibrosis. Methods: We collected mucus samples from 35 individuals with bronchiectasis unrelated to cystic fibrosis. The samples were first classified by their surface properties (adhesive or nonadhesive), as well as by their aspect (mucoid or purulent). We then tested the samples regarding relative transport velocity (RTV), displacement in a simulated cough machine (SCM), and contact angle (CA). For the proposed comparisons, we used ANOVA models, with a level of significance set at 5%. Results: In comparison with nonadhesive samples, adhesive samples showed significantly less displacement in the SCM, as well as a significantly higher CA (6.52 ± 1.88 cm vs. 8.93 ± 2.81 cm and 27.08 ± 6.13° vs. 22.53 ± 5.92°, respectively; p < 0.05 for both). The same was true in the comparison between purulent and mucoid samples (7.57 ± 0.22 cm vs. 9.04 ± 2.48 cm and 25.61 ± 6.12° vs. 21.71 ± 5.89°; p < 0.05 for both). There were no significant differences in RTV among the groups of samples, although the values were low regardless of the surface properties (adhesive: 0.81 ± 0.20; nonadhesive: 0.68 ± 0.24) or the aspect (purulent: 0.74 ± 0.22; mucoid: 0.82 ± 0.22). Conclusions: The respiratory secretions of patients with bronchiectasis showed decreased mucociliary transport. Increased adhesiveness and purulence cause the worsening of transport properties, as demonstrated by the lesser displacement in the SCM and the higher CA.

Keywords: Bronchiectasis; Mucus; Mucociliary clearance; Adhesiveness.

RESUMO

Objetivo: Analisar e comparar as propriedades de transporte de secreções respiratórias, classificadas através de parâmetros selecionados, de indivíduos com bronquiectasias não secundárias à fibrose cística. Métodos: Foram avaliadas amostras de muco respiratório, classificadas como com propriedades de superfície adesivas ou não adesivas, assim como com aspecto mucoide ou purulento, de 35 participantes com bronquiectasias não secundárias à fibrose cística, quanto a velocidade relativa de transporte (VRT), deslocamento em máquina simuladora de tosse (MST) e ângulo de contato (AC). Para as comparações propostas, foram utilizados modelos de ANOVA, com nível de significância estabelecido em 5%. Resultados: Houve uma diminuição significativa no deslocamento em MST, assim como um aumento significativo no AC, das amostras adesivas quando comparadas às não adesivas (6,52 ± 1,88 cm vs. 8,93 ± 2,81 cm e 27,08 ± 6,13° vs. 22,53 ± 5,92°, respectivamente; p < 0,05 para ambos). O mesmo ocorreu na comparação entre as amostras purulentas e mucoides (7,57 ± 0,22 cm vs. 9,04 ± 2,48 cm e 25,61 ± 6,12° vs. 21,71 ± 5,89°; p < 0,05 para ambos). Não houve diferença na VRT entre os grupos, embora os valores estivessem diminuídos, independentemente da adesividade (adesivas: 0,81 ± 0,20; não adesivas: 0,68 ± 0,24) ou do aspecto (purulentas: 0,74 ± 0,22; mucoides: 0,82 ± 0,22) das amostras. Conclusões: A secreção respiratória de pacientes com bronquiectasia apresentou uma diminuição do transporte ciliar. Maior adesividade e purulência favorecem a piora das propriedades de transporte, demonstradas pela diminuição do deslocamento em MST e pelo aumento do AC.

Palavras-chave: Bronquiectasia; Muco; Depuração mucociliar; Adesividade.

Introdução

Bronquiectasias são doenças das vias aéreas de diversas etiologias, caracterizadas patologicamente pela dilatação anormal e permanente dos brônquios,(1,2) e causadas, principalmente, pela perpetuação de processos inflamatórios induzida por episódios frequentes de infecções bacterianas e inflamações. Consequentemente, ocorre uma alteração do epitélio de revestimento ciliado, comprometendo, assim, a efetividade da depuração mucociliar.(3)

Além do comprometimento do epitélio ciliado de revestimento, esses pacientes apresentam estimulação de células secretoras de muco e produção de um muco mais rígido,(1) induzindo, assim, a retenção de secreções no sistema respiratório. Essa retenção de muco respiratório pode ser diminuída pelo mecanismo de tosse, que passa a compensar a depuração mucociliar insuficiente.(4)

As alterações do muco respiratório relacionam-se, principalmente, com modifi­cações em suas propriedades reológicas e em suas propriedades de superfície, as quais, dependendo das características existentes, interferem de maneira distinta no transporte ciliar e no transporte pela tosse.(5,6) Sendo assim, as propriedades reológicas e de superfície do muco brônquico, como viscosidade, elasticidade, spinnability, adesividade e wettability, são determinantes para o efetivo transporte das secreções brônquicas.(7)

Os indivíduos com bronquiectasias frequentemente apresentam colonização e infecção bacteriana do sistema respiratório,(8,9) com consequente alteração do aspecto macroscópico das secreções, as quais podem variar entre mucoide e purulento. A presença de purulência está intimamente relacionada com a conformação estrutural do muco e, consequentemente, com seu perfil reológico e os índices de transporte.(10)

O presente estudo teve como objetivo comparar as propriedades de transporte da secreção respiratória (propriedades de superfície adesivas ou não adesivas) e de aspecto (mucoide ou purulento) de indivíduos com bronquiectasias não secundárias à fibrose cística.

Métodos

Foram incluídos no trabalho 35 pacientes clinicamente estáveis atendidos no Ambulatório de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, na cidade de Ribeirão Preto (SP). Os pacientes tinham entre 22 e 81 anos de idade, e o diagnóstico de bronquiectasias não era decorrente de fibrose cística, definido por história e exame clínico completo e confirmado por TC.

Foram excluídos do estudo pacientes que não apresentaram uma quantidade de secreção respiratória suficiente para as análises ou que tivessem desenvolvido quaisquer quadros de infecção respiratória nas últimas quatro semanas.

Os indivíduos participantes do estudo foram informados sobre todas as etapas da pesquisa e assinaram o termo de consentimento aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição.

Alguns participantes faziam uso de medicamentos na época da pesquisa: 19 faziam uso de broncodilatadores, 11 utilizavam corticoides, e 2 utilizavam mucolíticos. No dia da coleta, os pacientes que faziam uso de mucolíticos foram orientados a suspender sua utilização. Além disso, 2 participantes faziam uso de oxigênio domiciliar no período noturno.

A coleta das amostras de muco foi realizada após a tosse voluntária do paciente, o qual expectorava em um recipiente de vidro, no qual o muco era separado da saliva e então avaliado quanto a sua adesividade e purulência. Após essa primeira avaliação, a secreção respiratória era acondicionada em tubos plásticos, cobertos com vaselina líquida para evitar ressecamento das amostras, e congelados até a sua análise.(11)

Os parâmetros avaliados foram os seguintes:

 Propriedade de superfície: Imediatamente após a separação da secreção com a saliva, o muco era avaliado quanto a sua adesividade, atribuindo-lhe uma nota de acordo com uma escala visual numérica,(12) que varia entre 1 (totalmente aderido) e 4 (fácil movimentação). As amostras que apresentaram o índice de adesividade entre 1 e 2 foram classificadas como adesivas e, entre 3 e 4, não adesivas.

 Aspecto: Imediatamente após a análise da adesividade, o muco era avaliado quanto a seu aspecto, atribuindo-lhe uma nota de acordo com uma escala visual numérica,(13) que varia entre 1 (mucoide) e 5 (amarelo/verde). As amostras que apresentaram esse índice entre 1 e 3 foram classificadas como mucoides e, entre 4 e 5, purulentas.

 Medida da velocidade relativa de transporte no palato de rã: Rãs (Rana catesbiana) tiveram seus palatos removidos por decapitação, e esses foram mantidos em temperatura de 4°C durante 48 h para a retirada do muco controle endógeno. Pequenas quantidades de muco dos pacientes eram retiradas do tubo plástico, submersas em éter para a remoção do excesso de vaselina e depositadas em uma região do palato.
O deslocamento da amostra era observado com o auxílio de um estereomicroscópio com aumento de 8× (modelo Stemi1000; Carl Zeiss, Oberkochen, Alemanha), e o tempo de transporte foi registrado com o auxílio de um cronômetro (modelo 8904; Herweg, Timbó, Brasil).(14,15)
Os resultados foram expressos em velocidade relativa de transporte, correspondendo à razão entre a média de cinco medidas da velocidade de transporte do muco experimental sobre a velocidade de transporte do muco de rã (média da soma da velocidade do muco de rã inicial e final à avaliação do muco experimental).

 Medida do transporte em máquina simuladora de tosse: As análises da transportabilidade do muco em máquina de tosse foram realizadas de acordo com o modelo inicialmente descrito por King et al.(4)
O aparelho foi confeccionado pela oficina de precisão do Instituto do Coração da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP). O modelo era composto por uma fonte pressórica, uma válvula solenoide e um esquema simples de via aérea, representada por um cilindro acrílico seco, medindo 30 cm de comprimento, com 4 mm de diâmetro interno e com os três elementos conectados em série. A fonte pressórica era constituída por um torpedo de oxigênio com uma válvula redutora de pressão para a manutenção da pressão constante, durante todo o experimento, em 4,2 kgf/cm2.(14) Quando a máquina simuladora de tosse era acionada, o dispositivo de tempo controlava a abertura da solenoide durante um segundo, permitindo a saída de um alto fluxo de ar na pressão estipulada acima, deslocando, assim, a amostra de secreção. Cada amostra de muco foi testada cinco vezes e utilizou-se a média desses deslocamentos.

 Medida do ângulo de contato: O ângulo de contato representa a tensão superficial do muco sobre uma superfície plana e sólida. Para essa medida, a amostra era preparada como descrito acima, e o ângulo formado entre o muco e a superfície de vidro era medido com um goniômetro em uma lente com aumento de 20×. A superfície de vidro utilizada para essas análises era tratada com ácido sulfocrômico para a remoção das cargas elétricas. A amostra era avaliada cinco vezes e utilizou-se a média dessas medidas, realizada em graus.(14,15)

Para as comparações propostas, foram utilizados modelos de ANOVA, com nível de significância de 5%. Esse modelo é utilizado para comparar dois ou mais grupos independentes e tem como pressuposto que o resíduo obtido através da diferença entre os valores preditos pelo modelo e os valores observados apresente distribuição normal, com média zero e variância constante.

Resultados

Dentre os 35 participantes do estudo, 15 eram do sexo feminino e 20 do sexo masculino. A média de idade dos participantes foi de 54,14 anos, com variação entre 22 e 81 anos. As etiologias das bronquiectasias foram as seguintes: idiopática, em 8 pacientes (23%); pneumonias de repetição com história principalmente de infecções na infância, em 18 (51%); secundária a sequelas de tuberculose, em 8 (23%); e secundária à deficiência de imunoglobulinas, em 1 (3%).

Na Tabela 1, encontra-se a distribuição das amostras de secreção dos 35 participantes do estudo quanto ao aspecto macroscópico e à adesividade.




Das 19 amostras de aspecto purulento, a cultura de escarro não foi realizada em 7, a cultura foi negativa em 7, e a cultura foi positiva em 5 (Pseudomonas aeruginosa em 3, Serratia marcescens em 1 e Acinetobacter baumannii em 1).

Em relação à história de tabagismo, 3 pacientes eram fumantes (média de 43 anos-maço), 12 eram ex-fumantes (média de cessação de 23 anos), e 10 nunca tinham fumado.

Os dados obtidos com a espirometria revelaram que 8 participantes apresentavam prova de função pulmonar normal, 2 apresentavam padrão restritivo, e 25 apresentavam obstrução ao fluxo aéreo. Desses últimos, o grau de obstrução era muito grave em 5, grave em 11, moderado em 7 e leve em 2. As médias e desvios-padrão dos valores (em percentual do previsto) de CVF, VEF1 e VEF1/CVF dos 35 integrantes do estudo foram, respectivamente, 74,00 ± 21,05%, 56 ± 27% e 62,00 ± 22,86%.

Não houve diferenças significativas na comparação dos valores para a velocidade relativa de transporte no palato de rã entre as amostras de aspecto mucoide (0,82 ± 0,22) e purulento (0,74 ± 0,22), assim como entre as de tipo não adesivo (0,81 ± 0,20) e adesivo (0,68 ± 0,24).

Na Figura 1, encontram-se as representações gráficas da velocidade relativa de transporte das amostras de aspecto mucoide ou purulento e daquelas de tipo não adesivo ou adesivo.




Houve diferenças significativas quando comparados os deslocamentos na máquina simuladora de tosse entre as amostras de tipo não adesivo e adesivo (8,93 ± 2,81 cm vs. 6,52 ± 1,88 cm; p < 0,05), assim como entre as amostras de aspecto mucoide e purulento (9,04 ± 2,48 cm vs. 7,57 ± 2,91 cm; p < 0,05).

Na Figura 2, encontram-se as representações gráficas dos deslocamentos obtidos na máquina simuladora de tosse das amostras de tipo não adesivo ou adesivo e de aspecto mucoide ou purulento.

Houve diferenças significativas quando comparados os valores do ângulo de adesão entre as amostras de tipo não adesivo e adesivo (22,53 ± 5,92° vs. 27,08 ± 6,13°; p < 0,05), assim como entre as amostras de aspecto mucoide e purulento (21,71± 5,89° vs. 25,61 ± 6,12°; p < 0,05).





Na Figura 3, encontram-se as representações gráficas dos valores de
ângulo de adesão das amostras de tipo não adesivo ou adesivo, assim como das de aspecto mucoide ou purulento.




Discussão

Neste estudo foram avaliados a velocidade relativa de transporte no palato de rã, o deslocamento em máquina simuladora de tosse e o ângulo de contato da secreção respiratória segundo o índice de purulência e o índice de adesividade de amostras de secreções respiratórias de 35 pacientes com bronquiectasias não secundárias à fibrose cística.

Os resultados mostraram um menor deslocamento e um maior ângulo de contato das amostras de tipo adesivo e purulento quando comparadas com as de tipo não adesivo e mucoide.

Esses resultados contribuem para um melhor entendimento das mudanças na transportabilidade do muco causadas pela doença de base e por outros fatores associados. Somado a outros estudos, será possível identificar parâmetros de referência para se avaliar o comprometimento do sistema respiratório, isolando fatores como a doença de base, a gravidade da doença e o grau de contaminação existente. Enquanto esses parâmetros de referência não estiverem estabelecidos na literatura, haverá grande variabilidade nos resultados e, portanto, continuarão limitados o real entendimento da evolução da doença e o mecanismo e/ou benefício de possíveis estratégias de intervenção terapêutica.

Em indivíduos com bronquiectasias, a secreção expectorada pode variar entre mucoide e purulenta, fato esse que está intimamente relacionado com o estado geral do paciente, uma vez que tais indivíduos são comumente infectados por germes, tais como pneumococos, Haemophilus influenzae,(8,9) Streptococcus pneumoniae, Moraxella catarrhalis e P. aeruginosa.(8)

Embora a classificação pelo aspecto macroscópico do escarro seja discutida por alguns autores, devido à falta de homogeneidade da cor e à subjetividade de escolha,(16) há trabalhos na literatura que relacionam a secreção respiratória de aspecto purulento, caracterizado pelo aumento da coloração, de doentes com bronquiectasias,(17,18) DPOC(19) e bronquite crônica,(20) com a presença de mediadores inflamatórios e bactérias,(18,20) maior volume de secreção,(17) piora do perfil reológico,(10,21) menor velocidade ciliar e maior deslocamento pela tosse(20) quando comparada com a secreção de cor variando entre transparente e branca, ou seja, mucoide. Assim sendo, escalas para essa avaliação foram desenvolvidas com o objetivo de minimizar a falta de definição e a subjetividade da avaliação do aspecto macroscópico.(16)

Um grupo de autores(17) sugeriu que, mesmo com a utilização de escalas para a avaliação do aspecto macroscópico com mais de duas alternativas (além de purulento e mucoide), não há diferença entre os avaliadores na escolha entre essas duas alternativas, ou seja, entre qual seria a amostra de aspecto purulento ou mucoide.(17)

Em nosso estudo, a coleta das secreções foi realizada por expectoração voluntária, e a avaliação do aspecto macroscópico foi realizada utilizando-se a escala do índice de purulência descrita por Deneuville et al.(13) No momento da avaliação das variáveis, as amostras foram dividas entre as de aspecto mucoide (de 1 a 3) e purulento (de 4 a 5).

Um grupo de autores(20) verificou uma menor velocidade relativa de transporte em palato de rã (p < 0,05) em amostras de aspecto purulento (0,80 ± 0.06) quando comparadas às de aspecto mucoide (0,9 ± 0,1), obtidas de pacientes com bronquiectasias. Embora a diferença entre os valores de transportabilidade ciliar das amostras purulentas (0,74 ± 0,22) e mucoides (0,82 ± 0,22) em nosso estudo tenha sido um pouco inferior à diferença entre os achados daqueles autores,(20) não encontramos uma diferença significante.

Outro grupo de autores,(19) avaliando a transportabilidade ciliar do muco de pacientes com bronquiectasias, no modelo de traqueia bovina, também verificou uma diminuição do transporte das secreções de aspecto purulento, assim como em secreções de aspecto mucoide. No entanto, não foi encontrada uma correlação entre purulência e presença de P. aeruginosa.

Em outro estudo,(21) definiu-se que quanto mais purulento é o muco, mais viscoso e menos elástico ele se torna, e, embora as propriedades reológicas das secreções respiratórias não tenham sido avaliadas em nosso estudo, sabe-se que os índices de transporte mucociliar ou da tosse são influenciados pelas características reológicas - viscosidade e elasticidade - existentes no muco respiratório.(5,6,13)

Embora trabalhos prévios demonstrem uma diminuição da transportabilidade ciliar de secreções purulentas,(19,20) nossos resultados não demonstraram um maior prejuízo do transporte ciliar nessas amostras quando comparadas às amostras de aspecto purulento, provavelmente porque o transporte já se encontrava diminuído em todas as amostras, incluindo naquelas de aspecto mucoide, uma vez que a velocidade relativa ideal para o melhor transporte está entre 1,0 e 1,1.(14,22)

Outra variável que poderia interferir na transportabilidade dessas secreções, principalmente no mecanismo de deslocamento pelo fluxo aéreo, é a adesividade,(7) que caracteriza a atração entre uma superfície aderente (mucosa) e um sistema adesivo,(23) e que se relaciona com a tensão superficial existente nas superfícies e com o ângulo de contato formado entre a superfície sólida e aquela líquida.(24)

Como os métodos para a determinação da tensão superficial de substâncias em gel, como o muco, são de difícil realização,(25) utilizamos em nosso trabalho a avaliação do ângulo de adesão e o índice de adesividade, descrito na literatura como pourability.

Como não conhecemos a classificação da adesividade pela medida do ângulo de contato, adotamos o índice de adesividade, capaz de refletir fatores, tais como viscosidade, tensão superficial e adesividade,(24) como referência para a avaliação e a distribuição das amostras de secreção entre os tipos adesivo e não adesivo.

Assim sendo, em nosso estudo, a avaliação da adesividade foi realizada utilizando-se a escala descrita em um estudo,(12) e, no momento da avaliação das variáveis, as amostras foram divididas entre os tipos adesivo (1-2) e não adesivo (3-4). Para evitar um pequeno número de amostras para cada subgrupo e a possibilidade de que um grande número de subdivisões não expressasse tipos bem distintos, decidimos pela subdivisão em apenas dois tipos, seguindo o mesmo padrão utilizado para a classificação pela cor.(17)

Quando nossas amostras foram avaliadas segundo o índice de adesividade, não houve diferença estatisticamente significativa no transporte ciliar, concordando, assim, com os achados de outro estudo,(24) justificado pelo fato de que o transporte mucociliar seria mais complexo e dependente de características viscoelásticas da secreção para sua real efetividade.

No entanto, nossos resultados mostraram um menor deslocamento em máquina de simulação de tosse das amostras de tipo adesivo quando comparadas com aquelas de tipo não adesivo (6,52 ± 1,88 cm vs. 8,93 ± 2,81 cm). Tal resultado pode ser justificado pelo próprio mecanismo de transporte da secreção pelo fluxo aéreo, que corresponde à passagem do gás com a separação das camadas entre o muco e o epitélio respiratório,(24) e que depende, principalmente, das propriedades reológicas e da adesividade da secreção respiratória.

A purulência e a adesividade refletem fatores, tais como propriedades reológicas,(10,13,23) hidratação,(3,23) e tensão superficial(13) da secreção respiratória. Embora não tenhamos avaliado aspectos relacionados com o estado de hidratação da secreção existente, nossos resultados mostraram maior ângulo de contato e menor deslocamento em máquina simuladora de tosse das amostras de tipo adesivo e purulento quando comparadas com as amostras de tipo não adesivo e mucoide, fato esse que pode refletir o aumento das forças de atração entre as moléculas e o aumento da coesão entre essas,(26) com a alteração de sua conformação estrutural e, consequentemente, de seu perfil reológico.(10)

Em relação ao deslocamento em máquina simuladora de tosse, encontramos valores médios variando de 6,52 a 9,04 cm. Essa pequena variação, justificada pelas divisões em grupos envolvendo o aspecto macroscópico e o índice de adesividade com a formação de grupos mais homogêneos, não corresponde à variação existente nos estudos que utilizaram o mesmo modelo de máquina, nos quais houve grande variabilidade nas medidas de deslocamento, com valores médios variando de 2,2 a 19,6 cm.(14,22,27).

Altos valores de ângulo de contato podem prejudicar a transportabilidade ciliar e a transportabilidade do muco brônquico pela tosse.(5) Segundo um grupo de autores,(28) amostras de muco com ângulo de contato menor que 20º oferecem melhor proteção e lubrificação. Em nosso estudo, os grupos de amostras avaliadas apresentaram valores médios de ângulo de adesão variando de 21° a 27°.

A possível interferência de algumas drogas sobre o transporte de secreções ainda é discutida. Em nosso estudo, 19 pacientes faziam o uso de broncodilatadores, e 11 utilizavam corticoides. Entretanto, não está claramente definida a ação desses medicamentos sobre o transporte de secreções brônquicas.(29) Em relação ao uso de mucolíticos, apenas 2 pacientes faziam uso de tal medicamento e foram orientados a suspender sua utilização no dia da coleta da secreção. Além disso, uma recente revisão sistemática não estabeleceu claramente os efeitos dessas drogas sobre o transporte de secreções.(30)

A bronquiectasia vem sendo estudada, principalmente nos países em desenvolvi­mento, na tentativa do melhor entendimento do comprometimento e das alterações no sistema respiratório dos indivíduos acometidos. No entanto, com o surgimento de mais esclarecimentos, torna-se necessária a formulação de grupos cada vez mais homogêneos, fato esse de extrema dificuldade, uma vez que a bronquiectasia relaciona-se com diversas etiologias de base, idades e graus de contaminação, entre outros fatores de confusão. Em nosso estudo, houve ainda a dificuldade do controle da hidratação e a falta do arsenal necessário para a avaliação das propriedades reológicas da secreção respiratória. No entanto, nossos resultados mostram que esses pacientes apresentam secreções com propriedades que prejudicam o transporte mucociliar e, ainda, que características macroscópicas e de fácil avaliação podem fornecer informações importantes relacionadas às propriedades de transporte.

Concluímos, assim, que, independentemente da adesividade ou da purulência, as secreções de pacientes com bronquiectasia apresentam propriedades que prejudicam o transporte mucociliar e que aquelas com maior adesividade ou purulência apresentam piores propriedades de transporte, demonstradas pela diminuição do deslocamento em máquina simuladora de tosse e pelo aumento do ângulo de contato.


Referências


1. Fahy JV, Schuster A, Ueki I, Boushey HA, Nadel JA. Mucus hypersecretion in bronchiectasis. The role of neutrophil proteases. Am Rev Respir Dis. 1992;146(6):1430-3.

2. Camargo JJ, Felicetti JC, Cardoso PF, Moreira AL, Andrade CF. Bronquiectasias: aspectos diagnósticos e terapêuticos - Estudo de 170 pacientes. J Pneumol. 2003;29(5):258-63.

3. Shibuya Y, Wills PJ, Cole PJ. Effect of osmolality on mucociliary transportability and rheology of cystic fibrosis and bronchiectasis sputum. Respirology. 2003;8(2):181-5.

4. King M, Brock G, Lundell C. Clearance of mucus by simulated cough. J Appl Physiol. 1985;58(6):1776-82.

5. Puchelle E, Tournier JM, Petit A, Zahm JM, Lauque D, Vidailhet M, et al. The frog palate for studying mucus transport velocity and mucociliary frequency. Eur J Respir Dis Suppl. 1983;128(Pt 1):293-303.

6. Zahm JM, Pierrot D, Vaquez-Girod S, Duvivier C, King M, Puchelle E. The role of mucus sol phase in clearance by simulated cough. Biorheology. 1989;26(4):747-52.

7. Trindade SH, de Mello JF Jr, Mion Ode G, Lorenzi-Filho G, Macchione M, Guimarães ET, et al. Methods for studying mucociliary transport. Braz J Otorhinolaryngol. 2007;73(5):704-12.

8. Pasteur MC, Helliwell SM, Houghton SJ, Webb SC, Foweraker JE, Coulden RA, et al. An investigation into causative factors in patients with bronchiectasis. Am J Respir Crit Care Med. 2000;162(4 Pt 1):1277-84.

9. Barker AF. Bronchiectasis. N Engl J Med. 2002;346(18):1383-93.

10. Martins AL, Jamami M, Costa D. Estudo das propriedades reológicas do muco brônquico de pacientes submetidos a técnicas de fisioterapia respiratória. Rev Bras Fisioter. 2005;9(1):33-9.

11. Gastaldi AC, Jardim JR, King M. The influence of temperature and length of time of storage of frog mucus samples. Biorheology. 2000;37(3):203-11.

12. Lopez-Vidriero MT, Charman J, Keal E, De Silva DJ, Reid L. Sputum viscosity: correlation with chemical and clinical features in chronic bronchitis. Thorax. 1973;28(4):401-8.

13. Deneuville E, Perrot-Minot C, Pennaforte F, Roussey M, Zahm JM, Clavel C, et al. Revisited physicochemical and transport properties of respiratory mucus in genotyped cystic fibrosis patients. Am J Respir Crit Care Med. 1997;156(1):166-72.

14. Ramos EM, Ramos D, Iyomasa DM, Moreira GL, Melegati KC, Vanderlei LC, et al. Influence that oscillating positive expiratory pressure using predetermined expiratory pressures has on the viscosity and transportability of sputum in patients with bronchiectasis. J Bras Pneumol. 2009;35(12):1190-7.

15. Fernandes PM, Said MM, Pazetti R, Moreira LF, Jatene FB. Effects of azathioprine on mucociliary clearance after bronchial section and anastomosis in a rat experimental model. J Bras Pneumol. 2008;34(5):273-9.

16. Brusse-Keizer MG, Grotenhuis AJ, Kerstjens HA, Telgen MC, van der Palen J, Hendrix MG, et al. Relation of sputum colour to bacterial load in acute exacerbations of COPD. Respir Med. 2009;103(4):601-6.

17. Stockley RA, Bayley D, Hill SL, Hill AT, Crooks S, Campbell EJ. Assessment of airway neutrophils by sputum colour: correlation with airways inflammation. Thorax. 2001;56(5):366-72.

18. Allegra L, Blasi F, Diano P, Cosentini R, Tarsia P, Confalonieri M, et al. Sputum color as a marker of acute bacterial exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease. Respir Med. 2005;99(6):742-7.

19. Wills PJ, Garcia Suarez MJ, Rutman A, Wilson R, Cole PJ. The ciliary transportability of sputum is slow on the mucus-depleted bovine trachea. Am J Respir Crit Care Med. 1995;151(4):1255-8.

20. Zanchet RC, Magalhães AC, Correia AF, Feijó G. A influência de bactérias patogênicas na transportabilidade do escarro e na qualidade de vida de portadores de bronquiectasia. Rev Bras Fisioter. 2006;10(4):457-63.

21. Dulfano MJ, Adler KB. Physical properties of sputum. VII. Rheologic properties and mucociliary transport. Am Rev Respir Dis. 1975;112(3):341-7.

22. Ramos D, Ramos EM, Jardim JR, Faresin SM, Saldiva PH, Macchione M, et al. Efeitos da aerossol terapia nas propriedades físico-químicas do muco brônquico. Rev Bras Fisioter. 2004;8(1):61-6.

23. Pillai RS, Chandra T, Miller IF, Lloyd-Still J, Yeates DB. Work of adhesion of respiratory tract mucus. J Appl Physiol. 1992;72(4):1604-10.

24. Albers GM, Tomkiewicz RP, May MK, Ramirez OE, Rubin BK. Ring distraction technique for measuring surface tension of sputum: relationship to sputum clearability. J Appl Physiol. 1996;81(6):2690-5.

25. Puchelle E, Zahm JM. Rheological properties other than viscoelasticity and adhesivity. In: Braga PC, Allegra L, editors. Methods in bronchial mucology. New York: Raven Press; 1988.

26. Rubin BK, Kater AP, Goldstein AL. Thymosin beta4 sequesters actin in cystic fibrosis sputum and decreases sputum cohesivity in vitro. Chest. 2006;130(5):1433-40.

27. Valente AM, Gastaldi AC, Cravo SL, Afonso JL, Sologuren MJ, Guimarães RC. The effect of two techniques on the characteristics and transport of sputum in patients with bronchiectasis. A pilot study. Physiotherapy. 2004;90(3):158-64.

28. Girod S, Zahm JM, Plotkowski C, Beck G, Puchelle E. Role of the physiochemical properties of mucus in the protection of the respiratory epithelium. Eur Respir J. 1992;5(4):477-87.

29. Houtmeyers E, Gosselink R, Gayan-Ramirez G, Decramer M. Effects of drugs on mucus clearance. Eur Respir J. 1999;14(2):452-67.

30. Crockett AJ, Cranston JM, Latimer KM, Alpers JH. Mucolytics for bronchiectasis. Cochrane Database Syst Rev. 2000;(2):CD001289.



Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Joana Tambascio. Avenida Caramuru, 2200, apto. 1321, CEP 14030-000, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Tel 55 16 3602-2946 ramal 5174. Fax 55 16 3602-4413. E-mail: jtambascio@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Rita de Cássia Vianna Passarelli é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Recebido para publicação em 8/1/2010. Aprovado, após revisão, em 26/4/2010.


Sobre os autores


Joana Tambascio
Fisioterapeuta. Instituto de Reabilitação Lucy Montoro, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Roberta Marques Lisboa
Mestranda em Ciências da Saúde. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Rita de Cássia Vianna Passarelli
Mestranda em Ciências da Saúde. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

José Antonio Baddini Martinez
Professor Associado. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Ada Clarice Gastaldi
Coordenadora. Programa de Pós-Graduação em Ortopedia, Traumatologia e Reabilitação, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia